Por Ana Laura Baldo, de Chapecó/SC, para Desacato. info.
Você já imaginou um mundo sem cores, sem música, sem arte? Ou melhor, imagine um mundo sem isso, será que de fato viveríamos? São perguntas como essas que devemos fazer em Chapecó. Porque proibir a arte na rua? Porque criminalizar o amor, a alegria, o trabalho digno e honesto?
Há alguns dias o prefeito de Chapecó, João Rodrigues (PSD), protocolou o decreto 40.047, que proíbe artistas de rua de trabalharem nos semáforos e lugares públicos, remetendo aos tempos da ditadura militar no Brasil, onde a maioria dos trabalhos oriundos da cultura foi censurado.
Desde que assumiu o controle da cidade o atual prefeito realizou uma série de desmontes, como a troca da Secretaria de Cultura para Fundação, o que a duras penas já tinha sido conquistado pelos chapecoenses. É triste ver a cultura e os artistas de Chapecó sofrendo esses ataques, uma vez que a arte é vida e vida é esperança.
Caminhar na rua, nesses tempos, já não é a mesma coisa. Quem passa pelos semáforos não vê mais a alegria, proibir a arte na rua é criminalizar uma profissão que traz o amor, o afeto e os sorrisos para as pessoas, que muitas vezes estão estressadas em seus automóveis. Chapecó transformou seu trânsito em espaços secos, tristes e escuros.
Arte de Rua
Proibir um cidadão de trabalhar é contribuir com a desigualdade em nosso país. Jordana, artista de rua e malabares, está em Chapecó faz um pouco mais de seis meses, onde mora e começou a construir sua vida. A escolha pela cidade veio depois de muitas viagens e lugares conhecidos. Se estabeleceu em Chapecó porque ao chegar ali foi recebida com muito carinho e afeto pelos chapecoenses.
Jordana como muitos artistas de rua acredita no seu trabalho como forma de despertar a bondade no outro. “Eu vejo a arte na rua como uma forma de expressão, de levar algo diferente para a sociedade. Uma forma de incentivo, de extração, de levar alegria, conhecimento, de se expressar livremente e fazer com que as pessoas te aceitem da forma que você é”.
Para muitos a arte de rua é desconhecida, ou muitas vezes julgada. Ela não contempla um padrão, percorre pelas ruas, bairros, comunidades, centros em busca de mostrar sua visão de mundo sobre a vida de arte, como forma de resistência contra um sistema capitalista que não se preocupa com a vida, mas sim com o capital.
“Nosso principal objetivo na rua é que as pessoas nos vejam sem julgamento. Nós queremos quebrar isso, fazer com que as pessoas olhem para a arte de rua de uma forma boa, feliz, alegre. Que isso não carregue um rótulo de que a gente precisa de dinheiro, que a gente está pedindo dinheiro, de que é algo obrigatório. O nosso objetivo é despertar a bondade nas pessoas e a visão delas sobre a gente. Para que ela veja que tanto o dinheiro, o aplauso, o sorriso que ela fornece para nós, também é uma forma de incentivo”, explica Jordana.
Estar na rua é uma opção para os artistas, que são trabalhadores como os professores, médicos, dentistas, marceneiros. Trabalhar na rua não é sinônimo de pobreza. Quem trabalha na rua, na maioria das vezes, tem casa, família, contas para pagar, uma vida para seguir.
Tempos difíceis
O decreto imposto por João Rodrigues (PSD) além de proibir a arte na rua, prejudica a vida de centenas de artistas que passam pela cidade. “Além do decreto, o prefeito está rotulando totalmente qualquer expressão de arte em qualquer lugar. Isso pra nós é uma repressão contra nosso trabalho, nossa arte, contra nossa livre expressão. Então a partir do momento em que ele tira isso da gente, ele meio que nos obriga a entrar em um sistema que não é nosso, que não é o estilo de vida que decidimos seguir. Nós trabalhamos na rua porque queremos e porque nós temos nossos objetivos. Não estamos na ali só pelo dinheiro, nós estamos ali por outros ‘poréns’. Quando ele tira isso de nós, e de quem quer vir para a cidade, ele tira um pouco da nossa liberdade de se expressar, de ser livre”, salienta Jordana.
