Por Vanessa Martina Silva.
Tema tem ocupado páginas de jornais e noticiários televisivos; feministas criticam programa de ambos os presidenciáveis por indefinição nas propostas.
A cada 30 horas, uma mulher é assassinada na Argentina, vítima de violência de gênero. O país, governado há oito anos por uma mulher, enfrenta atualmente uma situação considerada alarmante por movimentos sociais e meios de comunicação. De acordo com a organização La Casa el Encuentro, no último ano, 277 mulheres foram vítimas de feminicídio no país.
O tema tem ocupado as páginas de jornais e noticiários televisivos, mas esteve praticamente fora do debate presidencial no primeiro turno da campanha das eleições gerais realizadas em 25 de outubro. A deputada da Frente Progressista, Margarita Stolbizer, foi a única a pautar a questão no país que, pela primeira vez em 20 anos teve apenas uma mulher como candidata a ocupar a Casa Rosada.
Diante da questão, mulheres jornalistas de diversos meios de comunicação na Argentina pediram aos organizadores do debate do segundo turno presidencial, realizado no último domingo (15/11), que fossem incluídas moderadoras para respeitar a igualdade de gênero definida pela Lei de Meios. Em vão. O debate, transmitido para todo o país simultaneamente por cinco emissoras, contou com três apresentadores do sexo masculino.
A defensoria pública do país também recebeu reivindicação de diversas organizações não governamentais pedindo que temas relacionados à temática de gênero fossem incluídos no debate presidencial, como o tráfico de pessoas, exploração sexual, violência contra as mulheres, aborto e desigualdade no mercado de trabalho.
O governista Daniel Scioli afirmou que a consígnia “Ni Una Menos” (“Nem uma a Menos”) não é somente uma palavra de ordem, mas “um compromisso de toda a sociedade” e disse ter inaugurado, enquanto governador da província de Buenos Aires, “mais de cem delegacias da Mulher”. Mauricio Macri, do opositor Cambiemos, por sua vez, afirmou que há locais seguros para vítimas de tráfico de pessoas na Cidade de Buenos Aires, por ele governada há oito anos. Ambos os presidenciáveis, no entanto, se focaram em apontar os pontos fracos do opositor em lugar de elucidar qual será sua política para enfrentar a realidade que afeta mulheres em todo o país.
Quem escolher
“É difícil [votar]. Todos os candidatos estão mais preocupados com o preço do dólar blue [que se negocia no mercado ilegal] do que com o assassinato de nossas filhas”, afirmou, em declarações ao site Clarín, Marcela Morera, mãe de Julieta Mena, de 22 anos, assassinada em meados de outubro pelo namorado da garota, que a pisoteou e socou até a morte.
Morera ressaltou que as propostas dos candidatos sobre violência contra mulheres são somente para “se safar” e acrescenta que falta recursos para atender as mulheres que não podem pagar um advogado ou que deixam suas casas e não têm para onde ir. Para ela, “há mulheres que querem sair da violência e não podem. Às vezes os pais e os amigos não podemos ajudar sozinhos. Precisamos de políticas públicas concretas e já”.
Macri versus Scioli
As propostas dos dois candidatos são questionadas por movimentos sociais feministas argentinos, que as consideram insuficientes.
Scioli anunciou o programa “Ni una Menos”, que entrará em vigor em 2016 e consiste em oferecer cursos com perspectiva de gênero para todas as pessoas que desejem se casar.
Macri, por sua vez, propõe “construir uma rede nacional de proteção às mulheres que sofram violência com acesso gratuito e atendimento 24 horas”. A ONG Ayuda a Victimas de Violación (AVIVI), no entanto, denuncia desde 2014 que o governo da Cidade de Buenos Aires – comandada pro Macri desde 2007 – fechou o programa de atendimento às vítimas de violência sexual. Sobre a questão, a administração informou que se tratou de reorganização de pessoal.
Macri e Scioli se assemelham quanto às ideias sobre a efetivação da implementação de educação sexual em escolas primárias, mas consideram que a questão do aborto não deve ser tratada nesse marco.
Eles também convergem no posicionamento contrário à interrupção voluntária da gravidez. Sobre isso, Macri afirmou: “estou a favor da vida, sem dúvidas. E não creio que falte abrir esse debate, ao menos nesse contexto no qual as posições são extremadas e todo mundo se agride”. Scioli também se posicionou de forma contrária ao aborto.
