As atribuições dos prefeitos e as das gentes

Por Lidiane Ramos Leal.

Este mundo não presta, venha outro.
Já por tempo de mais aqui andamos
A fingir de razões suficientes.
Sejamos cães do cão: sabemos tudo
De morder os mais fracos, se mandamos,
E de lamber as mãos, se dependentes.
(José Saramago)

Em ano de eleições, muitas vezes se percebe, de maneira muito evidente, uma espécie de vale-tudo nas promessas políticas. O que faz com que muitos eleitores sintam-se desestimulados a analisar as propostas dos candidatos, haja vista que a notoriedade de promessas e mais promessas seguido da falta de efetivação das mesmas, torna-se uma constante na vida dos munícipes. Por essa razão, é de grande importância que saibamos identificar quais são as atribuições dos prefeitos e as nossas, para sabermos nos posicionar quando a ocasião requerer tal atitude.

Podemos dizer que, a atribuição do prefeito, de forma objetiva, é governar a cidade junto com os vereadores. Dessa forma, deverá apresentar projetos de leis à câmara municipal, sancionar, promulgar, além de publicá-las e vetá-las (leis). Em casos excepcionais, cabe ao prefeito convocar a câmara, a fim de dar respostas imediatas à população.

Cabe ao prefeito, nomear e exonerar os secretários municipais de maneira que, com o auxílio destes, possa direcionar a administração municipal, através de regulamentações legais que orientam cada política pública. Os prefeitos em articulação com os secretários (gestores) das políticas públicas são responsáveis por assegurar à população o direito de acessar: assistência social, educação, saúde, trabalho, previdência social, justiça, agricultura, saneamento, habitação popular, meio ambiente, mobilidade urbana, entre outras.  A viabilização destes direitos é realizada por intermédio de ações integradas, desenvolvidas pelas três esferas do governo (municipal, estadual e federal). Por essa razão existe a intensa necessidade de que os gestores nomeados tenham amplo domínio das políticas e sobre a pasta pela qual irão responder.

Na política de assistência social, é comum nos depararmos com promessas de políticos no sentido de “liberação” de benefícios eventuais, com grande destaque para as “cestas básicas”, porém, a atribuição do prefeito nesta situação específica é de organizar a política municipal de assistência social em conformidade com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Dessa forma, cabe ao prefeito oferecer os serviços que estão regulamentados em lei, para que o usuário tenha acesso ao atendimento junto aos profissionais que o acompanharão, de modo que, por intermédio dos serviços superem a situação de vulnerabilidade social. Caracterizando desta forma, acesso a um serviço garantido por lei.

Na área da educação, não cabe ao prefeito “arranjar” uma vaga para determinado aluno, e sim disponibilizar vagas garantindo um dos princípios da educação, conforme artigo 206 da Constituição Federal de 1988, onde orienta sobre a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Assim sendo, o gestor municipal tem como papel: construir e manter as creches e ainda escolas de educação infantil e ensino fundamental, garantindo estrutura física, bem como, equipe técnica suficiente para atender a demanda. No que se refere ao ensino médio e ensino superior caracterizam-se atribuições dos governos estadual e federal, respectivamente.

Quanto à saúde, situações comuns no meio político é o “encaixe” indevido de consultas médicas, e ainda à “liberação” de medicamentos, com vistas a favorecer uma pessoa, normalmente, em detrimento de outra. Tais situações devem seguir as orientações do Sistema Único de Saúde (SUS), já que a saúde é uma política de acesso universal e igualitário. Assim sendo, é responsabilidade do prefeito oferecer serviços que visam à oferta integral de atendimento aos munícipes, com Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e os demais serviços atuantes em consonância com as legislações específicas, e ainda programas e projetos locais com vistas a atender as necessidades da população.

