Entrevista a Júlio Rudman, da Rádio Nacional da Argentina
O jornalista e escritor argentino Julio Rudman, 68, é uma das figuras mais experientes da Rádio Nacional Argentina. Na sucursal de Mendoza, LR 6, uma das três províncias mais atingidas pelas políticas macristas, Rudman tem uma longa e vitoriosa agenda como entrevistador e comentarista político e literário. Também é diretor do Programa com mais de duas décadas no ar, El Candil, e produz o blog julio-rudman.blogspot.com.
Por Raul Fitipaldi, com a colaboração de Tali Feld Gleiser, para Desacato.info
Desacato – Julio, O que é que está acontecendo com a Liberdade de Expressão na Argentina desde que assumiu Mauricio Macri?
Julio Rudman: A sociedade argentina vem sofrendo um ataque de três poderes associados (o econômico, o judiciário e o midiático, nossa troika) desde o dia 25 de maio de 2003, data da posse do ex-presidente Néstor Kirchner. Alcança com lembrar a carta de condições que tratou de lhe impor o jornal “La Nación”, com a assinatura do seu então diretor jornalísticoJosé Cláudio Escribano, cunhado na época de Carlos Fayt, membro da Suprema Corte de Justiça, que ajudou o jornal oligarca com uma liminar que leva mais de dez anos rodando.
Esse ataque se incrementou quando o Grupo Clarín viu ameaçado seu poder oligopólico em 2009 por causa da sanção da Lei 26.522, chamada de Meios e que regula o espectro audiovisual, não os conteúdos. Em que pese a gesta democrática que a própria Suprema Corte declarou constitucional em plenitude o Grupo não se adéqua a essa norma.
D – Como tem sido o comportamento de Macri com relação à Lei de Meios e às suas decisões ante de começar o funcionamento do Congresso Nacional?
JR – A partir da sua assunção Macri começou um ataque frontal, sem piedade e ainda impune à Liberdade de Expressão. Governa com DNU (Decretos de Necessidade e Urgência), uma ferramenta institucional do Executivo que não tem justificativa nesta situação. Leva mais de 200 decretos e ainda falta um mês e meio para que em 1º de março de 2016 o Congresso Nacional comece suas sessões ordinárias. Embora seja de rigor que durante o recesso se chame à Extraordinárias para, precisamente, tratar questões que não podem esperar. Isso não tem acontecido e Macri governa afetando totalmente as funções não regulamentadas.
Um desses DNUs deixou sem efeito a Lei de Meios e retirou suas autoridades: Martín Sabbatella e o resto da diretoria.
D – Quanto pesa no governo macrista a pressão de Héctor Magnetto e seu Grupo Clarín? Até onde vai o poder de Clarín?
JR – É bom esclarecer que só na Argentina acontece o caso de um grupo empresário ter mais de 300 canais de TV e rádio e, além disso, junto com o jornal dos Mitre (La Nación), ser dono do “Papel Prensa”, a única empresa que fabrica e comercializa a matéria prima para fazer jornais e revistas no país. Isso demonstra o poder de pressão que eles têm.
D – O programa 6,7,8 e o famoso locutor esportivo e âncora radial Víctor Hugo Morales foram demitidos dos espaços públicos e privados, assim como milhares de trabalhadores do Senado, e a maioria do Centro Cultural Kirchner, da Empresa Satelital Argentina, estatal, trabalhadores do grupo jornalístico 23, e até centenas de empregados municipais de La Plata, Capital da província de Buenos Aires. O que quer silenciar Macri?
JR – O silêncio imposto ao programa de alta audiência na TV Pública 6,7,8 e a Víctor Hugo Morales é apenas a ponta do iceberg da perseguição ideológica contra os trabalhadores de imprensa nos âmbitos públicos e privados. E uma tentativa forçosa de disciplinamento não só jornalístico como também social em geral.
D – Além do tema jornalístico, que outra coisa mudou nestes primeiros 40 dias do governo Macri? Se juntaram o poder real e o poder político?
JR – O Poder real não pode conseguir a aceitação passiva da sociedade a medidas que lhe enfraquecem os ingressos e transferem a riqueza para os bolsos dos grandes grupos econômicos se não for através da repressão explícita e, por sua vez, a blindagem midiática que lhe oferecem Magnetto e seus sócios putativos. A tal ponto é isso que nesta etapa não acredito que falte privatizar as empresas de serviços públicos, como aconteceu em tempos da ditadura e no ‘menemato’ (alusão aos governos de Carlos Saúl Menem. N. da R.), porque “ocuparam” o Estado, desta vez por via eleitoral.
Passamos 12 anos construindo um Estado “rebelde”, como bem o definiu Axel Kicillof, e passamos para o atual construído pelos CEOs de Shell, Techint, Monsanto, General Motors, LAN e, à cabeça de todos, Clarín.
D – Resurgem valores e práticas da ditadura? A democracia foi adulterada pelo governo Macri?
JR – Muito se debate nestes dias acerca de se estamos submergidos num regime ditatorial ou não. Parece-me uma discussão supérflua. Já não tem, quase, golpe de Estado do modelo Kissinger ou Consenso de Washington. Não sei se chamar golpes brandos ou ditaduras democráticas. Não importa, os efeitos são quase os mesmos para as grandes maiorias, inclusive para os que votaram em Macri e seus sequazes.
D – O governo Macri terminará antes de cumprir o mandato inteiro como aconteceu com o governo de De La Rua; o povo reagirá contra a enganação eleitoral?
JR – Outro assunto, esse sim determinante, é apostar um final antecipado e abrupto do governo ou que, como manda a Constituição, cumpra seus 4 anos de mandato. Cada medida, cada nomeação, cada brutalidade parecem, ou são, provocações. E se corre o risco de que o clima social, a indignação popular, termine num banho de sangue como em dezembro de 2001. E nós sabemos por experiência histórica quem bota o corpo e deixa seu sangue cada vez que a senhora História o pede.
D – Também ficarás desempregado?
JR – Minha situação pessoal, no aspecto laboral, é incerta. Cumpri meu contrato em 31 de dezembro passado na Rádio Nacional e não acredito que o renovem. Enquanto isso lembro que quando as Madres de Praça de Maio não podiam aceder a nenhum meio de comunicação, escreviam nas notas de dinheiro circulante o nome do seu filho desparecido e difundiam assim o que estava vedado pelo Poder real de então, muito parecido ao de hoje. Assim que, salvando as distâncias, me terão militando em alguma rádio ou nas praças de Mendoza ou onde fizer falta.
Foto: Ulises Naranjo / MDZ