Americanas mostra como se faz um golpe para ‘socializar’ prejuízos

Lehmann, Sucupira e Teles, da 3G Capital, saíram das Americanas antes de estourar a bomba armada por eles nos últimos anos, no colo dos investidores

Por Tiago Pereira, da RBA.

São Paulo – Depois do fracasso da investida golpista dos bolsonaristas em 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes, os maiores bilionários do país mostram como é que se faz. Jorge Paulo Lehmann, Beto Sucupira e Marcel Telles, da 3G Capital, são apontados como cabeças do golpe contábil de R$ 40 bilhões no balanço das Americanas, que eles pretendem terceirizar. Ou melhor, já terceirizaram. Mas não sem desencadear uma luta intestina na “cobertura” do andar de cima do capitalismo brasileiro.

Os terroristas que quebraram tudo em Brasília estavam tomados pelo medo delirante de uma suposta ameaça comunista. Mais comportados, de terno e gravata, os bolsonaristas da Faria Lima preparavam seus próprios “atos antidemocráticos”, conforme nominou o economista André Roncaglia, em sua coluna na Folha de S.Paulo. Com as armas virtuais de sempre, pressionam o novo governo Lula a aderir à agenda da austeridade fiscal, que corrói as contas do país desde 2015 e abriu caminho para o golpe de 2016.

Leia mais: Flávio Dino aponta os vetores da tentativa golpista. 

No entanto, são os capitalistas da Americanas que prometem “socializar” suas perdas. Os alvos são os 150 mil acionistas da companhia, que terão de engolir as “inconsistências” no balanço da gigante do varejo. Talvez uma garrafa de Caracu ajude na digestão – ou qualquer uma das 34 marcas de cerveja da Ambev, controlada também pela 3G.

Mas nesse conjunto de acionistas, há uma gama de investidores. Desde o que toma Brahma, passando pelo que vai de Corona Extra ou Hoegaarden, até o que prefere o champanhe e não mistura cerveja com negócios. São grandes investidores representados pelo banco BTG Pactual, por exemplo, que não parecem dispostos a engolir o cardápio servido pelo executivo Sergio Rial – escolhido para presidir a Americanas pelo tempo de anunciar o golpe e ir embora.

Golpe de manual

Na “Etapa 37” (ou capítulo) do livro Dobre Seus Lucros – saudado pela revista Exame como “o livro de cabeceira de Marcel Teles” – o autor Bob Fifer explica um “método fácil” para favorecer o balanço da sua empresa: basta “atrasar os pagamentos”. “Passe a pagar suas contas em 45 dias, depois em 60 dias, depois em três ou seis meses, no caso dos fornecedores mais tolerantes.”

É mais ou menos isso que os controladores da 3G estão propondo. Os “fornecedores”, no caso, são os investidores. E não há prazo para receber os dividendos que esperavam de uma empresa que até a semana passada valia uma fortuna.

Rial anunciou o rombo na última quarta-feira (10) e deixou o comando no dia seguinte, nove dias depois de assumir. Foi o tempo que levou para perceber o buraco de R$ 20 bilhões. De acordo com o então presidente, as “inconsistências” no balanço da empresa se arrastam por quase uma década.

Curiosamente, em novembro do 2021, a 3G decidiu abrir mão do controle societário da Americanas. Durante a fusão entre a rede de lojas físicas e as operações de e-commerce, os sócios da 3G trocaram 60,8% das ações ordinárias (com direito a voto) da Lojas Americanas por 29,2% das ações preferenciais (sem direito a voto) da Americanas S.A..

Lehmann, Sucupira e Teles deixaram o comando da empresa e, desde então, a 3G foi se desfazendo de ações. Rial foi anunciado como presidente em agosto de 2022, mas só assumiu na virada do ano. Conforme aponta o jornal Metrópoles, “entre o dia em que Rial foi anunciado como novo CEO e outubro de 2022, véspera das eleições presidenciais, as ações dispararam 61%”. Bom momento para os diretores da Americanas venderem R$ 223 milhões em ações.

Maior escândalo da história

No GGN, Luis Nassif foi taxativo: “É o maior escândalo da história do moderno mercado de capitais brasileiro”. Ele detalha a estratégia do golpe das Americanas, que horas antes de anunciar o rombo, resgatou R$ 800 milhões em investimentos no BTG. Além disso, obteve liminar na Justiça do Rio obrigando o banco a devolver R$ 1,2 bilhão que já havia recuperado. O BTG recorreu da decisão, mas perdeu.

“Em 2005, o administrador da Ambev, Luiz Felipe Pedreira Dutra Leite, autorizou a transferência indevida de ações ordinárias, divulgando informações incorretas ao mercado, desvirtuando o plano de opção de compras pela Ambev, permitindo aos controladores aumentar sua participação em prejuízo dos minoritários”, relata Nassif. Já em escândalo envolvendo a aquisição da Kraft Heinz, a 3G teve que fazer um reajuste de US$ 15,4 bilhões em seu balanço.

No último sábado, o BTG acionou novamente a Justiça do Rio contra a liminar que protegeu a Americanas dos seus credores. A desembargadora Leila Santos Lopes, da 15ª Câmara Cível do TJRJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), rejeitou o recurso.

No processo, o banco chama a rombo bilionário descoberto na Americanas de “maior fraude corporativa na história do país”. “O caso em questão é a triste epítome de um país. Os três homens mais ricos do Brasil (com patrimônio avaliado em R$ 180 bilhões), ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial ‘do bem’, são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio”, diz o documento.

Perdas e ganhos

Nesta terça-feira, as ações das Americanas fecharam cotadas a R$ 1,94 – valiam pouco mais de R$ 32 quando Lehmann, Sucupira e Teles venderam parte milionária de seu quinhão. Mas, para além das perdas aos investidores, Nassif lembra um fato “mais grave” que a luta entre BTG e 3G esconde: “A prioridade absoluta deverá ser a manutenção do emprego, os direitos trabalhistas. Para tanto, será fundamental a mudança na gestão, a abertura de ações contra os controladores”.

Nesse sentido, pelas redes sociais, internautas perdem a razão mas não a piada, e sugerem que o governo Lula estatize a Americanas, que passariam a se chamar Lojas Venezuelanas, só para provocar bolsonaristas e liberais, que não viram o golpe de R$ 40 bilhões.

Por fim, cabe lembrar que renomadas empresas de consultoria, como a PwC, aprovaram os balanços dos últimos anos das Americanas. A mesma PwC deu aval para a privatização da Eletrobras. O processo, concluído pelo governo Bolsonaro em julho do ano passado, resultou em perdas para os cofres públicos de pelo menos R$ 63 bilhões, de acordo com relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Agora, o maior acionista da ex-estatal é o grupo 3G, de Lehmann, Sucupira e Teles.

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