Articulação de grupos e partidos da extrema direita global trabalha por Bolsonaro

Rede de direita radical oferece suporte financeiro e ação coordenada em redes sociais para influenciar eleição no Brasil

Bolsonaro em evento de campanha – Douglas Magno / AFP

Por Thales Schmidt, Brasil de Fato.

O futuro de Jair Bolsonaro (PL) é um capítulo importante para os horizontes da extrema direita global. Como uma das mais destacadas lideranças da direita radical, o presidente brasileiro atua em rede com outras lideranças extremistas ao redor do mundo para fortalecer sua campanha pela reeleição — e também estende tentáculos para criar conexões com movimentos semelhantes em diferentes partes do globo.

Nos dias que antecederam o primeiro turno das eleições, Bolsonaro recebeu apoio por vídeo ou mensagem de diferentes e variados nomes da extrema direita: o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, o líder do partido espanhol Vox, Santiago Abascal, o ex-presidenciável chileno José Antonio Kast, entre outros.


Parcela dos apoios recebidos por Bolsonaro antes do 1° turno / Brasil de Fato

Enquanto tenta forjar uma imagem de um suposto “homem comum” que luta contra o sistema, tática comum da extrema direita, Bolsonaro conseguiu reunir uma teia de apoio transnacional. Para Rodrigo Nunes, professor da PUC-RJ e autor do livro Do transe à vertigem – Ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição (Ubu Editora, 2022), essa estratégia é possível por meio da comunicação digital.

“Todos esses personagens, esses populistas de direita como Bolsonaro, como Trump, que se apoiam na comunicação digital, apostam nessa possibilidade que a segmentação da comunicação digital permite, a de aparecer como diferentes coisas para diferentes grupos. Frequentemente para alguém que está olhando para imagem total deles, vai achá-los contraditórios, enquanto pessoas que estão em um dos nichos de comunicação deles vão ver uma imagem consistente, vão ver o que é adequado para seu perfil e não tanto o resto”, afirma Nunes ao Brasil de Fato.

O apoio e a interação não é apenas simbólico, mas também financeiro. A rede social Gettr, comandada pelo ex-assessor de Donald Trump, Jason Miller, já patrocinou eventos organizados pelo Instituto Conservador Liberal (ICL), think tank do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O dinheiro da Gettr ajudou a organização da versão brasileira da CPAC (Conservative Political Action Conference/Conferência Conservadora de Ação Política), que contou com a participação por videoconferência de Donald Trump Jr., e também um encontro regional chamado “Brasil Profundo”, que teve a presença de Santiago Abascal, da extrema direita espanhola.

Nas redes sociais, a articulação é de mão dupla. Eduardo Bolsonaro ajudou a disseminar a teoria conspiratória de que Trump havia vencido as eleições de 2020. O deputado, que então era presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, pode ter participado de uma campanha com uso de contas falsas no Twitter para questionar o sistema eleitoral dos EUA, afirma reportagem da Agência Pública.

E a extrema direita dos EUA colaborou para mentir sobre o Brasil após o primeiro turno das eleições presidenciais. Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump e articulador da direita radical ao redor do mundo, afirmou na rede social Gettr que teria acontecido uma fraude nas eleições brasileiras, conforme revelado por reportagem da Agência Pública. Em entrevista para a BBC Brasil, Bannon afirmou em setembro deste ano que costuma conversar com “pessoas nos bastidores” das eleições no Brasil.

A extrema direita também está mobilizada de maneira transnacional em diferentes partes do mundo. O premiê húngaro Orbán participou da CPAC no Texas, nos EUA, em agosto deste ano. No evento, o aliado que Bolsonaro visitou em Budapeste e classificou como “irmão”, defendeu a existência da teoria da conspiração da “ideologia de gênero” e atacou uma suposta ordem mundial “globalista”.

Bolsonaro e Órban celebraram aproximação / Attila Kisbenedek / AFP

Os pós-fascismos

Pesquisador da história política do século XX e com livros traduzidos para mais de seis idiomas, o historiador Enzo Traverso usa o termo “pós-fascismo” para falar sobre as direitas radicais do nosso tempo. Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor da Cornell University afirma que este fenômeno político não é “monolítico”.

Ele destaca, por exemplo, as diferenças na posição das mulheres nos movimentos de ultradireita. A nova primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, e também Alice Weidel, parlamentar do Alternativa para a Alemanha, que também é abertamente lésbica, são sintomas das mudanças nesse campo político. Embora Meloni e Wiedel continuem a defender uma ordem patriarcal, a liderança delas é sinal da mudança quando pensamos nos fascismos clássicos da primeira metade do século XX.

