Argentina: “Se não é uma ditadura civil, é muito parecido.” Entrevista exclusiva com o Padre Paco Olveira

"Precisaríamos de outra democracia. Muito mais forte e com controle popular. Como acontece na Venezuela. Goste a quem gostar. Ou talvez como no México que sabe enfrentar os poderes reais." Pe. Paco

Na foto: Padre Francisco ‘Paco’ Olveira

Redação.

A República Argentina vive sua pior situação econômica e social, ao menos desde o começo do presente século e depois da presidência nefasta de Fernando de la Rua, que produziu protestos sociais que culminaram com mais de 30 mortos. De la Rua fugiu de helicóptero da Casa Rosada e deixou um país destruído em vários setores, produtivos e sociais. A sua política era continuadora do desastre anterior provocado pela presidência de Carlos Saúl Menem.

Essa política teve um retorno sob a presidência de Mauricio Macri, também nefasta para o povo argentino. Não teve melhoras durante o fracassado governo de Alberto Fernández, mas, nenhuma das situações anteriores pode ser comparada com o que hoje vive a população argentina, sob uma espécie de ditadura civil que se baseia na imposição ilegal, na corrupção e na entrega da soberania.

Sobre estes aspectos e a tentativa de identificar onde reside a possível resistência ao governo dos irmãos Milei (Javier e Karina), o jornalista e apresentador do Portal Desacato, Raul Fitipaldi, conversou com o Padre Francisco ‘Paco’ Olveira*, ou melhor, com o Padre Paco. Paco é um dos Curas em Opção pelos Pobres e convive com os mais desfavorecidos e excluídos pelas políticas antissociais do governo argentino.

Aqui o diálogo: 

R.F. Padre Paco, Argentina vive uma ditadura civil?

Pe.P. Se não for uma ditadura civil, é muito parecido. Temos um poder judiciário corrupto que permite um DNU (Decreto de Necessidade e Urgência –N.T.) que Milei conseguiu aprovar no início de seu governo. Isso lhe dá poderes muito amplos e ainda não foi declarado inconstitucional. Também fez aprovar uma lei, conhecida como Lei Base, que foi feita,  descaradamente, na base da concessão de propinas (Ao parlamento e governadores – N.T.) e que assim como o DNU é flagrantemente inconstitucional. Por outro lado, temos um poder repressivo que não permite a mobilização pública, então é muito parecido a uma ditadura. Isso é como uma ditadura onde não há divisão de poderes, mas sim um Poder Executivo que é aquele que comanda e ordena e faz e desfaz a seu bel-prazer.

R.F. Pe. Paco, não observamos uma atitude firme de resistência ao governo Milei por parte das instituições que deveriam, estar na vanguarda, como o Partido Justicialista e a CGT, entre outras. Isso é realmente assim?

Pe.P. É evidente que a CGT deveria ter um papel muito mais protagônico. E confrontar este governo que tanto mal está fazendo aos trabalhadores. E aos mais humildes. O Partido Justicialista acredito que não é ele quem deve estar no comando. Existem pessoas como Cristina Fernández de Kirchner, ou como Kicillof, que mostram uma atitude de luta e confronto, mas é isso…

R.F. Onde reside a resistência mais importante frente a este desastre económico, moral e social que vive a Argentina?

Pe.P. Ainda estamos numa fase de grande desunião. E talvez de muita tranquilidade. que a gente lamenta. Embora, ultimamente tenha havido coisas boas como a manifestação de 1º de fevereiro organizada pela comunidade LGTBQ, mais a luta das universidades, digamos, há coisas que são transversais. Agora vai ter uma grande mobilização pela saúde. Há coisas transversais que estão fazendo que o nosso povo comece a se empoderar.

Como disse antes, acredito em questões transversais. Tem coisas que tocam a parte mais profunda das lutas argentinas, como o tema da Memória, da Verdade e da Justiça. Como é o tema da Universidade Pública, como o tema da mulher (Direitos da mulher – N.T.) e como é a questão da saúde também. Portanto, é a partir daí e mais do que da política tradicional que acredito que se desenvolve a oposição a este governo.

R.F. A democracia, tal como a conhecemos, tem alguma resposta a oferecer ao povo argentino, ou devemos procurar outra forma de democracia que inverta a pirâmide na tomada de decisões?

Pe.P. Temos democracias liberais em todo o mundo. Também na maioria dos países do chamado terceiro mundo. E gostemos ou não, a Argentina é um país do terceiro mundo. Essas democracias dão pouquíssimas respostas à população. Na verdade, antes da ditadura militar na Argentina havia 5% de pobreza. Hoje temos 40-50% de pobres. Ou seja, o que Alfonsín (Raúl Ricardo Alfonsín [1927/2009], primeiro presidente argentino em democracia, depois da última ditadura cívico-militar – N.T.) disse, quando a democracia voltou, que com a democracia se tinha saúde e educação não se vê hoje. A realidade é que muitos anos depois isso não é real.

E aí as pessoas também acabam comprando espelhinhos de cores, portanto, é claro que precisaríamos de outra democracia. Muito mais forte e muito mais com controle popular. Como acontece na Venezuela. Goste a quem gostar. Ou talvez como no México que sabe enfrentar os poderes reais.

R.F.Finalmente Padre: quanto mais a Argentina e sua população mais vulnerável podem resistir a este ataque, que avaliamos como genocida?

Pe.P. Ninguém sabe. Em 2001 as pessoas saíram às ruas para enfrentar o governo, principalmente quando lhe tocaram o bolso à classe média. A situação era tão caótica que que as pessoas mais humildes saíram diretamente para saquear os supermercados. Mas isso nos custou 31 mortes, o que quer dizer que não é tão simples assim. Talvez este governo esteja cometendo tantos erros que acredito que, mais cedo ou mais tarde, alguma faísca irá surgir e isso irá acabar.

*O Padre Francisco “Paco” Olveira é integrante dos Curas em Opção pelos Pobres e presidente da Fundação Isla Maciel.

Transcrição de aúdio e arte de capa: Tali Feld Gleiser

Tradução: Redação

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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