Ao brincar, as crianças entram em contato consigo mesmas e com o mundo

Em entrevista, Renata Mirelles critica o excesso de atividades de algumas crianças e a falta de tempo para brincar.

Por Ana Luiza Basilio.

“O que me move é o encanto”. É dessa maneira que a educadora Renata Meirelles fala sobre sua aproximação com o universo das brincadeiras infantis. Ainda na época da graduação, quando cursava Educação Física, a especialista se interessou pelo brincar e decidiu investigar o tema a partir de seus principais atores, as crianças. “A ideia era ir além dos livros e teorias e estabelecer relação com a infância viva”, conta.

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O documentário Território do Brincar mostra brincadeiras de crianças por diferentes regiões do Brasil

Carta Educação: Por que você julga importante que a escuta esteja presente no processo do brincar?

A escuta está ligada ao corpo das crianças. Como escutamos esse corpo, que tipo de narrativas ele nos traz, como os gestos das crianças contam histórias? É uma leitura nesse sentido, que traz muito sobre o imaginário infantil.

Escutar as crianças é tarefa urgente. Ainda as vemos a partir de um lugar marginalizado, da ótica do que elas vão vir a ser, parece que as crianças ainda precisam chegar a um lugar importante. E é justamente o contrário. As crianças são aqui, agora, e têm muito a nos dizer sobre essa relação com o presente, não só com o futuro.

Carta Educação: Qual o papel dos adultos no mundo das brincadeiras? É importante que eles participem desse momentos?

Acredito que os adultos têm que participar e não participar também. É uma linha tênue. Digo isso porque é importante deixar que as crianças consigam se resolver por si, sem incorrer sempre em propostas diretivas. E quando o momento for de participação, é importante que se faça o questionamento: estou verdadeiramente ali? Porque as crianças querem a verdade de nós e elas sentem isso. É importante promover uma interação real, natural, sem a carga da necessidade ou da obrigação.

Quando isso acontece, as crianças bebem dessa fonte. Trazem para si as referências disponíveis. E para isso não há regras. Basta oferecer a elas o que você tem de melhor, seja em jardinagem, música ou um simples chutar de bola. É estar ali, disponível, viver o presente e buscar manter-se alheio ao que está acontecendo ao redor.

Carta Educação: Como avalia os espaços destinados à brincadeira atualmente?

Principalmente nos centros urbanos, as crianças estão mais emparedadas e institucionalizadas e é importante que se discuta isso. Agora, ainda assim, acho possível dentro da consciência e possibilidades de cada um ofertar a elas mais liberdade de tempo e interação com espaços mais amplos, principalmente com a natureza. E não precisa ir longe, estou falando também de brincar em parques, praças, espaços públicos, manipular terra, areia, explorar plantas, insetos.

Claro que há um lado dessa discussão que vai apontar para as políticas públicas. Precisamos exigir ações que possibilitem uma infância rica em qualidade de oportunidades culturais. Mas há o lado da criança, de permitir a ela liberdade de interação com os espaços. Muitas estão crescendo sem saber o que é isso.

Carta Educação: Que lugar os brinquedos ocupam nas brincadeiras? Como avalia a presença dos brinquedos industrializados e dos aparatos tecnológicos na vida das crianças?

Acho que precisamos falar sobre excessos, sobretudo se estamos falando de uma infância urbana, de classe média. Precisamos discutir o quanto estamos sendo conduzidos por uma indústria massiva de brinquedos e o quanto estamos deixando que ela diga o que é importante e necessário para a infância. Isso é um risco. Não acredito que os excessos sejam capazes de produzir uma qualidade de infância ou desafiem as crianças mais do que suas próprias capacidades.

Considero importante diminuir a quantidade de determinados brinquedos para que as crianças possam ter contato com possibilidades de criação. Se elas tiverem pedras como recurso farão delas um universo riquíssimo e conseguirão propor diferentes finalidades para seu uso, mais do que os brinquedos, muitas vezes, são capazes de oferecer. Essa relação com o brinquedo às vezes acaba sendo restritiva à criação e ao imaginário infantil.

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Carta Educação: Como avalia a postura das escolas com a brincadeira?

Eu tenho visto um movimento de escolas que querem se afastar dessa condição de produtividade. Porque temos a ideia de que a escola só é útil se produzir coisas. E nisso acabamos condenando a infância, vemos crianças de três anos com lição de casa.

O brincar vai na contramão disso. Não tem relação com essa produtividade. Apoia o desenvolvimento de um ser que se acessa muito mais, que sabe quais são suas potências, angústias e limites.

Acreditar no brincar é acreditar na força da vida, já que é um alimento do ser humano. Hoje, as escolas são o lugar em que as crianças mais estão, algumas chegam a passar 10 horas diárias nelas. Se elas não acessarem isso, certamente estaremos conduzindo seres absurdamente frágeis, manipuláveis e distantes de si mesmos.

Carta Educação: O Programa Territórios do Brincar está lançando mais dois filmes, o Terreiros do Brincar e Waapa. Qual o objetivo dessas produções?

Filme Terreiros do Brincar trata sobre a relação entre a criança e a cultura popular. A ideia é refletir sobre como o brincar de crianças caiçaras, quilombolas, ribeirinhas, caipiras se relaciona com a cultura tradicional dessas comunidades. (o filme será exibido durante a Ciranda de Filmes na quinta 25, às 20h30; e no sábado 27, às 11h).

Já o Waapa propõe um mergulho inédito na infância Yudjá e nos cuidados que acompanham o crescimento das crianças no parque indígena do Xingu. O filme mostra como o brincar, a vida comunitária e a relação espiritual com a natureza influenciam as crianças, que transitam por todos os espaços da aldeia com total liberdade para brincar. (o filme será exibido durante a Ciranda de Filmes na sexta 26, às 15h; e no sábado 27, às 11h).

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