Giorgia Meloni, a nova premiê da Itállia / Andreas Solaro / AFP

“O papel das mulheres na nossa sociedade é muito diferente, não é o mesmo, e os fascismos e os nacionalismos são também o espelho dessa mudança social”, avalia Traverso.

Nesse movimento político formado por “continuidade histórica” e também por mudanças, o historiador que publicou As novas faces do fascismo (editora Âyine, 2021), afirma que Bolsonaro “é o mais abertamente fascista nesta constelação porque não tem nenhuma hesitação em reivindicar a herança da ditadura militar e do fascismo brasileiro”.

“Bolsonaro é um fascista neoliberal. Fascista no sentido ideológico e dos valores que defende, desprezo pela democracia, reacionário, racista, homofóbico, misógino, tudo o que se pode localizar nas tendências antidemocráticas e autoritárias do fascismo clássico, mas é um neoliberal. Sua concepção da economia, por exemplo, é o mercado, a privatização, o conceito da liberdade como um espaço desprotegido dos direitos individuais”, avalia.

Uma eventual reeleição de Bolsonaro, diz Traverso, teria um impacto maior do que a chegada ao poder de Meloni na Itália ou de um governo extremista “na Dinamarca ou na Bélgica”. Seria uma “catástrofe” para a América Latina, e também em um “nível global”, além de fortalecer Trump.

O professor da Cornell University destaca que a extrema direita estava em uma “dinâmica expansiva” desde a eleição de Trump, em 2016, e que esse ímpeto foi freado pela pandemia de covid-19, quando as posições neoliberais dessas lideranças se mostraram incapazes de lidar com a emergência sanitária. Bolsonaro reeleito significaria que a maré dos pós-fascismos pode voltar a subir, avalia o historiador.


Bolsonaro e Santiago Abascal, líder da extrema direita espanhola / Twitter Santiago Abascal

A náusea

Para Rodrigo Nunes, a eleição nacional é, ao mesmo tempo, “grande e pequena” para o futuro da extrema direita global. Grande por conta da importância econômica do Brasil e do tamanho de sua população, e pequena porque Bolsonaro não é um “ideológo” desse campo político e portanto não consegue construir uma ideologia reacionária, como Orbán foi capaz de fazer na Hungria.

Para além da eleição, o professor da PUC-RJ ressalta que a extrema direita acerta um diagnóstico: há algo de muito errado na ordem das coisas. E não são poucas coisas: a crise climática ameaça o futuro da espécie humana, a crise inflacionária global, a crescente desigualdade e um Estado que escolheu resgatar os bancos ao invés de ajudar os atingidos pela crise econômica de 2008. Mas há um delírio. Ao invés de endereçar essa angústia para seu real objeto, teorias da conspiração são criadas para explicar a atual situação, ou grupos já marginalizados, como imigrantes e beneficiários de políticas sociais, são apontados como responsáveis.

“O que o discurso da extrema direita faz muito bem é reconhecer uma angústia que está no ar, e não há angústia maior no ar do que a da possível extinção da humanidade. Mas o que ela faz é reconhecer essa angústia deslocando-a de seu objeto verdadeiro, que seria, por exemplo, o aquecimento global, para um objeto fantasioso que seria, também, um objeto mais fácil de resolver. Então você sente que tem alguma coisa de muito errado no mundo? Você tem razão, tem alguma coisa de muito errado no mundo, mas não é o aquecimento global, é uma grande conspiração de bilionários pedófilos”, diz Nunes.

Os extremistas de direita, portanto, têm “algo de delirante”, mas também conseguem atingir algo da ordem do real. E isso funciona melhor do que os discursos que buscam minimizar a gravidade de nossa atual quadra da história.

“O delírio, justamente na medida em que ele reconhece a angústia, ao mesmo que a desloca para outra coisa, quer dizer, ao mesmo tempo cumpre a função de reconhecer a angústia e de negar a sua causa verdadeira. Por exemplo, aquela coisa que é muito difícil de aceitar, a possível extinção da humanidade ou o fato que a gente criou um sistema econômico e político sobre o qual não temos o menor controle, não temos a menor ideia de como retomar esse controle, então nesse sentido o discurso da extrema direita funciona muito melhor”, avalia o professor da PUC-RJ.

Edição: Arturo Hartmann

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