Ameaças feitas por membros de chan brasileiro seguem confundindo a Polícia Federal

Desde o começo de 2019, parlamentares brasileiros têm recebido ameaças de morte de um notório grupo de trolls.

Por Marie Declercq

Na VICE.

Na noite de quarta-feira (12), o deputado federal do PSOL-RJ David Miranda (foto) disse ao SBT que recebeu um e-mail com ameaças contra ele e sua família, citando a morte de Marielle Franco e exigindo o pagamento de dez mil dólares em bitcoins até o fim de junho. A mensagem terminava com a assinatura UR-MV (Unidos do Realengo – Marcelo Valle). Analisando a linguagem e o estilo do e-mail, as ameaças provavelmente foram feitas por membros do Dogolachan, um grupo de criminosos virtuais conhecido por enviar mensagens semelhantes a figuras públicas, jornalistas e qualquer um que fale sobre eles. O líder, Marcelo Valle, foi preso em maio de 2018 após uma operação da Polícia Federal. No entanto, a quadrilha segue cometendo crimes na internet.

Nos trechos divulgados no e-mail recebido pelo parlamentar, o criminoso chama David e seu marido, o editor do Intercept Glenn Greenwald, de “bichas pedófilas desgraçadas” e diz que irá contratar um atirador de elite para “explodir” a cabeça da mãe de David. Por telefone, Miranda contou à VICE que já havia recebido ameaças com as mesmas características e está aguardando há meses ainda a Polícia Federal se manifestar sobre as queixas formais que fez perante ao órgão. “Até agora não tive nenhuma resposta”, afirma.

O Dogolachan não é uma novidade. Seu criador, homenageado no e-mail enviado a David, é um velho conhecido das autoridades policiais e já respondeu por vários processos por crimes de racismo, incitação, pornografia infantil e ameaças feitas na internet. Antes do Dogolachan, Marcelo e seu comparsa Emerson Eduardo Rodrigues Setim eram donos do site Silvio Koerich, um blog que disseminava ódio contra todo tipo de minoria e ensinava homens a estuprarem mulheres.

Em 22 de março de 2012, Marcelo e Emerson foram presos pela Polícia Federal por conta da Operação Intolerância que investigou o blog após milhares de denúncias. Apesar da gravidade das acusações ambos foram liberados em 2013 e, aparentemente, brigaram entre si.

Mesmo após a operação Intolerância, Marcelo seguiu com sua missão de disseminar ódio na internet, criando o chan Dogolachan onde prosseguiu destilando ódio e frustrações. Desde então, o grupo criminoso passou a enviar ameaças a qualquer “inimigo” do chan ou para figuras públicas só para chamarem atenção. Um dos maiores alvos de Marcelo e seu grupo é Lola Aronovich, professora universitária, que passou uma década recebendo ameaças de morte de Marcelo e seus seguidores.

Em 2018, Marcelo finalmente foi preso e condenado a mais de 41 anos de prisão após a Polícia Federal realizar a Operação Bravata, um desdobramento das investigações de 2012. No entanto, a polícia não identificou o restante dos membros do Dogolachan, que continuam até hoje com suas atividades. Após a prisão de Marcelo, o chan mudou para a deep web e foi o primeiro a comemorar o Massacre de Suzano — há suspeitas de que os atiradores procuraram este e outro chan para pedirem dicas.

Com a atenção recebida após o Massacre de Suzano, os membros do Dogolachan continuam a enviar ameaças. No início do ano, Jean Wyllys, também um alvo antigo do grupo, anunciou que iria renunciar do cargo de deputado federal e sair do país. Um dos motivos mencionados por jean foram as constantes mensagens de ódio recebidas pela internet. Na época, o ex-deputado confirmou que vários dos e-mails foram enviados pelo Dogolachan e o Ministério da Justiça afirmou ter identificado um dos responsáveis pela ameaça, ligando Marcelo (na época já preso) ao crime.

