Por César Fraga.
Enquanto tramitavam as novas regras de uso, fiscalização, tributação e liberação dos agrotóxicos, o governo federal teve, ao menos, 752 compromissos registrados com participação de lobistas e representantes de empresas relacionadas a agrotóxicos. Aconteceu pelo menos uma reunião de autoridades do governo com o lobby dos agrotóxicos a cada 4 horas e 48 minutos entre outubro de 2022 e agosto de 2024 – considerando horas úteis da jornada de trabalho e excluindo fins de semana, feriados e pontos facultativos nacionais. Bayer, Basf e Syngenta lideram a pressão.
O levantamento foi feito por meio da Agenda Transparente, ferramenta gratuita desenvolvida pela ONG Fiquem Sabendo (FS), a qual permite monitorar as agendas oficiais do Executivo federal. Os dados fazem parte do terceiro relatório do projeto Lobby na Comida, produzido pela FS em parceria com o site O Joio e O Trigo, com apoio dos institutos Ibirapitanga e Serrapilheira.
Na publicação, foi analisado o trânsito dos lobistas do que atuam em prol da indústria de veneno para agricultura no Executivo federal ao longo das discussões sobre o Imposto Seletivo da Reforma Tributária e o PL do Veneno, que se tornou a Nova Lei dos Agrotóxicos (Lei 14.785, de 2023).
Inimigo na trincheira
A maioria dos compromissos ocorreu no gabinete do secretário Mauro Goulart, da Defesa Agropecuária (SDA) do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que sediou 56 encontros com lobistas ou representantes de empresas do setor. Goulart foi diretor do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas (DSV) no governo Bolsonaro.
Já no gabinete do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), foram, ao menos, 12 reuniões. A maior parte dos encontros foi realizada por videoconferência.
A SDA é o setor responsável por regular os agrotóxicos. Seus servidores participam de câmaras para formulação de políticas junto à sociedade civil, como a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), que desde 2015 tem um programa de redução de agrotóxicos formulado. De acordo com o site o Joio e o Trigo corresponsável pelo relatório, em julho, a SDA fez questão de boicotar a implementação deste programa. Já seria a segunda vez que o Mapa impede o lançamento desta política em dez anos.
Os meses que tiveram maior frequência de registros de reuniões foram maio e abril de 2024 – um a cada cinco compromissos levantados no período aconteceu nesses meses. Em maio, foram 70 agendas e, em abril, 67. Nessa época, o Ministério da Fazenda enviou o projeto de regulamentação da Reforma Tributária sem incluir os agrotóxicos no Imposto Seletivo.
Lobby do veneno tirou Ibama e Anvisa do processo
Também foi nesse período que o Congresso Nacional derrubou metade dos vetos do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à Nova Lei dos Agrotóxicos, tirando Ibama e Anvisa do processo de aprovação de novos produtos.
Em 2023, os meses com maior ocorrência de encontros do governo federal com lobistas dos agrotóxicos foram agosto (52 registros) e setembro (48 registros), época em que tramitava no Senado a Reforma Tributária, em que se discutia o “Imposto Seletivo” para sobretaxar produtos nocivos à saúde.
De acordo com texto assinado por Flávia Schiochet no site de O Joio e O trigo, a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) visitou a Esplanada quase três vezes mais que a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), segundo lugar no ranking de instituições ligadas ao agronegócio.
Além da Abiquim, aparecem entre as dez associações mais recebidas pelo Executivo entre outubro de 2022 e julho de 2024 a CropLife (associação que reúne 53 empresas de biotecnologia, agrotóxicos e bioinsumos), a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina (Abifina) e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). Somando as visitas das quatro entidades de indústrias químicas, este setor esteve à mesa com ministros e suas equipes 194 vezes, ou 55% das vezes.
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