A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou nesta última sexta-feira (14/08), um manifesto contra a Agenda Brasil, um pacote de medidas adotado pelo governo federal para enfrentar a crise econômica e política. Em um de seus pontos, a agenda prevê a “revisão dos marcos jurídicos que regulam áreas indígenas, como forma de compatibilizá-las com as atividades produtivas”, além de simplificar os licenciamentos ambientais para obras do PAC.
“A proposta contém 29 medidas, das quais 19 já se encontram em tramitação no Congresso, e estas teriam o propósito de superar a crise econômica e política do país, por meio de uma reforma do Estado, se assumida pelo governo para assegurar a governabilidade em risco”, denuncia o manifesto.
Na prática, essa agenda contempla os interesses das oligarquias, do sistema financeiro, dos ruralistas e coloca em xeque direitos constitucionais, civis e trabalhistas. No caso dos povos indígenas, significa desregular e impedir novas demarcações e permitir a volta do esbulho em territórios já demarcados ou homologados.
“O Poder Executivo continua com a decisão de paralisar a demarcação das nossas terras, acarretando o aumento de conflitos e da violência contra os nossos povos”, diz trecho do manifesto.
Leia na íntegra:
MANIFESTO CONTRA OS ATAQUES AOS DIREITOS INDÍGENAS PAUTADOS PELO GOVERNO E O CONGRESSO NACIONAL NA CHAMADA “AGENDA BRASIL”
Nós, mais de 150 lideranças indígenas de todo o Brasil, reunidos em São Paulo no contexto do Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo, comemorado todo dia 09 de agosto, e por ocasião do II Fórum Nacional das Culturas Indígenas, realizado nesta cidade entre os dias 11 e 17 deste mês, viemos de público denunciar e repudiar os ataques sistemáticos do Estado brasileiro e de interesses privados de setores da sociedade brasileira aos direitos dos nossos povos.
Após 26 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, e apesar dos tratados internacionais assinados pelo Brasil reconhecerem os nossos direitos, continuamos a ser vítimas de processos de invasão e colonização intermitente das nossas terras, territórios e culturas. O Poder Executivo continua com a decisão de paralisar a demarcação das nossas terras, acarretando o aumento de conflitos e da violência contra os nossos povos. No judiciário, avançam interpretações reducionistas da ocupação tradicional dos territórios, revisando direitos consolidados pela Constituição Federal. No Congresso Nacional se intensificam os ataques através de Projetos de Lei e Propostas de Emenda Constitucional, que buscam impedir a demarcação ou rever regularizações consolidadas, em favor da permanência de invasores, da apertura das terras indígenas para a exploração da iniciativa privada e implantação de grandes empreendimentos.
A UNESCO tem dito que “o Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo é um momento para reconhecer a contribuição vital dos povos indígenas para a inovação e a criatividade, para o desenvolvimento sustentável, bem como para a diversidade cultural”.
No entanto, um dia após desta data comemorativa, os ataques aos nossos direitos se intensificaram. Representantes do Executivo – ministros Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento), Edinho Silva (Secom) e Eduardo Braga (Minas e Energia) – reuniram-se com o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB/AL) e os senadores peemedebistas Romero Jucá (RR) e Eunício Oliveira (CE) – para a discussão da intitulada “Agenda Brasil”. A proposta contém 29 medidas, das quais 19 já se encontram em tramitação no Congresso, e estas teriam o propósito de superar a crise econômica e política do país, por meio de uma reforma do Estado, se assumida pelo governo para assegurar a governabilidade em risco.
A “Agenda Brasil”, que vem de encontro aos interesses da bancada ruralista capitaneada pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, beneficia declaradamente ao setor privado, em detrimento de interesses sociais e populares, especialmente dos direitos indígenas.
A “Agenda”, entre outros interesses, prevê:
– Revisão e implementação de marco jurídico do setor de mineração e da legislação de licenciamento de investimentos na zona costeira, áreas naturais protegidas e cidades históricas, como forma de incentivar e atrair investimentos produtivos;
– Revisão dos marcos jurídicos que regulam áreas indígenas, como forma de compatibilizá-las com as atividades produtivas;
– Simplificação dos procedimentos de licenciamento ambiental para obras estruturantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que certamente vão impactar de forma imprevisível as terras e territórios indígenas e de outros povos e organizações do campo e as áreas protegidas.
A cegueira do Governo e dos políticos é tal que negociam a governança, a agenda neodesenvolvimentista e a regulamentação de interesses particulares à custa dos nossos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, desconsiderando totalmente – como se não existíssemos – a nossa contribuição na multidiversidade sociocultural do país e na preservação dabiodiversidade, da sustentabilidade e do equilíbrio ambiental e climático imprescindíveis para o bem-viver nosso, da sociedade brasileira, da humanidade e do planeta.
Para nós, as medidas propostas na dita “Agenda Brasil” só irão agravar as crises: hídrica, climática e política. Ou seja, além das catástrofes ambientais, implicarão no aumento dos conflitos e das violências contra os nossos povos que não vão permitir que continuem a invasão, o esbulho e a destruição de seus territórios.
Nós somos filhos da terra, alimentados pela força espiritual dos nossos ancestrais, e é por ela e por toda a Natureza e todo Ser que soltamos o nosso canto e clamor, e erguemos os nossos maracás, nossos punhos e arcos para lutar em defesa da vida e dos direitos, das nossas atuais e futuras gerações.
São Paulo, 14 de agosto 2015.
Lideranças Indígenas participantes do II Fórum Nacional de Culturas Indígenas
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB – Mobilização Nacional Indígena
Foto: Reprodução/CIMI
Fonte: CIMI