Há poucos dias, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump fez uma severa ameaça a todos os países que andam avançando no debate em relação à retirada do dólar como a moeda padrão para as transações de comércio internacional. Este é um assunto que já abordamos no passado, mas em razão de sua enorme importância e validade para o momento em que estamos, considero oportuno retomar a essência do que já tínhamos procurado ressaltar com anterioridade.
Uma das consequências resultantes dos Acordos de Bretton Woods, pouco antes da conclusão da II Guerra Mundial e em função dos resultados previstos para a mesma, foi o papel adquirido pelo dólar estadunidense como moeda de transação internacional. Nesta primeira fase, havia uma convertibilidade estipulada entre o dólar e o ouro. Ou seja, qualquer país em posse de uma certa quantidade de dólares poderia exigir sua conversão ao ouro em qualquer momento.
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Entretanto, em 1971, as autoridades estadunidenses decidiram acabar com o lastreamento de sua moeda com base no ouro. A partir de então, o comércio internacional passou a funcionar em torno de um meio de pagamento inteiramente subordinado aos caprichos das autoridades monetárias dos Estados Unidos.
Amparada por este mecanismo, a economia estadunidense entrou numa fase de parasitismo como nunca antes a história da humanidade havia visto. Sem a necessidade de lastrear suas emissões monetárias em reservas reais de ouro e com a continuidade do dólar como meio de pagamento internacionalmente aceito, os Estados Unidos deixaram de se preocupar com a questão de seu déficit orçamentário. No final das contas, qualquer desequilíbrio que por ventura viesse a surgir acabaria sendo compartilhado, ou, a bem da verdade, transferido, com o conjunto das nações do planeta. Assim, do ponto de vista dos Estados Unidos, bastaria que emitissem mais dólares para que as contas se equilibrassem. E, sem dúvidas, quanto a isto, não havia entraves.
Foi este potentíssimo instrumento de manipulação financeira o que dotou os Estados Unidos com uma incomparável capacidade de expandir e fortalecer seu poder por todos os rincões da Terra sem depender da força real de sua economia produtiva.
Assim, os enormes custos de instalar bases militares pelos mais recônditos pontos geopoliticamente estratégicos de nosso planeta puderam ser suportados sem grandes sacrifícios próprios. Em outras palavras, era o mundo todo que deveria pagar para que os Estados Unidos tivessem o poderio militar para se impor ao mundo todo. Na atualidade, há em torno de 900 de suas bases militares, espalhadas por todos os continentes e prontas para serem acionadas no instante em que eles sintam que seus interesses podem estar correndo riscos. E, se algum pontinho da Terra pudesse ter ficado fora do alcance dessa máquina mortífera, Javier Milei já combinou com seus tutores para que o Cone Sul americano estivesse bem coberto.
Portanto, esta gigantesca (ou melhor, monstruosa) estrutura militar atua como o principal sustentáculo para que o capital financeiro estadunidense continue a ter enormes ganhos sem precisar mover um dedo para tal. E garantir que o dólar se mantenha no papel de moeda padrão para as transações internacionais pode parecer algo secundário, mas é de fato uma imperiosa necessidade para a persistência desse sistema pernicioso.
Quando, para citar um exemplo, o Brasil vende seus produtos agropecuários para a China, ou quando a China nos exporta seus produtos industrializados, não são apenas os chineses e nós brasileiros os que ganhamos com essas operações comerciais. Mesmo sem desempenhar nenhum papel efetivo nas mencionadas transações, os Estados Unidos arrebatam uma fatia significativa do bolo. E tudo isto em razão de os pagamentos terem de ser efetuados em dólares.
Devido a seu controle da moeda internacional (o dólar), os Estados Unidos passaram a desapropriar recursos de países com os quais entravam em conflito. Como todas as transações deveriam ser feitas em moeda estadunidense, todos os recursos nessa moeda no sistema bancário mundial ficaram à mercê dos desígnios das autoridades financeiras dos Estados Unidos.
Foi assim que vários países desafetos foram ROUBADOS pelos Estados Unidos de recursos essenciais para a manutenção da vida de seus povos. Ocorreu com a Líbia, há uns 12 anos, com o Irã, mais recentemente, com a Venezuela e, agora, com a Rússia.
Por isso, do ponto de vista de Trump, Biden e todos os que defendem os interesses do imperialismo (o que, logicamente, inclui nossos bolsonaristas), abandonar o dólar e não considerá-lo mais como o meio de pagamento para todas as transações internacionais é mesmo um seríssimo golpe para que a economia dos Estados Unidos possa seguir adiante de modo parasitário, chupando o sangue dos povos do mundo para nutrir as ambições dos grandes capitalistas que controlam o sistema financeiro gringo e seus serviçais pelo mundo afora.
Quanto a todos os que não compactuamos com a estrutura de dominação montada pelo imperialismo para exercer sua hegemonia parasitária, é imperativo que lutemos para pôr fim a esta aberração de ter como moeda comum um instrumento que favorece e facilita nossa subjugação. Em outras palavras, devemos nos empenhar para que nossos países deixem de negociar atados aos mecanismos controlados pelos que nos querem explorar, ou seja, vamos lutar para que nossas transações sejam feitas fora do dólar estadunidense.
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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