Por Atilio Borón.
O brutal experimento econômico no qual a Argentina está imersa não só está empobrecendo a maioria da população em um ritmo acelerado (embora os números oficiais falsos nos façam acreditar no contrário), mas também está forçando muitas empresas a fechar suas portas, não apenas as menores, e despencando o nível de atividade nos setores mais intensivos em mão de obra, como a construção, por exemplo. Em seu frenesi ideológico, o profeta delirante que nos governa e seus conselheiros equivocados estão empenhados em destruir o Estado, justificando esse comportamento recorrendo às ilações de alguns economistas que nunca foram seriamente levadas em conta por nenhum governo ou pelos CEOs das principais empresas que recebem subsídios do Estado, isenções fiscais e compras de um setor público vigoroso (por exemplo, armas) são a garantia dos superlucros de suas corporações e de suas remunerações fenomenais, medidas em dezenas ou até centenas de milhões de dólares por ano. A remuneração média dos CEOs das 500 maiores empresas, conforme a Standard and Poor’s, foi de quase 18 milhões de dólares por ano, mas com um lote privilegiado que se aproxima dos 200 milhões. É por isso que eles sorriem com condescendência quando ouvem Milei dizer que vai destruir o Estado, o mesmo Estado que lhes garante os lucros extraordinários de suas empresas e os salários fabulosos com os quais seus executivos são remunerados.
O ideologismo extremo dos funcionários públicos de Milei é uma novidade, mesmo em um país tão dado a exageros como a Argentina. “Eu sou a toupeira que destrói o Estado por dentro” é uma daquelas frases que os livros didáticos de história econômica incluirão em sua lista das maiores aberrações já proferidas por um economista e chefe de Estado. Em uma entrevista concedida ao site de notícias norte-americano The Free Press, Milei entrou em mais detalhes e disse, textualmente, que “É como estar infiltrado nas fileiras inimigas, a reforma do Estado tem de ser feita por alguém que odeia o Estado e eu odeio tanto o Estado que estou disposto a suportar todos esses tipos de mentiras, calúnias, insultos, tanto sobre mim quanto sobre meus entes queridos, que são minha irmã, meus cachorros e meus pais, a fim de destruir o Estado”. Uma frase perturbadora, porque revela que o que estabelece a política econômica deste país não é uma avaliação racional serena das condições em que a economia argentina está se desenvolvendo, mas um trauma psicológico do ocupante ocasional da Casa Rosada: seu ódio visceral pelo Estado. Nem Margaret Thatcher nem Ronald Reagan jamais disseram algo, mesmo que superficialmente, semelhante a Milei. Ambos eram políticos conservadores que levavam a sério o papel do governo e sabiam que o Estado era um instrumento essencial para apoiar a iniciativa privada, promover o crescimento econômico e garantir a estabilidade da ordem social. Milei, por outro lado, é um homem iluminado que busca reviver um mundo que nunca existiu: um capitalismo de mercados livres e nenhum Estado para interferir em suas regulamentações e disposições legais. Tal coisa existe apenas em sua imaginação e na de alguns de seus prosélitos. A ignorância que ele demonstra em relação a esse assunto é surpreendente. Alguém de sua comitiva deveria lembrar ao presidente que os gastos públicos em relação ao PIB nos países do G7 variam de 42% (Japão) a 58% (França). No Gabão, um dos países mais pobres da África, o número é de 23%, e no Burundi e no Sudão do Sul o número é ainda menor. É para lá que as políticas de Milei estão nos levando, e não para aqueles paraísos que alcançaríamos depois de 35 ou 40 anos percorrendo o obscuro “vale da transição”. Esse filme, lembremos, já o vimos durante o menemismo e sabemos como ele terminou.
Mas essa – a toupeira – não é a única frase que expressa a barbárie intelectual e política do atual elenco governante. O cruzado da desregulamentação, Federico Sturzenegger, cunhou outra para a história do absurdo quando disse que “para toda necessidade haverá um mercado”. Uma frase insanamente errada à luz da história econômica mundial e que, no entanto, Milei descreveu como “genial”. Além disso, essa declaração revela uma imoralidade imperdoável ao transformar as necessidades humanas – saúde, educação, abrigo, bem-estar – em mercadorias a serem negociadas em um mercado. Se Sturzenegger estivesse certo, por que, nesta cruel Argentina anarcocapitalista, não foi criado um mercado para fornecer medicamentos oncológicos às dezenas de pessoas que morreram de câncer? E por que, se o governo reduziu drasticamente a distribuição de medicamentos gratuitos, os laboratórios farmacêuticos, longe de competir no mercado, conspiram para aumentar seus preços, como advertiu Adam Smith em A Riqueza das Nações?
É óbvio que essas extravagâncias teóricas não são inocentes. Não acredito que Milei ou Sturzenegger sejam tão ignorantes a ponto de não saberem o que é ensinado nas primeiras aulas de qualquer curso de história econômica. Na realidade, esses absurdos pseudoteóricos têm a missão de justificar a dupla pilhagem que a classe capitalista pratica na sociedade argentina. Seria ingênuo supor que estamos diante de um debate no campo das ideias. Octavio Paz alertou para a necessidade de distinguir as ideias – ou seja, construções intelectuais finamente elaboradas e respaldadas pelos dados da experiência – dos meros gracejos que podem brotar da cabeça de um neófito ou de um publicitário a serviço de uma causa não apresentável. A destruição do Estado e a mágica dos mercados são gracejos que justificam uma política que favorece o grande capital e mergulha a grande maioria da sociedade na miséria e na exclusão social. O Estado que Milei alegre e irresponsavelmente destrói contra a realidade do capitalismo desenvolvido é aquele que desafia uma ordem judicial emitida ao Ministério do Capital Humano para entregar os alimentos em sua posse aos refeitórios e cozinhas populares. Crueldade diante dos flagelos da pobreza e da máxima irresponsabilidade do governo, pois onde o Estado se retira, destruído pela toupeira vingadora, o narcotráfico aparece para oferecer o que as autoridades insistem em reter. Esse fenômeno já é perceptível em algumas favelas da própria cidade de Buenos Aires e da região metropolitana de Buenos Aires, o que significa que a situação social desses setores está piorando, pois não será necessário apenas combater a pobreza, mas também expulsar os traficantes de drogas. Expressões como as mencionadas acima são álibis destinados a ocultar o caráter ferozmente antipopular, até mesmo racista, do projeto do capital mais concentrado deste país e de seus parceiros estrangeiros que o governo de La Libertad Avanza colocou em andamento. Slogans pérfidos de uma batalha cultural destinada a criar as condições para o estabelecimento do “darwinismo social do mercado”, que consagra a sobrevivência do mais forte e a submissão dos pobres e vulneráveis, ideologicamente desarmados pela mídia e pelas redes sociais gerenciadas pelo grande capital e seus representantes no governo. Os vencedores no combate desigual que é travado quando o Estado abdica de sua função arbitral nunca são os melhores, os melhores, os mais patriotas e virtuosos, mas aqueles que estão dispostos a cometer qualquer crime ou delito para “aumentar o tamanho de seus bolsos”, que é o que o regime de Milei se propôs a fazer, como ele mesmo admite.
Tradução: TFG, para Desacato.info.
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