Recolhemos depoimentos de figuras da cultura mineira acerca das declarações de Alvim, semelhantes a de Joseph Goebbels, propagandista do nazismo.
“Não dá pra simplesmente comemorar a saída do dublê do Goebbels, porque no fim ele foi vítima do seu próprio entusiasmo diante de um projeto de cultura tão aterrorizante quanto a própria encenação dele naquele vídeo. O projeto segue, assim como todos os projetos revisionistas desse governo, assim como prosseguem todos os ataques à liberdade de expressão, de criação e autonomia intelectual e crítica. Assim como prosseguem todos os ataques aos direitos trabalhistas, previdenciários, educacionais e humanos desse governo de sociopatas, defensores de torturadores e fascistas e que é conveniente aos liberais que usam essa cortina de fumaça pra assaltar nosso direito ao que é público.”
Marco Scarassatti, artista sonoro e professor da UFMG
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“De imediato, abstraindo o pronunciamento (se formos capazes disso), é no mínimo caricato um discurso governamental com trilha sonora de fundo, como se assistíssemos a uma cena de telenovela ou filme. Quando essa música, de um compositor estrangeiro, surge em um contexto cujo tema é a defesa de supostos “valores nacionais” – e não se diz o que eles são, mas podemos facilmente suspeitar -, isso soa tragicômico. Isso é o lado anedótico do episódio. (Aliás, será que os direitos autorais do registro sonoro foram pagos?)
No fundo, assistimos a uma personificação provinciana do personagem Adrian Leverkuhn, do romance “Doutor Fausto”, de Thomas Mann (ou ainda de Hendrik Höfgens, de “Mephisto, de Klaus Mann): a velha história de alguém que vende a alma para um regime, repetindo suas bandeiras, e se vê depois caído em desgraça. Da parte do recém-exonerado, não sei sequer se ele acreditava no que dizia ou apenas comportava-se como um adulador, o que em nada atenua a gravidade de sua fala, nem o exime de responsabilidade: caberia a ele escolher entre a hipóteses do “descuido” (que indica que nem ele nem seus assessores demonstram conhecimento ou discernimento para ponderar que um pronunciamento oficial que junta nacionalismo e música de Wagner vai significar algo) ou a da intencionalidade de sua “apresentação” (o quê ele quis dizer usando Wagner com música para a sua fala?). A única coisa que não se pode alegar é ingenuidade, pois qualquer um com um conhecimento mínimo de história sabe do uso propagandístico que o nazismo fez da obra do compositor romântico. As perguntas em aberto são: por quê decidiu-se pela emissão ser assim? o que se quer dizer por meio desse tipo de edição? Infelizmente, a única resposta antes da demissão foi uma tentativa de auto-defesa que seguiu o usual padrão de agressividade.
Do meu ponto de vista, o dilema não é uma cultura “conservadora” contra uma progressista, mas uma investida retrógrada que aposta pura e simplesmente na negação e ausência de cultura, exaltando a ignorância e a recusa a análise como valores. Melhor dito, não acho que os nossos “conservadores” são conservadores – são, isso sim, incultos e disso se ufanam. Um conservador é alguém que, por exemplo, tem como seus pilares intelectuais autores como Cícero, Disraeli, Adam Smith, Francis Fukuyama – vendo nelas a perpetuação de uma tradição que instrui sua visão de mundo. Você pode discordar dele, mas o espaço para debate existe, como se testemunha em várias democracias. Não vejo da parte dos políticos recentemente auto-proclamados “conservadores” do Brasil qualquer vestígio de experiência cultural dessa natureza: eles parecem nunca terem visto, lido ou ouvido nada e se mostram incapazes de apresentar fundamentos historicamente consolidados para suas ideias – sejam elas quais forem. Tudo que temos são ofensas. Os alvos visados são notórios, e alimentam a ilusão do país que acredita que vai voltar a ser virgem.”
Guilherme Bueno, professor do curso de Artes Visuais da UFMG
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“A queda de Alvim:
1. Antes do discurso nazista, tava lá o presidente em pessoa recebendo Alvim em sua live semanal. O programa de Alvim para a cultura era e é o de Bolsonaro.
2. Alvim foi o mais próximo do seu programa extremista que Bolsonaro encontrou na área da cultura. A busca continuará, afinal o Bolsonarismo é feito de enfrentamento e jamais admite erro.
3. A cultura (assim como a educação) para Bolsonaro tem a função primordial (senão única) de propagação ideológica. Enquanto durar seu governo ele continuará tentando subjugar essas duas esferas à sua ideologia e seu revisionismo.
4. Ao cinema brasileiro não resta esperanças: esse governo seguirá a estratégia de Viktor Orbán e fará o possível pra amassar economicamente os opositores (que é como ele vê o cinema brasileiro). Vai cortar subsídios, vai exterminar programas de apoio, vai postergar pagamentos atrasados, o diabo. O (pouco) investimento que existir vai ser para a o cinema “heróico”.
5. O flerte Bolsonarista com o extremismo seguirá na mesma toada: chamam alguém pra proclamar as maiores barbaridades e quando a coisa dá ruim, substituem a figura pra fingir civismo. Nisso aí a barbárie já foi proclamada, debatida e normalizada. Pior: foi até mesmo aceita pelos 10% de adoradores do presidente que vão concordar com o absurdo e se solidarizar com o mito, que, vitimizado pela politicagem e pela imprensa, tem que demitir ministros fiéis.
6. Alvim é um personagem trágico: cai pelo excesso, pela enorme sede com que foi ao pote. Tentou resolver toda o seu recalque duma vez e, no seu grande momento, na sua maior aparição popular, na hora do triunfo, naufraga clamorosamente. Quem nasce pra camundongo nunca chega a ratazana.
7. Alvim cai também por ter entendido perfeitamente o Bolsonarismo. Cai pela exposição pornográfica do que é de fato o governo ao qual pertencia. Caiu porque tirou o verniz. Só que mesmo o Bolsonarismo, mesmo o Olavismo, precisam de alguma roupa pra não chocar a sociedade, ou melhor, a Fiesp.
8. Aguardamos os próximos editoriais da Folha cheios de números e economiquês dizendo que o país está no caminho certo.”