Apib repudia tentativa do ministro de Minas e Energia de atropelar consulta a indígenas Waimiri-Atroari

Terra Indígena Waimiri-Atroari. Foto: EBC

Em nota divulgada ontem, terça (22), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denuncia a tentativa do ministro de Minas e Energia do governo Temer, Moreira Franco, de passar por cima do direito à Consulta Livre, Prévia e Informada do povo Waimiri-Atroari, para garantir a construção de uma linha de transmissão entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR).

Os Waimiri-Atroari já manifestaram-se contra a construção do linhão, que cortaria sua terra indígena, e sugeriram à Eletronorte, responsável pela obra, um desvio em seu trajeto. Apesar disso, como divulgado em reportagem recente de Rubens Valente, na Folha de SP, o ministro decidiu ignorar a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e consultar o ministério da Defesa sobre a possibilidade de autorizar a obra sem o consentimento dos indígenas.

Centenas de indígenas do povo Waimiri-Atroari foram assassinados a Ditadura Militar, por resistirem à construção da rodovia BR-174, que foi feita pelo Exército e cortou seu território.

“As proposições do Governo Temer, nesta ocasião explicitadas pelo ministro de Minas e Energia, em nada divergem com as justificativas dos crimes cometidos pela ditadura militar”, afirma a Apib.

Confira a nota na íntegra: 

NOTA PÚBLICA DE REPÚDIO CONTRA O PROPÓSITO DO MINISTRO DE MINAS E ENERGIA DE PROMOVER NOVO ESBULHO DA TERRA INDÍGENA WAIMIRI-ATROARI

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) repudia veementemente o propósito do Ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, de re-editar as práticas criminosas de esbulho e de extermínio cometidas contra os nossos povos durante o regime militar, em nome do desenvolvimento e da defesa nacional. Conforme reportagem do jornalista Rubens Valente, da Folha de São Paulo, o Ministro “pediu ao Ministério da Defesa que se manifeste sobre a possiblidade de autorizar que uma obra atravesse uma terra indígena sem o consentimento dos índios”. Trata-se da linha de transmissão de energia elétrica de alta tensão que ligaria Manaus (AM) a Boa Vista (RR) passando pela terra indígena Waimiri-Atroari num percurso de 125 km.

Considerados empecilhos ao desenvolvimento e em nome da defesa nacional, os povos indígenas tem que ser ignorados ou eliminados. Hoje são os Waimiri-Atroari que já foram vitimados pela ditadura, quando centenas morreram. Amanhã poderão ser outros

Como se não bastasse a pressão de parlamentares da base aliada do governo golpista, neste ano eleitoral, dentre eles o senador Romero Jucá (PMDB) – e algum outro que agem na surdina – e o deputado Jhonatan de Jesus (PRB), o ministro acha possível considerar a linha de transmissão “como empreendimento de relevante interesse da Política de Defesa Nacional, ensejando seu enquadramento na condicionante V do acórdão proferido pelo STF” por ocasião do julgamento do caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A condicionante restringe o direito de consulta aos povos e à própria Funai. Porém, a decisão vale única e exclusivamente para a Raposa Serra do Sol, isto é, não pode ser generalizada para todas as terras indígenas do Brasil.

Mais uma vez configura-se no país um estado de exceção. Considerados empecilhos ao desenvolvimento e em nome da defesa nacional os povos indígenas tem que ser ignorados ou eliminados. Hoje são os Waimiri-Atroari que já foram vitimados pela ditadura entre os anos 60 e 70 do século passado, por ocasião da construção da rodovia BR 174, quando centenas morreram. Amanhã poderão ser outros. Como naqueles tempos, o ilegítimo governo de Michel Temer, seus auxiliares e sua base de sustentação no Congresso Nacional querem mais uma vez tomar conta ilegalmente das terras indígenas. Para isso é preciso manipular ou burlar a legislação vigente, nacional e internacional, de proteção e promoção dos direitos indígenas (entre as quais a Convenção 169 da OIT). E ainda, nesse contexto, alguns parlamentares, cínicos, continuam a defender a “integração” gradual, senão forçada, dos povos indígenas à chamada cultura nacional e às supostas benesses do retórico “desenvolvimento sustentável”.

Diante desse cenário e peculiar pelas próximas eleições, as proposições do Governo Temer, nesta ocasião explicitadas pelo ministro de Minas e Energia, em nada divergem com as justificativas dos crimes cometidos pela ditadura militar. Diz assim o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) ao abordar o tema da reparação individual e coletiva dos povos atingidos: “a colonização de suas terras durante o período investigado constituiu-se como crime de motivação política”. A CNV afirma em outro trecho: “são os planos governamentais que sistematicamente desencadeiam esbulho das terras indígenas”. Hoje, certamente a nova invasão congrega diversos segmentos do capital, corporações internacionais e setores empresariais nacionais, vinculados à área de energia, grandes empreendimentos, mineração e agronegócio.

A APIB chama a suas bases, povos e organizações indígenas, organizações e movimentos sociais a somarem nesta luta irrenunciável em favor da resistência e continuidade dos povos indígenas, a integridade de seus territórios e do meio ambiente. Pelo bem viver de todos e todas, do planeta e da humanidade inteira.

Não ao genocídio dos nossos povos!

Brasília – DF, 22 de maio de 2018.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

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