Sem dúvidas, houve um forte acirramento do debate entre a militância de esquerda a partir do momento em que se aventou a possibilidade de se lançar uma chapa para as próximas eleições tendo Lula como presidente e Geraldo Alckmin como seu vice.
Existem diversos argumentos de peso, tanto a favor da tal composição, como contrários à mesma.
Um dos principais pontos esgrimidos por aqueles que se opõem à ideia de uma aliança é que, uma vez mais, as lideranças do PT tenderiam a estar dando mais importância a conchavos de cúpulas partidárias que ao trabalho de base cotidiano visando elevar o nível de consciência e organização das massas populares. Isto tem grande relevância para todos os que entendem que a libertação do povo depende fundamentalmente do envolvimento do próprio povo no processo de lutas que tenha por objetivo este fim.
Por sua vez, os que defendem a concretização do citado acordo contra-argumentam que, em razão do risco real de um prolongamento do governo pró-imperialista de caráter neofascista comandado por Bolsonaro, ou de sua continuidade num modelo ancorado pelo ex-juiz lavajatista Sérgio Moro, seria mais do que válida, e até mesmo necessária, a hipótese de partir para um nível de alianças que passe por cima de diferenças ideológicas ou de interesses de classes secundários em momentos como o que estamos vivendo agora.
De minha parte, analisando os mais destacados pontos de vista levantados pelos dois blocos em que a esquerda se vê atualmente dividida e procurando detectar o que há de positivo e de negativo em cada proposição trazida à pauta, tendo a concluir que os dois posicionamentos não são em si contraditórios, e sim complementares.
O que pretendo deixar patente para todos é que desenvolver o trabalho de base para conscientizar e organizar o povo trabalhador não se contrapõe ao entendimento de que a gravidade da situação com a qual nos deparamos nos impõe a necessidade de que deixamos de lado certos sentimentos de puritanismo em relação com outros participantes do cenário político geral.
Como não podemos ficar à espera de que as condições ideais para as transformações revolucionárias se apresentem para só então começar a agir, é dever de todos os revolucionários saber como nadar nas condições reais imperantes no tempo presente.
Feita esta ressalva, gostaria de expressar minha preocupação diante da propagação da ideia de que a chapa ideal deveria ser Lula, presidente, Alckmin, vice. Onde está a base programática nesta mera citação de nomes para os cargos executivos da chapa?
Considero que seria um grande avanço para os setores progressistas se pudéssemos contar com a concordância de Geraldo Alckmin e de outros com trajetórias políticas semelhantes a certas proposições que deveriam estar na base de qualquer programa aceitável com vistas a justificar uma aliança da qual as forças populares venham a participar.
Portanto, cabe-nos indagar: O que pensam Alckmin e seus aliados quanto à proposta de pôr fim a atual política de preços da Petrobrás? Como eles se posicionam quanto à proposta de impedir o avanço do desmonte e entrega das grandes empresa públicas e a disposição de lutar para recuperar tudo o que for possível do que já foi entregue? O que eles dizem a respeito da necessidade de acabar com a política de teto de gastos, a qual inviabiliza qualquer política que vise minorar o sofrimento das massas populares? Qual é o comportamento deles no tocante às reformas no sistema tributário para fazer com que as classes pudentes venham a pagar impostos em conformidade com o nível de seus rendimentos?
Poderíamos continuar elencando vários outros tópicos programáticos para elucidar o que estaria sendo acordado no processo de aliança que está em vias de ser negociado. Ou seja, o que de fato deveria estar no topo das preocupações são os pontos com os quais a aliança se justificaria, e não simplesmente quais cargos seriam ocupados por seus principais expoentes.
E por falar em cargos executivos, sou dos que se opõem decididamente a que Geraldo Alckmin apareça como candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Lula. A explicação que justifica esta preocupação me parece mais do que lógica e evidente. Se o cargo de vice-presidente não inclui necessariamente o domínio da política executiva a ser implementada, se o valor do cargo está muito mais ligado a uma perspectiva de uma futura ocupação no caso de vacância pelo titular, se Geraldo Alckmin poderia exercer outros cargos de grande importância como ministro em alguma das pastas chave, então, em vista de tudo isto, por que coloca-lo justamente naquela posição que implica no risco eventual de inviabilização ou completo redirecionamento da linha política com a qual o ocupante titular foi eleito na cabeça da chapa?
A governabilidade da chapa vitoriosa não depende de ter um vice de uma linha política diferente daquela do titular. O que vai garantir a possibilidade de levar a bom termo o processo que se origine da próxima eleição é a participação consciente das várias forças envolvidas, em conformidade com a correlação de forças prevalecente. E a perspectiva de que as forças minoritárias possam vir a ocupar a cabeça do processo não deveria estar presente.
E, queiramos ou não admiti-lo, tendo Alckmin como vice de Lula, a possibilidade de que venhamos a ser vítimas de um novo golpe vai ser ratificada. Ainda que não faça parte das ambições e desejos de Alckmin, nem de seus aliados, ela vai estar hipoteticamente presente. E esta hipotética possibilidade é que servirá como forte fator de instabilidade. Seguramente, as forças antinacionais e antipopulares não vão titubear em fazer uso da mesma. E, convenhamos, não deveríamos permitir que assim seja.
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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