Por Victor Farinelli.
A pandemia do novo coronavírus já produz graves consequências na América do Sul, a começar pelos sistemas de saúde, que começam a entrar em colapso, mas também com respeito à situação socioeconômica.
No Chile, por exemplo, já é possível ver longas e exaustivas filas de trabalhadores buscando acesso ao seguro desemprego oferecido pelo governo. Tanto neste quanto em outros países da região, as cifras de desempregados têm crescido igual ou mais que a de infectados pelo vírus.
Os diferentes governos da região estão reagindo a esta situação, mas cada um seguindo suas linhas ideológicas e diferentes prioridades.
Pode-se tomar como parâmetro de comparação o que vem sendo realizado por países tão diferentes, como o Chile, cujo modelo neoliberal está vigente desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Já o Equador, onde o presidente Lenín Moreno tenta desmantelar o sistema de proteção social que começou a surgir durante o governo do seu ex-aliado Rafael Correa. E, também, a Argentina, onde acontece o contrário: o presidente que recentemente tomou posse, Alberto Fernández, tenta recuperar o poder de ação do Estado depois do desastre deixado pelo governo neoliberal de Mauricio Macri.
Entre esses três países, pode-se ver como a questão ideológica marca a atuação de um governo diante de um cenário tão grave como é uma pandemia.
Equador
O caso mais incomum é o do Equador, cujo governo apresentou um projeto de criação de um Fundo de Ajuda Humanitária aos trabalhadores, o qual será sustentado por uma contribuição de todos os cidadãos que ganhem mais de US$ 500 mensais.
Isso significa que uma grande parte dos assalariados e da classe média terá que contribuir com este projeto. A ideia vai na contramão do que estão fazendo outros países, em que se discute propostas baseadas em fazer com que os mais ricos façam o sacrifício para superar esta crise.
O presidente Lenín Moreno justifica a medida dizendo que o Estado está quase quebrado. Segundo ele, “a pandemia nos golpeou em um momento crítico, (…) sem um centavo nas contas do Estado e com uma dívida histórica de mais de US$ 65 bilhões”.
Atualmente, a taxa de desemprego no Equador ronda os 4,6%, e o seguro anunciado pelo governo pretende ajudar ao menos 550 mil pessoas. O país possui uma população de mais de 17 milhões de habitantes.
Para tornar a medida mais aceitável pela opinião pública, o governo estabeleceu que esses fundos serão administrados por um ente público independente, sem ligação com a sua gestão, o que não impede que este não esteja sujeito ao lobby das grandes empresas.
Chile
Enquanto isso, no Chile, a estratégia do presidente Sebastián Piñera se baseia em três aspectos fundamentais: a proteção de empregos, uma injeção de liquidez a empresas e o apoio à renda familiar. No entanto, essas medidas estão desequilibradas em favor do empresariado, como normalmente opera um governo neoliberal.
Por um lado, os recursos que o governo destinou às milhares de famílias mais vulneráveis serão de cerca de US$ 2 bilhões. Por outro, algumas dezenas de grandes empresas receberão um total de US$ 24 bilhões.
Outra vantagem governamental entregue às empresas é a possibilidade de suspender de forma unilateral o vínculo com os trabalhadores por um período de três meses e deixá-los somente com um seguro-desemprego oferecido pelo Estado, e cujo valor não será muito distante de um salário mínimo.
O economista Alexi Ríos, da Fundação Socialdemocrata, assegura que essas medidas são insuficientes, em um cenário em que o foco da pandemia ainda é o da proteção da saúde das pessoas.
“O processo de transferência de recursos às famílias e aos trabalhadores independentes continua sendo uma situação não abordada adequadamente, considerando que ainda não atingimos o auge da pandemia no país, que, segundo os especialistas, se dará entre os últimos dias de abril e as primeiras semanas de maio”, comenta.
A Central Unitária de Trabalhadores do Chile (CUT) também criticou as medidas do governo para enfrentar a crise, pois considera que elas promovem a demissão massiva de trabalhadores por conveniência das grandes empresas. Em um comunicado, expressaram que essas soluções violam os direitos dos trabalhadores e desequilibram ainda mais o panorama a favor dos empresários.
Argentina
Marcando a diferença em um continente que voltou a ter uma hegemonia dos projetos econômicos neoliberais, o governo de Alberto Fernández, na Argentina, vem se destacando por um cuidado na questão da saúde e, também, no da proteção aos trabalhadores.
Em meados de março, dois dias depois da primeira morte por covid-19 no país, Fernández decretou uma quarentena que vem sendo cumprida de forma rígida e efetiva em todo o território. Nesse sábado (25), o presidente anunciou a extensão do isolamento social preventivo e obrigatório até o dia 10 de maio.
No final de março, quando precisou prorrogar pela primeira vez essa quarentena – que inicialmente foi programada para durar duas semanas, mas que que continua vigente – o presidente enviou uma mensagem aos empresários: “Chegou a hora de vocês ganharem menos, e não se preocupem que não vão perder dinheiro, apenas não ganharão o mesmo que antes”.
O mandatário argentino também decretou que os trabalhadores não estão obrigados a ir aos seus lugares de trabalho, e que isso não afeta o direito de receber remuneração integral. No caso dos trabalhadores independentes e informais, o governo da Argentina criou um auxílio de proteção que contempla uma “renda familiar de emergência”, equivalente a cerca de US$ 150. Também foi criado um teto de preços para produtos de consumo massivo, a partir do congelamento dos valores médios que estavam vigentes no dia 6 de março.
As empresas não deixaram de ser atendidas, especialmente as pequenas e médias, com recursos destinados para garantir a produção, o abastecimento e o pagamento dos salários dos trabalhadores, além de um apoio especial para cooperativas e instituições de investigação que contribuem com o combate à pandemia.
Mas o projeto mais importante do governo, que ainda precisa da aprovação do Congresso, é a criação de um imposto específico para as grandes fortunas, que servirá tanto para financiar todas essas medidas, como para ajudar no pagamento da dívida com o FMI, deixada pelo governo neoliberal de Mauricio Macri.
Em meio às diferentes ações de governos como os da Argentina, Chile e Equador, sem contar a situação do Brasil, que além de crise econômica e de saúde, também vive uma grave crise política, organismos internacionais, como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), vêm mostrando certo pessimismo com o futuro da economia na América Latina e projetam que a região poderia ter, neste 2020, a maior queda do Produto Interno Bruto (PIB) da sua história, com uma contração de mais de 5%.
Edição: Vivian Fernandes