América Latina precisa de unidade para enfrentar o governo Trump. Entrevista com Silvina Romano.

Devemos pressionar para alcançar aqueles acordos mínimos que nos permitam maior peso específico em qualquer tipo de negociação

Foto: Donald Trump e o novo Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, anticastrista nascido em Cuba. Foto: Evan Vucci/AP

O jornalista e apresentador do Portal Desacato, Raul Fitipaldi, entrevistou Silvina Romano*, membra do Conselho Executivo do CELAG (Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica) e que coordena a Unidade de Análise dos Estados Unidos e América Latina.

A seguir, reproduzimos, em texto, o diálogo entre ambos sobre a atual conjuntura nas relações, Estados Unidos – América Latina, a partir das ameaças e das medidas já tomadas pela nova administração de Donald Trump.

Produção: Tali Feld Gleiser

A Política anti-imigrante é uma aberração em si mesma

R.F. – O que pretende Donald Trump com as deportações em massa e por que é uma das primeiras medidas da sua nova administração?

S.R. – Quanto às deportações em massa, bem, penso que no caso de Trump temos que ter muito cuidado para ver que decisão é tomada, como é aplicada e quanto há de espetáculo nisso. Não estou dizendo que não exista uma política dura em matéria de migração, isso é mais do que evidente. Fez parte da campanha e procura demonstrar com estas deportações que estão fazendo o que disseram na campanha, mas parece-me que deve ser comparado com o nível de deportações nos últimos anos, que tem sido elevado.

Ainda durante o governo Obama, tivemos uma política de deportação importante. O governo Biden no ano 2022-2023 também promoveu a deportação, e o que aconteceu é que não houve foco ali e não fez parte da propaganda política, pelo contrário. Os democratas com uma política migratória muito mais inclinada à negociação tentaram manter esta discrição, mas o orçamento aumentou muito durante o governo Biden para organizações dedicadas ao controlo de fronteiras, imigração, etc.

Portanto, penso que deve ser considerado algo extremamente preocupante, porque é uma aberração em si, a política anti-imigração, não só nos Estados Unidos, mas na União Europeia, seja ela qual for. Mas temos que ficar de olho nas continuidades e descontinuidades entre Democratas e Republicanos. Porque muitas vezes, tanto na política interna, isso tem a ver com Segurança Interna. E tudo que tem a ver com Segurança Nacional, apesar dos discursos, das histórias, é como se houvesse uma política médio-longo prazo, que é o que caracteriza os países que são potências.

Então, aí novamente não significa não denunciar esses maus-tratos e a aberração em relação aos direitos humanos, aos direitos dos cidadãos. Não é isso, mas o assunto é como ver estes dois níveis.

Neste momento América Latina está fragmentada

R.F. – A atitude dos países latino-americanos tem sido a mesma em relação a Washington?

S.R. – As reeações ao governo Trump são vistas principalmente nas redes sociais. E isso está balançando a opinião pública. Não é dizer, bom, qual foi a reação do Governo Lula? A reação do Governo Petro? Qual foi a reação no México? Mas além disso: o que se pode esperar diante de um governo que presume, ou seja, diz de si mesmo, que não vai negociar. Em outras palavras, que afirma que vai impor uma política tarifária feroz contra, por exemplo, produtos provenientes do México. Que vai ser feroz com relação aos imigrantes indocumentados no seu país e que serão deportados, etc.

O que se espera é uma resposta conjunta. Ia ter uma reunião da CELAC para, entre outras questões, rever isto e no final não aconteceu. E bem, esta fragmentação mostra muita coisa. Isso nos custa muito, certo? Por que não conseguimos nos unir; não conseguimos nos unir para tomar decisões que tenham um peso específico e importante. e que possam gerar algum tipo de maior capacidade de negociação diante de um governo como este.

E assim é frente a qualquer organização internacional em geral, mas acima de tudo  numa situação como a atual. É urgente conseguir isso, é urgente dizer que a estratégia do Governo Trump negocia 1×1. Porque Trump desconhece as organizações internacioinais. O que ele acha das organizações inter-regionais como a OEA, por exemplo? Por que para Trump as instituições internacionais ou a relações institucionais são inúteis? Pensemos como ele está levantando a questão da própria OTAN. Então, ele trabalha 1 a 1, ele trabalha com relações pessoais em nível bilateral, colocando alguns personagens como esse Claver-Carone (Mauricio Claver-Carone, enviado especial para América Latina do governo Trump). O que conhece da América Latina?