Para Freddy Gomez, artista de rua e malabares, o decreto que censura o seu trabalho é muito prejudicial para sua vida. “Eu tenho um filho de dois meses, casa alugada e não posso trabalhar. Como eu vou pagar minhas despesas? Esse decreto está amarrando as minhas mãos. Eles querem que eu vá trabalhar em um frigorífico? Eu trabalho na rua há 11 anos, eu tomei essa decisão de seguir este caminho e agora ele (prefeito) quer me forçar a fazer o que ele manda? É um absurdo. Ele está atropelando todos os nossos direitos, nossos sonhos, das pessoas que escolhem este caminho”, explica Freddy.
Conforme Freddy, existem pessoas que estão na rua e que não são do bem, mas também existem trabalhadores como ele, que todo dia vão para o sinal para tirar o sustento de casa, da sua família. “Porque ele (prefeito) precisa colocar todos em um mesmo lugar? Para aqueles que fizeram coisas erradas é preciso ajudar, dar um tratamento. Mas criminalizar o trabalho honesto do artista de rua não é certo”, salienta.
Se pararmos para pensar, existem pessoas do mal engravatadas, que trabalham em escritórios, e que por conta do padrão de trabalho, podem exercer suas funções. Colocar todas as pessoas que trabalham na rua em um mesmo “saco” é chamá-los de criminosos, drogados, o que é uma falácia.
A arte de rua historicamente é discriminada pelas pessoas preconceituosas, conservadoras, que acreditam no dinheiro acima da felicidade, dos sonhos. “Nós estamos pagando as consequências dos outros, aqui em Chapecó existem várias famílias que tiram o sustento com a arte na rua. Ele está impondo uma ditadura, não pode mais fazer arte. Imagina? Ele está me obrigando a ir embora da cidade. Porque se não posso trabalhar como vou ficar? Como fico sem comprar a fralda do meu neném?”, finaliza Freddy.
Arte não é crime!
Com todas essas mudanças por conta do decreto 40.047, imposto pelo prefeito da cidade de Chapecó, artistas de rua, movimentos estudantis e a sociedade que está na luta pela garantia de direitos se organizou no último sábado (30/01) em protesto contra o decreto, no centro da cidade.
Cores, sorrisos, músicas e muitas apresentações artísticas tomaram conta do centro de Chapecó. Como explica Freddy a arte transformou a sua vida, para melhor. “Quando eu aprendi a arte, eu consegui conhecer cinco países. No Brasil, eu conheço 11 estados. A arte te liberda para você conhecer, para você viver a vida como ela realmente é, não como a TV diz que é para você viver. Porque se você escolheu trabalhar como a TV fala, você fica com o olho fechado, não consegue olhar para nenhum dos lados. A vida não é isso, a vida é outra coisa, bem melhor”.
É preciso sorrir todos os dias, não apenas no sábado à noite. É assim que Freddy entende a vida. Jordana compartilha da mesma ideia e afirma que como mulher a luta e o trabalho na rua é muito mais complicado. Proibir os artistas de rua de trabalharem, só piora a situação. “É muito difícil você ser mulher e estar sozinha, tendo que lutar pelo seu sozinha. Eu como mulher e artista carrego um fardo muito grande nas costas todos os dias. Cada dia é uma luta que chega para ser lutada. Eu acho que estou tendo só mais uma luta agora, estou lutando mais uma vez, como eu já venho lutando”, finaliza a artista.
É preciso lutar contra a opressão, contra o ódio, contra a censura. A arte é vida, é esperança, é sonho. Chapecó precisa voltar a viver dias de cores, de alegrias, de sorrisos. O Decreto imposto pelo prefeito João Rodrigues (PSD), é um ato de covardia contra os artistas de rua, contra a cultura de Chapecó. É preciso manter a Secretaria de Cultura e incentivar a arte de rua, incentivar o setor cultural chapecoense.
Uma das formas de se conseguir este feito é investir mais em editais de fomento à cultura, proporcionando a população de Chapecó conhecer um mundo que está fora da televisão. Neste momento os artistas de rua estão sem poder trabalhar, o que está dificultando as suas vidas. Nos próximos dias será realizado um brechó solidário para arrecadar fundos. Esses valores serão divididos entre as famílias dos artistas de rua. É possível fazer doações de objetos, roupas, calçados em boas condições que possam ser vendidos, além claro de doações em dinheiro. Para mais detalhes mande um direct para o instagram do @artederuachapeco e ajude a derrubar esse decreto que censura a arte de rua em Chapecó!
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Ana Laura Baldo é Jornalista e mora em Chapecó.
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