Por Luciane Recieri*
Inventei de comprar um presente pra minha mãe. Meus olhos se encheram quando vi uma caixinha de lápis de cor, se encheram mais ainda quando vi que o dinheiro que trazia no bolso dava pra comprar. Lápis de cor, pelo menos pra mim, sempre fora artigo de luxo. Dei uma volta na rua e confeccionei o presente todo: seria um caderno, lápis para desenho, borracha macia e a caixinha de lápis – a minha mãe tem 75 anos – domingo cheguei lá e subi até seu quarto. Ela pintava um pote. Não fiz alarde, coisa que aprendi com passarinho. A gente faz que não tá vendo a beleza que é, senão eles vão embora. É. Isso se faz com mães que ficaram velhas de repente. Depois do almoço, ela me chamou pra mostrar os bordados. Inventou de bordar também. E mostrava a arte. Foi por isso que decidi comprar os lápis e um caderno de desenho. Queria uns decalques também, daqueles que a gente botava na boca que amargava tudo e enfeitava caderno. Queria umas rosas, margaridas pra colar na capa, mas não existem mais decalques. Bom. Comprei. Escrevi uma carta, botei num envelope vermelho. Escrevi também a música que ela cantava pro meu pai quando eram namorados. Ele, galhofeiro de mão cheia, dizia que ela cantava pra ele não ir embora. Mentira da grossa! Minha mãe é durona feito argentina. Então, mas comprei. Disseram que era um presente muito insólito, mas acho que minha mãe nunca teve lápis de cor na vida toda. Ela que estudou tão pouco, mas sabe ler e inventar história e contar história como poucos no mundo. Inventei isso pro lúdico da minha mãe não morrer. Domingo, quando gritei por eles no portão, confesso que segurei o choro. Meu pai veio de bengala abrir o portão. Faz 20 anos que deixei a minha casa, mas no domingo percebi o quanto eles envelheceram. É. Foi por isso que comprei lápis pra minha mãe e é por isso que eu olho como se não visse. Ando com medo que ela se assuste e voe.
*Luciane Recieri é escritora e mora em Jacareí, São Paulo. Colabora com Desacato.info desde a fundação do portal.