Por Stephen Hawking.
“Apesar de uma grande nuvem escura pairar sobre o meu futuro, achei, não sem me surpreender, que estava apreciando a vida mais do que antes.”
A opinião é do físico teórico e cosmólogo britânico Stephen Hawking, que faleceu nessa quarta-feira, 14 de março, aos 76 anos. O artigo póstumo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 15-03-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Muitas vezes me perguntam: como você se sente tendo esclerose lateral amiotrófica? A resposta é: não muito bem. Eu tento levar uma vida o máximo possível normal e não pensar na minha condição, ou não lamentar as coisas que ela não me permite fazer, que, no fim, não são tantas.
Para mim, foi um trauma muito grave quando soube que tinha a doença dos neurônios motores. Quando criança, nunca tive uma grande coordenação motora. Não era bom nos jogos de bola, e talvez foi justamente essa a razão da minha falta de interesse pelos esportes ou pelas atividades físicas. Mas as coisas pareceram mudar quando fui para Oxford. Comecei a ser timoneiro no remo. Certamente, não estava em um nível de competições oficiais, mas me virava bem no nível das disputas entre universidades.
No meu terceiro ano em Oxford, porém, notei que eu parecia ter me tornado mais desajeitado nos movimentos e algumas vezes caí sem qualquer razão aparente. Apenas depois da minha passagem para Cambridge, no ano seguinte, minha mãe se deu conta disso e me levou ao médico de família. Ele me mandou para um especialista e, pouco depois do meu 21º aniversário, fui internado no hospital para exames. Fiquei lá por algumas semanas, durante as quais fui submetido a uma grande variedade de análises. Extraíram uma amostra de músculo de um dos meus braços, aplicaram-me eletrodos, injetaram-me um líquido rádio-opaco na espinha dorsal e o observaram nos raios-X subindo e descendo, enquanto inclinavam o leito de vários modos.
No fim, não me disseram o que eu tinha, exceto que não era uma esclerose múltipla, e que eu era um caso atípico. Mas eu me dei conta que eles esperavam que eu continuasse piorando e que não poderiam fazer nada mais do que me administrar vitaminas. Também ficou claro que não esperavam que as vitaminas pudessem fazer muita coisa. Não me perguntaram outros detalhes, já estando claro que eram decididamente desfavoráveis.
A consciência de ter uma doença incurável que provavelmente me mataria em poucos anos foi um trauma para mim. Como era possível que algo desse tipo acontecesse justamente comigo? Por que eu devia ser arrancado daquele modo?
Enquanto eu estava no hospital, porém, vi um rapaz que eu conhecia vagamente morrer de leucemia no leito em frente ao meu. Certamente, não foi um belo espetáculo. Estava claro que havia pessoas que estavam piores do que eu. Pelo menos, minha condição não me fazia sofrer fisicamente.
Toda vez que estou inclinado a sentir pena de mim mesmo, aquele rapaz vem à minha mente. Não sabendo o que aconteceria comigo, nem quão rapidamente a doença progrediria, eu não fazia nada. Os médicos me disseram para voltar para Cambridge e continuar a pesquisa que acabara de começar sobre a relatividade geral e a cosmologia. Mas eu não estava fazendo muitos progressos, porque não tinha uma grande preparação matemática e, em todo o caso, não viveria o suficiente para terminar minha tese de doutorado. Eu me via como personagem de tragédia. Comecei a ouvir Wagner, pois seria um exagero me entregar à bebida.
Naquele tempo, eu tinha muitos pesadelos. Antes de a doença ter sido diagnosticada, eu estava bastante aborrecido com a vida. Parecia-me que não havia nada que valesse a pena fazer. Pouco depois de sair do hospital, porém, sonhei que estava prestes a ser executado. De repente, percebi que havia uma série de coisas importantes que eu poderia ter feito se minha condenação tivesse sido suspensa.
Outro sonho que tive várias vezes foi aquele em que eu sacrificava minha vida para salvar outras pessoas. Afinal, se eu tivesse que morrer de qualquer maneira, minha história também poderia ter alguns aspectos positivos.
Mas eu não morri. Ou, melhor, apesar de uma grande nuvem escura pairar sobre o meu futuro, achei, não sem me surpreender, que estava apreciando a vida mais do que antes. Comecei a fazer progressos na minha pesquisa, noivei e me casei, e obtive uma bolsa de estudos no Caius College, em Cambridge. A bolsa de estudos no Caius resolveu meu problema imediato do emprego. Foi uma sorte que eu tivesse escolhido trabalhar com física teórica, porque esta era uma das poucas áreas em que minha condição não me prejudicaria seriamente. E foi uma sorte que a minha reputação científica crescesse com a piora da minha invalidez.
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Foto: Reprodução da internet.