Por
Há 12 anos, Débora Maria da Silva transformou sua vida em uma busca por justiça. Seu filho, Edson Rogério Silva dos Santos, morreu na reação de agentes do Estado aos ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) em maio de 2006, com um total de 504 vítimas. Foi a partir dessa perda que Débora se uniu a outras mulheres e fundou o movimento Mães de Maio. Após sete anos de recursos, o STF (Superior Tribunal Federal) manteve condenação do Estado pela morte de Rogério, determinando o pagamento de indenização por danos morais.
Em novembro de 2011, o desembargador Magalhães Coelho, da 7º Câmara de Direito Público do TJ-SP, considerou que o crime era de responsabilidade do Estado em meio à resposta “desarrazoada” aos ataques da facção criminosa e chegou a dizer que a situação dava conta da “atuação de grupos de extermínio e policiais fora de controle e comando”. Na época, Coelho escreveu na sentença que “cessados os ataques alguns dias após, a agora violenta, desarrazoada e indiscriminada e, portanto, ilegal reação do Estado não tardou”. O magistrado definiu o pagamento de 300 salários mínimos por danos morais, além da pensão vitalícia de 1/3 de salário mínimo – à época R$ 545 e hoje em torno de R$ 954. O Estado recorreu e, após sete anos, perdeu novamente.
“Não importa se é 1/3, metade, um, 20, 500 salários mínimos, dinheiro nenhum traz a vida do meu filho de volta”, diz Débora Silva, à Ponte, visivelmente emocionada. “Foi uma esmola que a Defensoria Pública não conseguiu reverter. O desembargador disse que era para ajudar nas despesas de casa. Vou ficar com um terço e pedir bolsa família para ajudar nas despesas?! É um absurdo”, critica.
De acordo com a Defensoria Pública, o Estado usou uma tática para ganhar tempo. Desde a decisão de 2011, a Procuradoria do Estado entrou com recursos junto ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF. Em 2016, o STJ julgou e manteve a condenação e, no fim do ano passado, o STF nem sequer considerou analisar o caso, e manteve a pena ao estado de São Paulo.
Apesar da decisão em outubro de 2017, a Justiça não informou a Defensoria sobre o andamento e o órgão soube da conclusão apenas recentemente. “Não fomos intimados da decisão, já tinha tido o andamento e transitado em julgado. É uma falha do judiciário em não respeitar a lei da intimação”, explica Daniela Trettel, coordenadora auxiliar da Defensoria. “A Procuradoria entrou com recursos e ganhou sete anos protelando o pagamento”, continua.
Morto em posto de gasolina
O gari Edson Rogério estava recém-operado da boca quando passou na casa da mãe para pegar um remédio na periferia de Santos, litoral de SP. Corria o boato de represálias pelos ataques do PCC na Baixada Santista e em todo o Estado. Rogério, no entanto, decidiu mesmo assim ir para a casa. Saiu com a moto, mas o veículo ficou sem gasolina. Ele a empurrou até um posto, onde foi abordado por policiais militares. Dali, não saiu com vida.
“Eu ouvi no rádio polícia, no dia seguinte, que tinha tido uma matança. Começou a dar os nomes, ouvi para saber se conhecia. O terceiro da lista era o meu filho”, relembra Debora, em relato no livro “Mães em Luta – Dez anos dos Crimes de Maio de 2006”, parceria das Mães de Maio com a Ponte Jornalismo.
Apesar da demora de quase uma década para a vitória definitiva, Débora entrará em uma lista de espera: os precatórios. É uma espécie de fila em que o Estado coloca as pessoas a quem ele deve e, conforme tem recursos, paga parcialmente suas dívidas. “É complicado e doloroso, é muita burocracia. É tão demorado que tem gente que negocia o precatório, como se fosse trocar um cheque”, afirma a defensora Daniela Trettel.