A mobilidade urbana também é foco de muitas discussões e reclamações. Não é atribuição do prefeito “liberar” um carro de alguma secretaria para prestar um “favor” particular. Contudo, cabe ao prefeito viabilizar o transporte coletivo de boa qualidade ao munícipe. Sabemos que, sejam em pequenos ou em grandes municípios, a classe trabalhadora vivencia a ausência de horários nas linhas de ônibus, o valor abusivo das passagens, bem como o descaso generalizado com a qualidade desta política. O prefeito tem o dever de para além de viabilizar um adequado transporte público, prezar pela garantia da mobilidade urbana como um todo. Assim sendo, deve investir em ciclovias seguras e calçadas bem arrumadas para que as pessoas (sem esquecer de atender os deficientes físicos e visuais) possam transitar com segurança. No que diz respeito ao transporte que integra regiões metropolitanas, a responsabilidade fica a cargo do governador.

Certamente que não abordamos neste artigo todas as políticas desenvolvidas em âmbito municipal, entretanto, buscamos brevemente induzir a discussão acerca destas, não que às demais sejam menos importantes, mas pelo fato de, habitualmente, ser a assistência social uma das políticas que menos recebe propostas e as políticas de educação, saúde e mobilidade urbana, serem as que recebem maior destaque nas propostas e discussões políticas.

O administrador tem como recursos para implementar esses e outros serviços o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto Sobre Serviços (ISS), e ainda poderá contar com o apoio dos governos estadual e federal na transferência de algumas verbas para prestação de serviços administrados no âmbito municipal. É o caso, por exemplo, do Programa Bolsa Família (PBF) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que são benefícios repassados mensalmente aos municípios, porém, a organização dos programas, embora orientados em âmbito nacional, devem ser executados no município. O prefeito ainda dispõe da prerrogativa de criar taxa(s) e imposto(s) para investir em políticas públicas. Tem-se como exemplo, a taxa de coleta de lixo que é cobrada mensalmente na conta de água e esgoto, ou anualmente (em algumas situações) junto ao IPTU. E ainda podemos mencionar o caso da taxa de iluminação pública, cobrada (normalmente) na conta de energia elétrica do munícipe.

O Fundo de Participação dos Municípios é uma transferência constitucional (Artigo 159), da União para os Estados e o Distrito Federal, composto da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A distribuição dos recursos aos Municípios é feita de acordo com o número de habitantes, onde são fixadas faixas populacionais, dessa maneira cabe a cada uma delas um coeficiente individual. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulga anualmente a estatística populacional dos Municípios e o Tribunal de Contas da União (TCU), com base nessa estatística, publica no Diário Oficial da União (DOU) os coeficientes dos Municípios. Muitos municípios pequenos acabam utilizando esse fundo como uma das principais fontes de recurso.

Já alertava Platão* que, o castigo dos bons que não fazem política é ser governados pelos maus. Mas como participar da política, se eu não quero ser político? Todas as pessoas têm o direito, a obrigação, e o dever de participar dos espaços de decisão que regem as nossas vidas. Por exemplo: os conselhos municipais, os centros comunitários, espaços de discussão na internet, contatos dos e com os políticos eleitos, entre outros meios, que muitas vezes, por falta de participação popular, são espaços que são largados nas mãos de quem assume o governo fazendo com que a apreciação pública não exista.

Não podemos aceitar a não participação popular, a omissão e a perpetuação da ideologia burguesa, que a todo o momento visa nos moldar de acordo com a lógica da exploração capitalista. Independentemente de gostarmos ou não de política, ela existe e faz parte da vida de toda pessoa. As leis que regulamentam nossas vidas são feitas por pessoas (éticas ou não) envolvidas na política, e cabe a nós respeitarmos, sob pena de sofrermos repressão.

Fundamentalmente, a política é uma articulação entre as pessoas para se obter o acordo na solução das dificuldades, mas, quais são as nossas dificuldades? Será que são as mesmas dos gestores? Será que estes gestores conhecem a nossa realidade? Será que os interesses pessoais não podem usurpar as necessidades coletivas? Por isso, o importante alerta de Platão sobre a necessidade dos honestos, que acreditam na possibilidade de um outro mundo, deverem participar ativamente da política, para não serem governados pelos desonestos. E estas pessoas as quais Platão se refere, que acreditam na coletividade, devem ficar muito atentas, pois o sistema é traiçoeiro e as propostas para corromper os objetivos coletivos em troca de favores pessoais é uma constante nesse sistema.

