Por Lúcio Flávio Pinto.
Eram oito horas da noite. A “senhorita Andreza” caminhava com uma prima pela avenida Independência, na Cabanagem, bairro limítrofe entre Belém e Ananindeua, com 40 mil habitantes. Uma motocicleta com dois homens, sem capacete nem capuz, se aproximam. Andreza começa a correr, procurando fugir.
Está próxima da sua casa, numa das muitas vielas da região metropolitana da capital paraense. Correndo recebe na perna o primeiro tiro e cai. Está acuada, sem saída, em frente a um lava-jato. O carona desce e faz mais disparos. O último, a pouca distância, na cabeça, para arrematar o “serviço”. Com um pouco mais de sorte, ela teria chegado à delegacia de polícia, bem perto dali.
O noticiário da imprensa de Belém continuaria a ser anódino, como na abordagem da maioria dos crimes praticados diariamente numa das cidades mais violentas e perigosas do mundo. Mas a “senhorita Andreza”, de 22 anos, teve um ano e meio de vida pública. Foi famosa, à maneira dos Big-Brother platinados.
Sua biografia incluiu ser pobre, vida marginal, nem bonita nem feia. Perfil típico da periferia: roupa sumária, cabelos tingidos, rosto fortemente pintado. Uso de drogas, participação no mundo da criminalidade, linguagem estereotipada do submundo, mãe precoce, vida em comum com um criminoso, sem emprego, instrução primária – mas desembaraço, inteligência, raciocínio rápido, oportunismo, nenhum preconceito, nem moral, muito menos ético.
Com essas características, não surpreende que não tenha conseguido sair do crime nem escapar às suas regras selvagens, que desprezam a vida dos marcados para morrer por alguma violação às regras desse círculo feroz.
É claro que Andreza quis levar vantagem da fama efêmera. Mas não podia ter tido outro caminho se as pessoas que procurou ou dela se aproximaram lhe oferecessem opção? Como reagiria se, depois do vídeo “desembaçado”, alguém lhe oferecesse tratamento médico, psiquiátrico, um trabalho, bolsa escolar, creche para a filha e alguns serviços essenciais do Estado, saqueado por sua elite de nariz empinado e olhar condenatório a tudo que esteja fora do próprio umbigo dourado?
Ela voltaria ao crime?
É uma resposta que Andreza já não pode dar. Numa cidade, num Estado e num país que fecha as portas solenemente e de imediato a esses desafios, a essas vidas, que se entortaram na luta por um espaço mínimo, roubado pelos atletas da alta corrupção no Brasil, é melhor esconder esses dramas num arquivo inativo, tornando-os arquivo morto.
A morte é produto barato. Está em todas as prateleiras. Sirvam-se.
Fonte: https://lucioflaviopinto.wordpress.com