Antonio Candido: 100 anos de atuação literária e política

Antonio Candido foi professor da Universidade de São Paulo durante 50 anos (1942-1992) / Walter Craveiro/Divulgação Flip

Por Guilherme Henrique

Antonio Candido foi professor da Universidade de São Paulo durante 50 anos (1942-1992) / Walter Craveiro/Divulgação Flip

“Uma obra é uma realidade autônoma, cujo valor está na fórmula que obteve para plasmar elementos não literários: impressões, paixões, ideias, fatos, acontecimentos, que são a matéria-prima do ato criador”.

O trecho acima aparece nas primeiras páginas de Formação da Literatura Brasileira, de 1959, livro que esmiúça a literatura nacional, analisando clássicos e estilos, como os romances indianistas de José de Alencar (1829-1877), os versos negros de Castro Alves (1847-1871) e a prosa de nosso maior romancista: Machado de Assis (1839-1908).

Influenciado por paixões e impressões, Antonio Candido mudou o patamar da crítica literária no país. O olhar sociológico aparece como parte fundamental de sua obra, que incorporou elementos como a interdisciplinaridade, a dialética e a intuição crítica. Todas essas vertentes estão sendo celebradas em debates, homenagens e exposições, para comemorar os 100 anos do escritor nascido no dia 24 de julho de 1918, no Rio de Janeiro.

Entre os dias 22 e 25 de agosto, um seminário em homenagem ao centenário de Antonio Candido será realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF). Rosana Fernandes, coordenadora política e pedagógica da Escola, afirma que o evento vai debater a importância da literatura para o movimento camponês e sem-terra. “A intenção é compreender o papel da literatura na formação do povo brasileiro e de como ela se apresenta na questão agrária”, adianta.

A relação entre campo e literatura é a base de uma das obras mais famosas da sociologia brasileira: Os Parceiros do Rio Bonito. A tese de doutorado apresentada por Candido na Faculdade de Filosofia e Letras Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), em 1954, parte da pesquisa sobre a poesia popular do cururu, para identificar as características da urbanização do estado de São Paulo.

“O livro é um trabalho sobre os caipiras paulistas e a transformação dos seus meios de vida. O Antonio Candido analisa o desenvolvimento histórico entre os anos 40 e 50, perto de Piracicaba, Tietê e Bofete, onde ele ficou por mais tempo. Uma das descobertas mais interessantes desse livro parte do nível simbólico, quando ele encontra em narrativas correntes trechos do livro do Apocalipse, por exemplo”, comenta a professora emérita da USP e primeira assistente de Antônio Cândido, Walnice Galvão.

O estilo inovador no trabalho de Antonio Candido era precedido por anotações diversas, conta Walnice. “Ele escrevia em cadernos os futuros trabalhos, as ideais que tinha. Ele deixou 90 cadernos e outras 26 cadernetas. É um material que será objeto de pesquisa pelos próximos 100 anos. Era uma atividade incessante e diária de teses que seriam reelaboradas em artigos e ensaios”.

Para além da atuação na literatura e no mundo acadêmico, Antonio Candido foi um homem de convicções políticas definidas ainda nos tempos de movimento estudantil, quando tornou-se co-fundador do Esquerda Democrática, em 1945, embrião do Partido Socialista. Anos depois, ele estaria na linha de frente de intelectuais que fundaram o PT (Partido dos Trabalhadores), no início da década de 80, e próximo ao Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra (MST) nos anos seguintes. O professor também foi crítico do golpe sofrido pela presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016.

“Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação e notícia”, disse Candido em uma de suas últimas entrevistas, concedida ao Brasil de Fato em 2012 e que pode ser lida aqui.

O apreço mútuo entre o MST e Antonio Candido fez com que o nome do professor fosse escolhido para intitular, em 2006, a biblioteca da  Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).

“O Stédile [João Pedro, coordenador nacional do MST] enviou uma carta pedindo permissão para colocar o nome dele na biblioteca da Escola. Antonio Candido responde dizendo que ele sempre foi contra colocar nome de pessoas vivas em ruas, monumentos, e que não poderia se contradizer agora. Ele, então, sugere o nome do Celso Furtado, e diz que está disposto a dar uma palestra na Escola, o que de fato ocorreu. Então há uma terceira carta do Stedile, dizendo que a biblioteca ficaria sem nome. Agora, com a morte do Antônio Cândido, a biblioteca está com o nome dele”, conta Walnice.

Segundo Rosana Fernandes, coordenadora da ENFF,  a atuação de Antonio Candido ao unir literatura e sociedade personifica o trabalho que o MST tem realizado na construção do gosto pelos livros em pessoas que não tiveram a oportunidade de ler com frequência ao longo da vida. “O gosto pela leitura não pode ser construído desde a infância. Muitos, alfabetizados depois de adultos, passam a querer acessar os livros e fazer leituras mais permanentes. É a ação de olhar para nossas práticas educativas e os nossos espaços de formação”, ressalta.

Com uma obra extensa, Antonio Candido deixou contribuições em áreas diversas, em mais de 10 livros. Por isso, a professora Walnice Galvão dá o caminho das pedras para quem deseja ler as obras do crítico. “Sugiro Na Sala de Aula (1985), em que ele faz análise de poemas, todos da literatura brasileira, obedecendo uma cronologia do mais antigo ao mais atual. Outra sugestão é o Educação Pela Noite (2006), que reúne diversos ensaios”.

Antonio Candido faleceu no dia 12 de maio de 2017, aos 98 anos, em São Paulo, vítima de problemas no intestino.

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