Por José Álvaro Cardoso.
No debate sobre as chamadas contrarreformas dos últimos anos, um primeiro aspecto que jamais deveria ser esquecido, porque fundamental para a análise, é a de que, absolutamente todas elas (previdenciária, trabalhista, gastos públicos, administrativa, etc.), vieram como consequência de um crime de imensas proporções contra o Brasil, que foi o golpe de Estado em curso. Esse golpe teve como momento crucial o impeachment da presidente Dilma em 2016, mas não se limita àquele momento. Precisar essa questão não é um problema moral e nem se trata de um capricho: é que essa definição é essencial para a precisão do diagnóstico. Consequentemente, é fundamental para o enfrentamento do problema.
Há uma visão que permeia as reformas que é: tudo que é privado é melhor que o público. E tudo que é estrangeiro, é melhor que o nacional. Portanto, nessa perspectiva, se a Eletrobrás – maior empresa de energia da América Latina, gera lucros todos os anos, e em suas 47 usinas localiza-se 52% da água armazenada no país – for vendida por uma bagatela, ótimo. Só que será melhor se for vendida para alguma grande multinacional de um país imperialista. Melhor ainda, se for uma empresa dos Estados Unidos.
Com o golpe, especialmente de 2016 para a frente, foram cometidos crimes em série contra o país. Os golpistas têm sido verdadeiros serial killers. Os diálogos vazados a cada dia, dos agora desmascarados membros da Lava Jato, deixam muito evidente que toda a operação nada tinha a ver com combate à corrupção. Na verdade, foi uma tramoia coordenada pelo país mais poderoso da Terra, visando dar as cartas da política no país e atingir seus objetivos econômicos e políticos. Muitos observadores não querem dizer o óbvio, porque denunciar essas coisas implica em certo risco. Como dizem os analistas sérios de geopolítica: a história mostra que os EUA são capazes de fazer qualquer coisa, para fazer valer seus interesses: “qualquer coisa”, mesmo.
Só iremos entender as “contrarreformas” que os golpistas estão empurrando goela abaixo da população, se entendermos que todas elas, sem exceção, visam solucionar uma crise do capitalismo ao nível internacional, aumentando o repasse, aos países imperialistas, de: petróleo, água, minerais e território para instalação de bases militares. Como os capitalistas gostam de lembrar, “não existe almoço grátis”. Pode-se completar a frase: “especialmente para os povos dos países subdesenvolvidos”. Como em economia não existe, ao contrário dos evangelhos canônicos, o “milagre da multiplicação dos recursos”, uma maior transferência de riquezas para o centro imperialista, representa, ao mesmo tempo, empobrecer e retirar direitos dos povos da periferia. No Brasil, tão logo deram o golpe, trataram de desmontar a Lei de Partilha, que previa uma maior retenção da renda petroleira no país, para investimentos em educação e saúde.
É ingenuidade esperar que um processo eleitoral isolado, meramente institucional, descolado da luta mais geral dos trabalhadores, irá reverter este processo de destruição de direitos e desmonte radical do Estado. A conjuntura internacional é de confrontação entre as potências. Podemos tomar o caso da China que é um país moderado e extremamente negociador. A China não é um país imperialista. O país, estrategicamente, aproveita uma conjuntura internacional específica, na qual conseguiu acumular grande quantidade de capital, para obter um lugar independente no mundo. É uma atitude normal de qualquer país que tem projeto de nação e visa preservar sua soberania.
A China não tem nenhum interesse de provocar os EUA, sua postura é, em termos diplomáticos, de extrema discrição. Porém, o Império do Norte se sente extremamente incomodado com a movimentação chinesa no mundo, nos campos econômico e diplomático. É evidente a intenção dos norte-americanos, de fazer a China ceder espaços obtidos, na economia e política.
Por que isso acontece? É porque a crise do capitalismo é muito profunda. Qualquer espaço econômico que possam ocupar é vital para os países imperialistas. Vejam o que fizeram com a lei de partilha no Brasil. Após o golpe imediatamente trataram de destroçar a Lei. Nesse complexo quadro, o conflito ao nível internacional é inevitável. Não é que os EUA queiram provocar um conflito gratuitamente. É que a gravidade da crise exige medidas drásticas e extremas. Os EUA têm cerca de 50 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Essa situação no coração do maior país capitalista da terra, e cabeça do imperialismo, representa uma verdadeira bomba relógio.
O caráter profundo da crise, coloca o problema político e militar em primeiro plano. E, ao contrário do que muita gente pensa, Biden, cumpre muito melhor esse papel de confrontar seus inimigos, do que o governo anterior. Quando os EUA coordenaram o golpe no Brasil, o presidente não era Trump (e sim Obama) e Biden era vice-presidente.
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.