Por João Vitor Santos em IHU.
Para o professor, muito pouco tem sido feito para mitigar o aquecimento global. Pelo contrário, petróleo continua sendo a aposta nacional
O grande número de desastres ambientais ocorridos no Brasil em 2023 tem feito até os mais descrentes da crise climática repensarem seus posicionamentos. E não é por menos, pois temos vivido de seca na Amazônia a enchentes no sul. Para o professor Philip Fearnside, o problema é que o governo segue outra prática, apesar de reconhecer que estes eventos são frutos do aquecimento global e adotar o discurso da descarbonização. “Apesar do discurso, o Brasil não está neste caminho, pois praticamente todo o governo fora do Ministério do Meio Ambiente está agindo para aumentar as emissões, abrindo novos campos de exploração de petróleo e gás e expandindo os já existentes”, pontua.
Na entrevista, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Fearnside analisa os efeitos das enchentes e da seca no Brasil. “Tradicionalmente grandes desastres climáticos têm resultado em migração, como as grandes secas na região nordeste expulsando populações para a Sudeste e para a Amazônia”, avalia. Por isso, além do efeito imediato sobre as populações e o meio ambiente, os desastres ambientais podem ainda reverberar com grande êxodo de determinadas regiões.
Em especial, sobre a Amazônia, ele observa que “esta seca vai durar bastante em 2024, aumentando o risco de haver grandes incêndios e de muitas árvores morrerem devido à combinação de falta d’água e alta temperatura”. São consequências que devem impactar o clima não só o Brasil, mas todo o sul do continente também. Fearnside lamenta a pouca ação prática do poder público: “o que está sendo feito é a atuação do Ibama para coibir o desmatamento ilegal na Amazônia. Isto é bom e necessário, mas não é suficiente para enfrentar a crise climática”, dispara.
Philip Martin Fearnside (Foto: INPA)
Philip Martin Fearnside é formado em Biologia pelo Colorado College, nos Estados Unidos, mestre em Zoologia pela University of Michigan e doutor em Ciências Biológicas pela mesma instituição. É pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. Em 2004, recebeu o Prêmio da Fundação Conrado Wessel na área de Ciência Aplicada ao Meio Ambiente. Em 2006, do Ministério do Meio Ambiente ele ganhou o Prêmio Chico Mendes com 1º lugar na área de Ciência e Tecnologia. No mesmo ano foi identificado pelo Instituto de Informações Científicas (Thomson-ISI) como sendo o segundo cientista mais citado no mundo na área de aquecimento global. Sua produção está disponível aqui.
Confira a entrevista.
IHU – Podemos considerar o Brasil um país resiliente com relação aos desastres ambientais, especialmente enchentes e grandes ondas de calor como temos vivido?
Philip Fearnside – Existe resiliência, mas a resiliência tem seus limites. Tradicionalmente grandes desastres climáticos têm resultado em migração, como as grandes secas na região nordeste expulsando populações para o Sudeste e para a Amazônia. No caso de grandes enchentes, a melhor resposta muitas vezes é de mudar de lugar, pois reconstruindo no mesmo lugar deixa a pessoa exposta à próxima enchente. As previsões climáticas são de enchentes e secas cada vez maiores.
IHU – Em que medida a Lei n. 14.285/2021, que eliminou as restrições federais em vigor para proteger o desenvolvimento de faixas de terreno com 30 a 500 m de largura ao longo de cursos de água em áreas urbanas, pode representar um risco para a população urbana e agravar o problema das enchentes nas cidades?
Philip Fearnside – A diminuição das faixas aumenta os danos que seriam causados por enchentes, mas não afeta o tamanho das enchentes em termos da quantidade de água.