Finalizo com uma formidável reflexão de Marx e Engels no livro A ideologia alemã, qual seja: não é a consciência que determina a vida, mas a vida é que determina a consciência. O homem tem uma origem, percorre uma história, tem uma consciência construída ao longo de sua vida, que é rica de conhecimento acerca de suas necessidades, e cada ser humano é a pessoa mais certa para responder quais são seus anseios. Por isso, a luta coletiva e os objetivos da coletividade devem ser impreterivelmente respeitados, pois precisamos “dar um basta” nesse mundo que não presta, para que venha outro.

Fonte da foto: http://wernnerlucas.blogspot.com.br/2009/11/sobre-pobreza-na-africa.html

 

* Para que não ocorra mal entendidos no sentido de conclusão de que Platão tenha sido defensor da participação popular, elucidamos que o filósofo era defensor da ideia de que somente os esclarecidos e sábios atendiam as condições necessárias para a participação na política. O que certamente não é o caso da nossa análise, pois entendemos que todo cidadão tem o direito de participar da política. No entanto, tal frase adéqua-se perfeitamente no sentido da crítica que conduzimos, a respeito da necessidade de participação das pessoas éticas nos espaços de decisão e de poder.

5 COMENTÁRIOS

  1. Olá colegas, também parabenizo o artigo postado, como seria bom se fosse um manual para todos os sujeitos ligados ao poder político de nosso país.
    Digo isso porque acredito que muitos desses sujeitos não tem nem ideia de suas obrigações, aliais, tem ideia sim, de um salário “fácil” e de trocas de favores como consciência de que isso realmente é o certo, e olha que estou sendo digamos, imatura, em não colocar ainda o dinheiro fácil que na política pode-se alcançar por meio do abuso de seu poder, poder este, aqui no Brasil dado pelo POVO.

    Nosso colega acima nos mostrou sugestões para que tais abusos não aconteçam e que tenhamos uma política mais social, acho válido discutirmos isso, pois é justamente isso que o artigo, ao meu ver, objetiva-se, além da própria conscientização.

    Att,
    Thayse Ramos

  2. Gostei do artigo, todos os candidatos deveriam ler para administrar melhor
    os nossos impostos, pagos com tanto sacrifício.
    Parabéns Lidiane

  3. Gostei do artigo, todos os candidatos deveriam ler, para administrar melhor os nossos impostos, pagos com tanto sacrifício

  4. Olá. Muito bom o artigo. É fundamental entender a dinâmica que as prefeituras deveriam dar aos municípios. O que significa que deveria atender as demandas da população. No entanto, a realidade objetiva mostra-nos que isso não acontece, pois a prefeitura, assim como um governo estadual ou federal, se situam em uma superestrutura burocrática e antidemocrática (ou da democracia burguesa)que engessam a participação popular, tudo isso para garantir os interesses de uma ínfima minoria, ou seja, a burguesia. E como entender que de promessas no período eleitoral as esperanças dos eleitores se transformam em ilusões? Fácil. Enquanto os políticos forem financiados pelos ricos, governarão para os ricos e enganarão o povo trabalhador. Para os socialistas, as eleições podem ser uma tática, portanto dizer basta ao financiamento da burguesia às candidaturas é uma medida para começar a barrar essa injustiça. Mas no que diz respeito a estratégica, ou seja, outro projeto de sociedade, é preciso avançar, é fundamental a participação ativa dos trabalhadores e do povo pobre. Uma proposta é os Conselhos Populares, que seriam organismos de luta dos trabalhadores e da população pobre por suas próprias reivindicações e contra o governo federal, além de serem órgãos deliberativos dos trabalhadores. Por fim, volto a elogiar o artigo. Servirá de base para compreender melhor o que deveria ser uma prefeitura. Parabéns.

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