América Latina: 211 conflitos por mineração

Mineracao

Por Luana Luizy.*

Há pelo menos 211 conflitos causados pela mineração na América Latina. É o que Cesar Padilla, do Observatório de Conflitos de Mineração da América Latina – articulação composta por 40 organizações cujo objetivo é defender comunidades afetadas pela mineração -, afirma na entrevista abaixo. Ele participa neste momento do encontro latinoamericano de “Igrejas e Mineração”, que reúne em Brasília mais de 90 pessoas de 13 países de todo o continente. São religiosos, religiosas, leigos e leigas que estão debatendo, desde o dia 2 de dezembro, desafios e enfrentamentos às atividades de mineração e impacto nos territórios e no meio ambiente.

Os participantes do encontro relembraram os mártires mortos em função da mineração e ressaltaram as violações aos direitos humanos e a criminalização dos protestos contra os grandes empreendimentos.

Segundo Padilla, as empresas têm perdido as licenças sociais das obras e a permissão das comunidades. Este rechaço está acontecendo devido a uma consciência nas comunidades de que a mineração é uma atividade nociva com consequências desastrosas para a população. Este grande sentimento de indignação se dá, pois as empresas já não conseguem mais promessas calcadas no progresso que justificaria as atividades de mineração.

Você afirmou que antigamente a mineração era uma das atividades mais rentáveis, mas hoje em dia não mais. Por quê?

César Padilla – Os minerais na terra estão acabando, já não se encontram minas com tantos minerais. O ouro, por exemplo, significa extrair 0.2g por tonelada, a mineração está enfrentando hoje problemas econômicos.

Um dos temas que mais nos chamam atenção é que cada vez há mais oposição das comunidades, as que têm atividade de mineração não a querem mais, e as que não têm, não querem ter. Isso faz com que as empresas desenvolvam estratégias para dizer que a mineração é boa, mas como estamos vivendo no mundo das comunicações, sabemos que, nas comunidades que desenvolveram atividade de mineração, as consequências foram desastrosas. O resultado é que as pessoas não querem mais ter essas experiências. Ainda assim, há comunidades que não têm equipamentos públicos básicos, de saúde e educação, além de enfrentaram falta de postos de trabalho, e que, então, aceitam a mineração. Isso, porém, é cada vez mais raro. O que se chama de licença social, a permissão das comunidades, é algo que as empresas estão perdendo. Está cada vez mais difícil para o empresariado conseguir permissão para atuar nos territórios.

Você crê que as empresas estão perdendo devido à oposição e a consciêcia despertar nas comunidades?

César Padilla– As primeiras ofertas que as empresas fizeram às comunidades foram mentiras que já  nou se sustentam mais. A ampliação do acesso à informação faz com que isso fique mais claro. Temos feito programas de intercâmbio, por exemplo, uma comunidade que quer instalar uma empresa de mineração visita outra comunidade que teve experiência com este tipo de empreendimento.Com exceções especialmente em casos de corrupção, a resposta das comunidades em geral tem sido é: não queremos mineração!

Quais são as enfermidades provocadas pela mineração?

César Padilla – A contaminação da água, por exemplo, implica que a qualidade de consumo dela pela população se deteriore, há muitas experiências com a liberação do arsênico que causa câncer, os metais pesados também, há muita gente contaminada pelo mercúrio que causa problemas neurológicos, renais, cardíacos.

Uma pessoa contaminada com plomo terá filhos contaminados por plomo que não terá as mesmas oportunidades de aprendizado, pois terá problemas neurológicos, Sem contar em outras enfermidades respiratórias. Então mineração é sinônimo de enfermidades.

Canal Ibase – Sem contar nas enfermidades sociais…

César Padilla– As enfermidades sociais são resultado do fato de que a atividade de mineração está calcada na presença de muita gente. Temos exemplos de pequenos povoados com 2, 3 mil habitantes e que chegam até 10 mil para construir a mina. As consequências são delinquência, prostituição, alto consumo de drogas e insegurança. O problema é que quando os trabalhadores vão embora, os problemas sociais continuam. Isso é algo que não está sendo considerado nas atividades de mineração, onde os Estados, nem as empresas dão respostas.

O efeito social de ser um trabalhador de mineração também é algo que não é considerado nos efeitos sociais, a maioria das atividades de mineração por suas características exigem pessoas que trabalham em regimes laborais fora da legislação. Normalmente as empresas negociam regimes especiais de trabalho, então não são oito horas, mas jornadas de 12, às vezes 14 horas, numa quantidade de dias da semana. Há contratos de trabalhadores de 14 dias na mina e 14 de descanso. O que passa quando um pai abandona a família por 21 dias? As famílias se rompem, a coesão familiar termina, as separações, conflitos com filhos, fato que não é contabilizado. O custo que pagam os trabalhadores e as famílias é alto. Conheço trabalhadores que perderam a memória. A expectativa dos trabalhadores é mais baixa.