Não só figuras públicas da esquerda recebem atenção do grupo. Allan dos Santos, apresentador do canal de Youtube Terça Livre e apoiador convicto do governo Bolsonaro, disse no Twitter em abril que recebeu ameaças de estupro e morte contra sua família. No print divulgado por Santos, da linguagem à assinatura, é possível identificar o estilo do grupo.

Na mesma época de Allan, outro político foi ameaçado pelo grupo. O senador Marcos do Val do Cidadania-ES (antigo PPS), relator do pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça Sergio Moro, disse à imprensa que ele e sua família estavam sendo alvos de ameaças virtuais. Apesar do e-mail conter a mesma assinatura automática em alemão comum nos outros casos de ameaças vindas do Dogolachan, o senador disse que ouviu de membros da Polícia Federal que a mensagem provavelmente foi enviada por membros do PCC.

Em fevereiro deste ano, a deputada Carla Zambelli do PSL também relatou ter recebido e-mails ameaçadores, mas foi rápida em identificar que os autores das ameaças podem ser do Dogolachan.

Após a VICE escrever sobre o Dogolachan diversas vezes, foi também vítima de ameaças de morte em 2018 e em 2019. Há alguns anos, jornalistas brasileiros relataram também terem recebido e-mails parecidos, mas nunca tiveram o apoio das autoridades. Outro caso famoso aconteceu em 2017 quando o escritor Anderson França cancelou sua ida à FLIP após receber um e-mail dizendo que ele seria morto caso comparecesse no evento.

O grupo tem algumas táticas para confundir o destinatário e as autoridades. Muitas vezes, eles assinam com o nome de Emerson (foragido desde 2018 na Espanha), desafeto de Marcelo e piada entre eles, ou usando o próprio nome de Marcelo (como é o caso do e-mail de Miranda) ou utilizando o e-mail identificado como Goec para enviar as ameaças. Referências à Realengo e Suzano também passaram a ser mais comuns em 2019.

Goec, supostamente, é um brasileiro que se diz hacker e se vangloriava no chan sempre que possível de nunca ter sido identificado pela Polícia Federal. Embora existam suspeitas e teorias entre os membros de chan que o Goec tenha saído de cena ou que ele apenas é uma identidade criada pelo grupo para confundir as autoridades. Seu e-mail é bastante usado para enviar as ameaças, como foi no caso de Allan.

Há também histórias em torno desse personagem do Dogolachan de que ele vive na Alemanha e por isso que a polícia nunca o identificará. Por este motivo, os e-mails do grupo costumam terminar com uma despedida automática escrita em alemão. David confirmou à VICE que o e-mail enviado a ele também terminou com uma saudação na mesma língua. Outra característica comum é o uso do servidor Protonmail, um serviço conhecido para enviar e-mails seguros.

Mesmo com a prisão de Marcelo, o Dogolachan não parece ter se intimidado e continua se vangloriando da impunidade e do insucesso da Polícia Federal em conseguir identificá-los. Após a renúncia de Wyllis, o ministro Sergio Moro anunciou que uma investigação seria feita sobre essas ameaças, mas não houve nenhuma novidade desde o anúncio.

O Dogolachan não só tem um apreço em enviar ameaças para chamar a atenção, como também gostam de criar pânico ao publicar mensagens no fórum dizendo que estão preparando novos atentados em universidades federais. São inúmeras ameaças de morte e intimidações promovidas pelo grupo. Considerando a diversidade de alvos escolhidos pelo grupo, crê-se que a única motivação do Dogolachan é criar pânico e medo, além de querer atenção. Hoje, sabendo que o chan está sendo monitorado, grande parte das ameaças são discutidas no privado.

Nunca se falou tanto sobre crimes virtuais após o vazamento da conversa entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. No entanto, uma verdadeira organização criminosa que atua na internet brasileira há quase dez anos permanece agindo quando bem entender. Embora a Polícia Federal seja muito ágil em deflagrar grupos que produzem e compartilham pornografia infantil e já ter feito duas operações que envolvem membros do Dogolachan, não ainda o conhecimento necessário para conseguir finalmente desmontar um dos grupos mais notórios de trolls virtuais.

Foto: divulgação

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