Machismo estrutural
Muitas mulheres pedem que se decrete uma Emergência Nacional pela Violência de Gênero; outras, no entanto, lembram que na província de Buenos Aires, onde foi declarada Emergência de Segurança, o que se reforçou foi a presença de patrulhas na rua e a perseguição de jovens e adolescentes.
“A raiz do problema está relacionada com uma cultura machista difícil de erradicar. É preciso começar a educar os garotos sobre este problema já no jardim de infância”, afirmou a diretora executiva da Casa del Encuentro, Fabiana Tuñez, em declarações ao jornal La Nación.
De acordo com o Monitoramento da Discriminação na TV 2015, realizado pelo Inadi (Instituto Nacional Contra a Discriminação e a Xenofobia), quase metade dos conteúdos veiculados em televisões argentinas (48%) abordam a questão da violência contra as mulheres de maneira “discriminatória e sem a perspectiva de gênero ou de direitos”. A outra metade se divide entre tratamentos positivos da problemática – com enfoque de gênero e direitos (25%) e outros que contêm aspectos positivos e negativos (27%).
Desde 2006, o país possui Lei Nacional de ESI (Educação Sexual Integral). Pela norma, estudantes das redes pública e particular de todo o país, da educação infantil ao ensino médio, têm o direito a trabalhar em sala de aula conteúdos relacionados à sexualidade. O objetivo é “reconhecer diversas formas de organização familiar”, “valorizar e respeitar formas de vida diferentes das próprias”, “romper com estereótipos de gênero”.
#NiUnaMenos
Nos últimos meses, a campanha #NiUnaMenos ganhou as redes sociais e mobilizou os argentinos em torno da questão da violência praticada contra as mulheres. Em junho, em uma ampla manifestação, cerca de 300 mil pessoas foram às ruas em todo o país para apoiar o movimento e exigir resposta à demanda social.
Além disso, no último dia 25 de outubro, durante o primeiro turno das eleições gerais, muitos eleitores se depararam, ao votar, com um cartaz onde se lia “Votar é nosso direito. Viver sem violência, também. #NiUnaMenos”. No informativo, os números de telefone para ligar em caso de agressões e violência.
Ainda com relação à campanha, a pedido das organizadoras do projeto os então pré-candidatos assinaram um compromisso de cumprir os cinco pontos definidos como essenciais pelo movimento feminista. A pauta pedia:
1. Apresentar, implementar com todos os recursos necessários e monitorar o Plano Nacional de Ação para Prevenção, Assistência e Erradicação da Violência contra as mulheres, tal como estabelecido pela lei 26.485;
2. Garantir o acesso real das vítimas à Justiça com pessoal capacitado; promover a conexão das causas que tramitam em distintos fóruns; garantir defesa jurídica gratuita para as vítimas e incorporar defensores e defensoras oficiais com especialização em gênero;
3. Garantir o funcionamento da Unidade de Registro, Sistematização e Seguimento de Feminicídios a nível federal, com participação ativa das jurisdições provinciais e em articulação com o poder judicial;
4. Garantir e aprofundar a educação sexual integral em todos os níveis educativos, para formar na igualdade e para uma vida livre de discriminação e violência machista; sensibilizar e capacitar em gênero professores e diretores e pessoal de todas as áreas do Estado;
5. Garantir a proteção das vítimas de violência; implementar o monitoramento eletrônico dos agressores para assegurar que não violem as restrições de aproximação impostas pela Justiça.
Os dois candidatos que disputarão a presidência no primeiro segundo turno da história argentina se comprometeram com as demandas. Tanto Daniel Scioli, apoiado pela presidente Cristina Kirchner, quanto o opositor, Mauricio Macri, compartilharam, em suas redes sociais, os compromissos com a campanha.
Foto: Reprodução/Opera Mundi
Fonte: Opera Mundi
Parabéns pela iniciativa.
Lamentavelmente discriminação e violência continuam juntas e podem ser um pouco mais entendidas nas pesquisas abaixo:
http://saudepublicada.sul21.com.br/2015/08/31/religiao-e-laicidade-discriminacao-e-violencia/