A corrupção e cooptação. A contaminação social é a perda de valores espirituais, éticos, humanistas. Na mineração tudo se vende e tudo se compra. Se uma empresa de mineração quer conseguir um benefício e se ela não pode obter pelos meios regulares, ela compra isso em todo o mundo. As decisões tomadas por autoridades estão influídas nisto. Vemos leis que são absurdas, mas escritas pelos próprios mineradores.

Há um tratado feito na fronteira entre Chile e Argentina onde há muitos minerais para se permitir mineração nas fronteiras com inversionistas estrangeiros, coisa que antes estava determinantemente proibido. Agora quem fez o texto e o mapa do tratado, assinado tanto em Chile e Argentina? Os consultores de empresas canadenses, se aprovou este tratado tanto em Argentina e Chile, sem que os legisladores tivessem conhecimento do que estava fazendo, isso é corrupção, porque se não o faz se comprar consciência, vontades e autoridades.

Quem são os principais vilões da mineração, são os Estados, as empresas?

César Padilla– É que hoje em dia Estado e empresa não estão suficientemente diferenciados. Existe um fenômeno que chamamos de porta giratória. Isso é uma alusão aos círculos. Então, um ministro hoje em dia é ministro, mas termina o governo e ele passa a ser gerente de uma mineradora ou gerente de uma empresa energética, logo podem passar os anos e ele pode voltar novamente a ser ministro ou uma autoridade política. Então que independência podem ter os governos em relação às indústrias extrativistas, se o tráfico de pessoas vai e volta? É que o extrativismo hoje em dia é quase uma doutrina, ele está instalado como um dogma, única verdade. Empresas, Banco Mundial, Estados, Fundo Monetário Internacional e até Nações Unidas têm incorporado o extrativismo como a única alternativa. O Banco Mundial, por exemplo, tem falado sobre a necessidade de destravar os projetos que estão parados devido à imposição das comunidades. A instituição diz que é preciso fortalecer a economia e avançar nos projetos que estão paralisados. Me responda, falamos de Estado ou das empresas? É tudo parte da mesma coisa.

Quais são os números de conflitos na América Latina e casos mais emblemáticos?

César Padilla: Temos 211 conflitos registrados em toda América Latina e ainda nos falta registrar vários, porque não temos acesso a toda informação. Precisamos ter mais informação do Brasil, Venezuela, Paraguai e outros lugares.

Alguns se destacam pela oposição das comunidades, pelo grau de conflito, como ocorre com o projeto Conga, no Peru. Trata-se de um projeto de ouro de uma empresa que é dona da maior mina de ouro na América Latina, na qual já se sabe os efeitos. Querem fazer mineração lá, mas para isso querem fazer desaparecer três lagoas. O local, para as comunidades de agricultores e camponeses, é uma zona leiteira, então a comunidade não quer, porque precisa dos lagos para sobreviver.

A resposta das empresas é: Vamos tirar as lagoas daí, mas construir outras. As pessoas sabem que não se podem construir os ecossistemas.

No norte da Colômbia, uma empresa de ouro está em conflito com a população. Nesse caso, boa parte da população está contra a mineração. Há alguns lugares em que há conflitos com os povos indígenas, há um convênio das Nações Unidas, da Organização Internacional do Trabalho (OIT a 169) que diz ser preciso consultar os indígenas para dizer se estão de acordo ou não para aceitar a mineração em seus territórios. No entanto, as empresas de mineração buscam uma forma de não consultá-los, e os governos fingem que não veem, negligenciando a obrigação de fazer executar a 169.

Potosí, na Bolívia, Cuzco, no Peru, vivem esses conflitos. Mas onde eu vejo que há maiores conflitos com indígenas é na Guatemala. Nesta zona foram feita s quase 100 consultas com as comunidades indígenas para responder se querem ou não a mineração e 98% disseram não. Mas lá ainda é um local onde se impõem os projetos de mineração e atropelam direitos humanos.

A mineração requer muito território, água e energia, quando uma central hidrelétrica é construída em território para a mineração é uma afetação, quando comunidade perde um rio para alimentar empresas também.

De onde são as principais empresas de mineração no mundo?

César Padilla -A maioria das empresas são canadenses, norte-americanas, japonesas, há europeias e chinesas. E a China é o novo ator dentro da atividade mineral no mundo. Ela tem muitos minerais, mas precisa de mais do que tem e, por isso, está abrindo muitas minas no mundo, na África, por exemplo, ampliando seus projetos na América Latina.

*Para o Canal Ibase,  de Brasília

Fonte: EcoDebate

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