Por Matheus Souza
O artista Fagner Oliveira, 33, do grupo Filhos da Semente, transmite o sentimento de movimentos culturais da periferia da capital. “Não é a gente que depende da lei, é lei que depende de nós”.
A lei em questão é a de Fomento à Cultura das Periferias e fez parte das discussões na noite desta quinta-feira (19), na ocupação artística Ouvidor 63, próxima ao Vale do Anhangabaú, onde a cultura é cenário em meio as paredes cobertas de desenhos.
Fagner foi um dos participantes da reunião do MCP (Movimento Cultural das Periferias) que discutiu o edital surgido em 2016, para fomentar coletivos nas quebradas da cidade de São Paulo.
Para Jesus dos Santos, 33, dj, youtuber, designer e um dos organizadores do evento o mote da reunião foi o diálogo.
“O último encaminhamento que a gente tirou ano passado era de voltar pros territórios, trazer mais pessoas. Agora a gente dissemina, porque entendemos que todo o acúmulo do território precisa ser compartilhado com outros coletivos”, afirma.
Desde 2013, o Movimento Cultural das Periferias está no fronte da descentralização da verba da secretaria de Cultura da capital paulista. Entre articulações, encontro com vereadores, debates em comissões parlamentares e a elaboração do projeto foram três anos.
A lei sancionada em 2016 disponibilizou no primeiro ano R$ 9 milhões para cerca de 30 coletivos. O edital deste ano prevê R$ 7,5 mi, e as inscrições estão abertas até o dia 6 de agosto. Os documentos para seleção estão disponíveis na plataforma SP Cultura ou nos locais de inscrição.
O projeto Cultura Comunicar foi um destes contemplados pelo primeiro edital. Com o recurso, eles criaram a Casa do Meio do Mundo, no qual a produtora de áudio-visual Ingrid Félix, 30, atua na formação de jovens e adultos sobre a produção e interpretação jornalística.
“Hoje na reunião há um sentimento de retomada, sentimento da gente ganhar um fôlego. Falar ‘cara, a gente pode fazer para além da lei’. Para além de um fomento. Para além do edital que é de alguém. Não, é de todos. Acho que hoje é essa retomada. Ver caras novas, a galera afim de compartilhar”, diz Ingrid.
“É preciso respeito a memória dessa luta, o respeito a esse princípio de que é para fomentar a resistência dos territórios. Não é pra fazer atos artísticos e só. Não deixar cair no comum da captação de recursos”, ressalta José Soró, 54, coordenador do Comunidade Cultural Quilombaque e integrante do MCP.
Para o articulador cultural, os coletivos devem enxergar além das possibilidades dispostas. “Agora há o desafio de um amadurecimento muito grande. O desafio é como a gente sai da marginalidade e entra na sociedade com as suas regras”, afirma Soró.
Ele defende que os grupos tenham mais participação das decisões da cidade. “Não podemos cair na tentação de pedir um paiEstado. Vamos produzir as nossas capacidades. É um desafio pedagógico dentro do próprio movimento, ter essa compreensão de que a lei tem outra finalidade, financiar a resistência”, completa.
A confluência de ideias tomou conta do antigo prédio ocupado por artistas há quatro anos no número 63 da Rua do Ouvidor.O desejo de ir além do conquistado é o que possibilita a cultura periférica existir. “Esse é só mais um passo, pra gente tentar a possibilidade da democratização, mas que também não para por aí. Insista, porque o dinheiro e o mundo é nosso e temos que buscar de volta”, reitera Jesus.