A pior safra de tainha dos últimos anos no litoral catarinense ainda não terminou, mas os primeiros cardumes de anchova começam a encostar nas praias da Ilha e servem de alento a pescadores como Airton Saturnino Vieira, 50 anos, que mantém na Galheta duas canoas, duas redes de arrasto e 20 camaradas, todos moradores da Fortaleza da Barra da Lagoa, comunidade tradicional localizada no outro lado do morro. A falta de peixes e as dívidas que se acumulam, no entanto, não são os únicos motivos das noites mal dormidas no galpão de lona improvisado sobre o costão norte da praia, na ponta do Caçador.
A maior ambição deles é a reconstrução do rancho de madeira sobre os mesmos alicerces usados há pelo menos 150 anos por seus avós e bisavós. Assim, pretendem resgatar aquele ponto tradicional de pesca, pelo menos durante os 70 dias de espera da tainha. Para tanto, dependem da categorização oficial do Parque Municipal da Galheta, criado por decreto há 18 anos para disciplinar o naturismo na praia, mas ainda não regulamentado pela Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente).
A troca de insultos e ameaças entre os dois grupos é antiga, culminando com a demolição do velho rancho de madeira, ação atribuída aos naturistas pelos pescadores. Preocupado em acabar com o conflito, Saturnino defende o aspecto cultural no processo de regulamentação do parque da Galheta, onde a ampliação dos limites está em estudos. “É preciso definir o que pode e o que não pode. Não somos contra quem gosta de andar pelado na praia, muito menos contra quem quer preservar a natureza. Só não concordamos com safadeza. Queremos garantir o direito de sobrevivermos da mesma forma como nossos antepassados. Não queremos mais confusão com quem veio de fora”, argumenta.
O conflito de interesses, a burocracia e a falta de dinheiro para indenizações das propriedades devidamente escrituradas, atrasam a regulamentação dos demais parques municipais em Florianópolis. Segundo o geógrafo Bruno Palha, diretor de fiscalização da Floram, a prefeitura faz o que pode para contornar conflitos e proteger os ecossistemas, mas falta estrutura.
A prioridade da Floram é regulamentar, categorizar, fiscalizar e definir o uso destas áreas. Palha aponta o parque do Peri, no Sul da Ilha, como o mais problemático. “Lá, o mais certo é criar um mosaíco para definir o uso da área”, diz. Outra região conflituosa, segundo ele, é o maciço da Costeira, onde, sem fiscalização, a ocupação desordenada forma “manchas urbanas praticamente irreversíveis”.
O quadro atual não desestimula a FEEC (Federação das Entidades Ecológicas Catarinenses), que propõe ao plano diretor seis novas unidades municipais de conservação ambiental. O primeiro, diz o presidente Gert Schink, é o Parque da Planície do Pântano do Sul.
Adrenalina no topo das dunas
Deslizar duna abaixo, suar para voltar ao topo e repetir a manobra até sentir-se seguro para ficar de pé na pequena prancha de madeira parafinada e, estabanado, rolar pelo banco de areia em meio às gargalhadas dos amigos. Os momentos de diversão e adrenalina experimentados pela primeira vez na quinta-feira à tarde estão registrados para sempre na memória e na máquina fotográfica do paulista Valentim Barão, 28, de Araçatuba, que, mesmo sem conhecer a cidade, serviu de guia a seis estrangeiros com quem visitou alguns pontos turísticos da Ilha.
A paisagem desértica do Parque das Dunas da Lagoa da Conceição, entre as avenidas das Rendeiras e Osni Ortiga e a praia da Joaquina, onde pequenos lagos afloram como oásis entre os combros, igualmente encantou a Judy Yuan, 31, de Chicago, Wah Ching, 37, de Singapura, dentistas como Valentim, e ao instrutor de natação Lee Garret, 37, também de Singapura e namorado de Wah. “É um dos lugares mais lindos do mundo. Sinto-me uma atriz de cinema”, disse Judy, sem se incomodar com a areia fina no rosto delicado nem com o vento nordeste que ameaçava lhe roubar o chapéu. Observados de longe por Cortino Sukotjo, 41, o professor da turma, Bonila Sukotjo, 43, e Mila Kartika, que vieram da Indonésia, eles pretendem repetir a dose e recomendar a amigos.
Para o grupo que se conheceu durante a faculdade de odontologia, em Chicago, ver de perto as dunas de Florianópolis dá a sensação de que a natureza está protegida na cidade. “A preservação e o uso sustentável de lugares como este são importantes para atrair turistas e garantir o equilíbrio dos ecossistemas. Quem é daqui precisa valorizar estas áreas”, diz Valentim Barão. Consciência que faz parte da rotina de Roseli Luiza Peres, 48, manezinha da Barra da Lagoa e pioneira no aluguel de pranchas a amadores. “Desde que meu ex-marido, João Carlos Fernandes, começou o negócio há 22 anos, orientamos os visitantes a não deixar lixo nas dunas”, diz.
Áreas de preservação permanente, as dunas são bancos de areia escaldantes que protegem o avanço do mar e se movimentam conforme o vento. Formam ecossistema frágil, com as extremidades cobertas por vegetação rasteira, de restinga. As mais famosas são as da Lagoa e Joaquina, ao Leste, berço do sandboard, o surfe de areia, brincadeira criada por nativos para compensar a falta de ondas e que virou esporte mundial. O menor conjunto de combros está entre Ingleses e Santinho, ao Norte. Ao lado outra formação é usada como trilha para ir até à praia Grande, ou Moçambique, ecossistema semelhante ao encontrado no Campeche, na Armação e no Pântano do Sul.
Propostas da FEEC
– Dunas de Ingleses e Santinho
– Ingleses e Cachoeira do Bom Jesus
– Cultural do Campeche (Pacuca)
– Entorno Escolar da Armação do Pântano do Sul
– Natural da Planície do Pântano do Sul
– Três Pontas, abrangendo pontas do Coral, do Lessa e do Goulart
Fonte: http://www.ndonline.com.br
Foto: Daniel Queiroz/ND