Por Luiza Belloni.
A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) lançou uma consulta à sociedade sobre adoção do sistema de franquias de dados para banda larga fixa pelas operadoras — proposta bem comentada em abril e que, por pressão dos usuários e de órgãos de defesa ao consumidor, foi temporariamente suspensa pela agência.
Passados dois meses, agora o Conselho Diretor da Anatel anunciou que vai realizar consultas, por 60 dias, para que a “sociedade civil possa se manifestar em relação à franquia de dados na prestação de banda larga fixa”.
Após as consultas, que preveem também reuniões públicas com “diversas entidades e especialistas”, um grupo executivo da Anatel analisará as contribuições e o impacto regulatório das medidas sobre o tema.
Ou seja, ela diz que está disposta a ouvir a opinião dos consumidores sobre o limite de internet fixa, ideia que já foi BEM criticada não faz muito tempo.
Apesar da Anatel já ter uma vaga noção da opinião da sociedade em relação ao assunto — o que não faltaram foram reclamações, petição com mais de 1,6 milhão de assinaturas e até proposta de ‘cancelaço’ das operadoras que implantarem a franquia na banda larga –, a parte mais curiosa da história ainda estaria por vir: a consulta “à sociedade”, na verdade, não será pública.
Ao procurar a página na qual poderia contribuir para a tal consulta pública, não encontrei nada. Então busquei na aba de consultas públicas do site da agência e a proposta não estava lá. Liguei para a assessoria de imprensa da Anatel, que me corrigiu prontamente: “Não é consulta pública. É consulta”, me esclareceram, acrescentando que serão ouvidos ministérios, secretarias, órgãos e institutos de defesa ao consumidor, como a Proteste e Idec.
Fiquei curiosa, uma vez que muitos veículos, até mesmo o site do Governo Federal noticiaram o anúncio como “consulta pública”.
Aqui está a lista das instituições que participaram da consulta “à sociedade”:
Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Ministério Público Federal, Secretaria Nacional do Consumidor, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Secretaria de Acompanhamento Econômico, Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Comitê Gestor da Internet (CGI.Br), Associação Brasileira de Internet (Abranet), Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abrint), Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil).
Na nota enviada à imprensa sobre a consulta “pública”, intitulada Anatel ouvirá opiniões da sociedade sobre franquia, a agência ressalta ainda que serão ouvidas também “outras entidades e pessoas interessadas em contribuir para a regulação da matéria”, além de “especialistas em Direito, Economia e Tecnologia, oriundos de universidades e centros de pesquisa, para a oferta de subsídios à análise a ser feita pelo Conselho Diretor.”
Ou seja, todo mundo, menos quem, de fato, seria o maior prejudicado caso a franquia de internet fixa voltar a valer: o consumidor.
É claro que as associações e institutos como a Proteste, Idec, Secretaria do Consumidor e Procon entrariam como representantes dos consumidores. Mas a questão é: se o consumidor é o maior interessado, por que não ouvi-lo diretamente?
A criação da consulta, neste contexto, perde, em parte, a validade. Não seria mais justo fazer uma consulta verdadeiramente pública, na qual todos — teles, sindicatos, associações e os CONSUMIDORES — possam contribuir para esta questão?
Bom, perguntei isso à Anatel, que não me respondeu até a publicação deste blog.
O que parece é que a proposta de ouvir a “sociedade civil”, na verdade, é uma maquiagem para não ouvir diretamente a sociedade civil, uma vez que só nós que não teremos voz ativa nesta etapa. Não seremos consultados, como em abril, quando a Vivo simplesmente informou seus consumidores que passaria a usar franquias na internet fixa e a Anatel, na época, saiu em defesa da medida.
O presidente da Agência, João Rezende, disse que a era da internet ilimitada está “chegando ao fim” e que a oferta de serviços deve ser “aderente à realidade”.
O ponto é: se quer saber o que a sociedade pensa sobre o limite de internet fixa, nada melhor do que ouvir a PRÓPRIA SOCIEDADE.
E uma das saídas para isso é a realização da consulta pública, medida já utilizada por instituições governamentais com temas de interesse público.
O último bom exemplo foi a consulta pública sobre as novas regras de aviação civil propostas pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Entre março e maio, a agência recebeu contribuições de empresas, sindicatos, associações, institutos e de toda a população sobre a atualização das Condições Gerais de Transporte, chamadas CGTA.
O tema, também bastante polêmico e de total interesse tanto do consumidor quanto da empresa, teve um processo democrático e a Anac recebeu um grande número de contribuições, que serão igualmente analisadas antes de passar para próximas etapas, que, então, seriam reuniões com representantes de ambos os lados (consumidores e empresas).
É preciso lembrar que continua em vigor, por prazo indeterminado, a medida cautelar da Anatel que proíbe as operadoras de praticar a redução de velocidade ou suspensão do serviço após o esgotamento da franquia da banda larga fixa.
Procurada, a Anatel não me respondeu o motivo de não realizar uma consulta pública sobre esta matéria e também não informou como o consumidor comum poderia participar diretamente deste debate.
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Fonte: BrasilPost.