Análise e Conclusões
Que o assédio sexual é uma realidade para as mulheres em Angola não é novidade. O que os resultados deste inquérito sobre assédio sexual nos espaços públicos trazem de novo é dar uma visibilidade diferente a este problema que aflige muitas mulheres.
Embora com as limitações de uma amostra pequena e a exclusão de mulheres que não têm acesso à internet, os resultados permitem-nos, contudo, realçar algumas nuances nunca antes exploradas sobre a forma as experiências de assédio sexual vividas pelas mulheres em Angola.
Em primeiro lugar, os resultados confirmam a nossa suspeita que o assédio sexual é uma prática comum, recorrente e que toma várias formas. Entre as surpresas ou novos insights, destaca-se o facto de que a maioria das participantes teve a sua primeira experiência de assédio sexual enquanto crianças, evidenciando que o assédio sexual não se trata de uma expressão de desejo ou de um acto inofensivo mas sim de uma forma de controlar o corpo e a sexualidade das mulheres desde muito cedo.
Que muitas mulheres reportem ter sido vítimas de assédio sexual nos seus locais de trabalho ou nas escolas também é preocupante, visto que ambos são lugares onde as mulheres deviam estar supostamente protegidas mas onde se encontram vulneráveis por conta da sua posição hierárquica.
Das participantes ainda sobressai a convicção de que os homens são os principais responsáveis por prevenir os assédios sexuais, presumivelmente começando por não assediar as mulheres, visto que são os homens os principais assediadores. Uma outra possibilidade é que as participantes esperam que os homens protejam as mulheres do assédio, embora isso também não se pode inferir somente com base nos dados recolhidos.
O Estado ou governo é apontado como o segundo maior responsável, que se pressupõe que deverá o fazer através da elaboração e implementação de leis e políticas públicas apropriadas. Este resultado está de acordo com a convicção das participantes de que o assédio sexual deve ser tipificado como crime.
Quanto às indicações de que as mulheres também podem ser as principais responsáveis por evitar os assédios de que as mulheres são vítimas, as possíveis interpretações são diversas. Por um lado, pode ser entendido como uma tendência das participantes pensarem que mulheres devem vestir-se ou comportarem-se “melhor” para evitarem ser violadas – no caso, uma manifestação da tendência de culpabilização da vítima ou victim blaming que ainda é muito presente na sociedade angolana. Por outro lado, estes resultados poderão indicar que as mulheres através do activismo em torno dos seus direitos, se tornam as principais responsáveis por evitar que elas e outras mulheres sejam assediadas. Poderá ser também uma mistura destas duas e mais outras possibilidades, mas que, infelizmente, não podem ser inferidas com certeza neste inquérito. O mesmo pode ser dito da responsabilização das famílias.
Fica assim patente uma forma de melhoria para este inquérito para o futuro, nomeadamente abrir espaço para que as participantes expliquem as razões por detrás de algumas das suas escolhas. Do mesmo modo, também seria interessante que o próximo inquérito sobre o assédio sexual explorasse os impactos desta prática ou da possibilidade dela acontecer na vida das mulheres e meninas, tanto a nível fisico bem como emocional, psicológico e social. Por exemplo, um inquérito sobre assédio sexual feito pela organização brasileira Think Olga mostra que entre 81% a 90% das mulheres já deixaram de fazer alguma coisa (ir a algum lugar, passar na frente de uma obra, sair a pé) ou trocaram de roupa por medo de serem vitimas de assédio.
Seria também elucidativo saber mais sobre as pessoas, os homens em particular, que praticam os assédios sexuais e o local específico onde os assédios acontecem. Os assédio sexuais dentro dos espaços domésticos ou privados, isto é, dentro de casa ou da família, também mereciam ser explorados numa próxima ocasião, sobretudo dada a prevalência de relatos de mulheres e meninas que são vítimas destes.
Por último, um futuro inquérito seria ainda mais completo se deixasse espaço para que as participantes contem as histórias dos assédios de que foram vítimas. As narrativas feitas na primeira pessoa são sempre bons complementos para os dados agregados porque realçam o aspecto humano e pessoal de cada uma das experiências de assédio sexual, dando-lhes assim profundidade.
Para um primeiro inquérito, este apresenta-nos dados importantes sobre uma realidade que afecta muitas mulheres. Contudo, ficamos com o compromisso de num futuro inquérito sobre assédio sexual aprofundarmos algumas questões e expandirmos a amostra com o objectivo de entendermos melhor a realidade dos assédios sexuais em Angola.
Sobre a autora:
Âurea Mouzinho é investigadora de desenvolvimento social e políticas públicas, activista, e feminista africana. É membra-fundadora e parte do núcleo de coordenação do Ondjango Feminista. Os seus interesses passam pelos chás, literatura africana, teoria e história feminista, e viagens. Encontre-a no Instagram: @dia_luanha.
Foto de Zohra Opoku (Gana), conheça o trabalho da artista aqui.