Quando muito, está mais perto de tudo o que acontece no Caribe, da América Central. Na verdade a primeira turnê de Claver-Carone será pela América Central . Vão procurar negociações bilaterais e bom, a única coisa que pode servir de contrapeso é um acordo entre vários países que são, por exemplo, afetados pela questão da migração. É aí que está o desafio.

A política do garrote contra América Latina e Caribe

R.F. – Trump pratica uma política de ameaças, chantagem e extorsão através de deportações?

S.R – Sim, claro, esta é a política. Vocês viram que no discurso inicial ele fez referência a Jaroslav Trybuchowicz (1923-2006, erudito americano, especializado em História do Cristianismo e Teologia Cristã), que este não era o Governo do início do século XX que, digamos, promovia uma política de garrote na América e no Caribe; especialmente contra os países do Caribe. Isso foi chamado de corolário por Roosevelt refiriendo-se à Doutrina Monroe. Imagine se ele não iria se lembrar da Doutrina Monroe, claro. ‘América para os americanos‘, goste você ou não, qualquer situação em que os países caribenhos significassem algum tipo de ameaça, a segurança americana ou mesmo aos cidadãos americanos nesses territórios, seria respondida pela força com o uso da força pelos EUA. E bom, ele vem com essa história, né? Esse governo diz que não é essa época mas vem com essa história. Sem dúvida existe uma decisão por parte do Governo de revalorizar o que se faz na América.

Eles viram que a América é boa agora, o made in America, o made in America em termos económicos, que é o que mais importa hoje nos Estados Unidos, em qualquer lugar. Trump fez um bom trabalho.  E ele vai procurar qualquer situação política e diplomática, digamos, que o favoreça para conseguir. Fortalecer a economia americana, certo? Seja por trás das exportações ou por alguma outra crise, sempre ameaça a questão das tarifas. E busca esse benefício. Reforçar a política protecionista, que segundo ele e sua equipe, salvaria ou, digamos, recolocaria a economia dos EUA em um lugar de maior destaque e menos hostilizada pela China, por exemplo.

América Latina precisa de acordos mínimos para ter peso específico para negociar

R.F. – Que significado tem a suspensão da reunião da CELAC? A unidade regional tornou-se muito difícil?

S.R. – A dificuldade que tem existido nos últimos anos em conseguir qualquer tipo de acordo, e qualquer unidade, é mais visível do que nunca em nível regional. Devemos pressionar para alcançar aqueles acordos mínimos que nos permitam maior peso específico em qualquer tipo de negociação. Bilateralmente, como quer Trump, é muito mais fácil para eles nos forçarem. Ou seja, este tipo de governo obriga-nos a ceder cada vez mais para impor seus interesses, os seus objetivos. Então tem aí um desafio forte pela frente.

Há uma verdade muito dura, que é que já se passaram anos desde que conseguimos restaurar a força de uma sociedade. O que aconteceu com a Unasul, às próprias organizações regionais como o Mercosul, etc.? Elas estão perdendo peso específico em relação a isso, às vezes, cada um por si. E esse negócio único que Trump faz agora com Bukele para mandá-lo usar El Salvador… Como país terceiro, isso não é verdade nos acordos de países terceiros você  não é obrigado a receber imigrantes. Para os deportados de diferentes nacionalidades, uma coisa muito, muito complicada. Então bem, teremos que estar atentos e fazer esforços para que esta unidade encontre o seu caminho.

 

*Silvina Romano é doutora em ciência política  e pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Técnicas e Científicas (CONICET), do Instituto de Estudos Latino-Americanos e do Caribe da Universidade de Buenos Aires (IEALC-UBA).
É pós-doutoranda no Centro de Pesquisas sobre a América Latina e o Caribe da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e no Centro de Pesquisas e Estudos sobre Cultura e Sociedade-CONICET.
Doutora em Ciência Política pelo Centro de Estudos Avançados da Universidade Nacional de Córdoba (UNC), Argentina. Graduada em História e pós-graduado em Comunicação Social pela UNC.
Nos últimos anos, pesquisou os seguintes temas: relações entre os Estados Unidos e a América Latina durante a Guerra Fria e hoje; críticas à ajuda ao desenvolvimento; integração, subdesenvolvimento e dependência na América Latina; democracia e segurança nos Estados Unidos. É membro do Conselho Executivo do CELAG e coordena a Unidade de Análise dos Estados Unidos e América Latina.

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