Por Vanessa Nicolav.
Humaitá em chamas! – sobre o atual conflito em curso e a posição do Estado brasileiro.
Neste exato instante, a cidade de Humaitá, no extremo sul do estado do Amazonas, vive um intenso conflito. Como de costume, praticamente toda a informação a respeito desta situação disponível na internet e nos meios de comunicação não dá conta de sua complexidade e tampouco explicita o pano de fundo e as motivações dos fatos que se desenrolam.
Primeiro acompanhe uma breve cronologia dos fatos que levaram à conflagração de um conflito de imensas proporções.
Nos últimos dias os Tenharim foram surpreendidos com a controversa morte de seu cacique Ivan Tenharim. Ele foi encontrado desacordado e ferido próximo à Transamazônica, foi levado ao hospital e não resistiu. As causas de sua morte ainda não foram averiguadas, o que tem gerado profunda indignação entre os indígenas, já acostumados com o descaso do governo brasileiro em relação às suas questões. Após esta fatalidade, uma sucessão de fatos igualmente estranhos levou a um conflito sem precedentes na cidade de Humaitá.
Correm rumores do desaparecimento, desde o dia 16 de Dezembro, de três homens no KM 123 no trecho da BR – Transamazônica, que atravessa a Terra Indígena (TI) Tenharim. Um servidor da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) conversou com as lideranças indígenas, repassando o que estava acontecendo na cidade e as acusações que pesavam contra eles. Nas duas vezes os índios negaram qualquer envolvimento sobre os desaparecidos e ainda disseram que as aldeias estavam abertas para averiguação, buscas e investigação por parte da Polícia Federal (PF) ou do Exercito.
A população saiu às ruas exigindo maior participação da PF para a busca e localização dos desaparecidos que, segundo eles, encontram-se na Terra Índigena dos Tenharins.
Porém, ao invés de um protesto legítimo, o que de fato está ocorrendo é um estado de terror, possivelmente financiado pelos madeireiros, já que, muitas vezes, órgãos como a FUNAI e a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) se colocam como empecilhos aos interesses escusos desses.
Há dois dias servidores da FUNAI e a população de Humaitá pedem apoio e ajuda da PF para conter as ações dos populares, que, sem nenhum impedimento, já atearam fogo em carros, barcos e no prédio da FUNAI e da FUNASA entre os dias 25 e 26 de Dezembro. 11 carros e 2 barcos das FUNAI foram queimados, assim como sua sede, a Casa do Índio e a Casa da Saúde do Índio – todas engolidas pelas chamas e saqueadas sem que a Polícia Militar (PM) impedisse.
Esta ação coloca em risco a vida de diversos moradores da cidade, que residem próximo aos locais incendiados, dos servidores da FUNAI, que neste momento se encontram escondidos em casas de conhecidos, temendo possíveis ataques dos manifestantes e de diversos indígenas da etnia Tenharim.
É importante sabermos que esse conflito oculta interesses econômicos e políticos disfarçados de comoção popular legítima. Não se trata apenas de três pessoas desaparecidas, mas sim de um longo conflito entre uma cultura ocidental, civilizatória e desenvolvimentista, e a existência indígena que, objetivamente, dificulta ou atrasa a realização de interesses do modo de produção capitalista. O agronegócio agradece a cada vez que indígenas se enfraquecem.
Humaitá é uma zona de intensos conflitos com madeireiros, que procuram extrair ilegalmente madeira de áreas protegidas (ou terras indígenas) para comercializá-las. São esses mesmos madeireiros que possuem o poder econômico (e portanto político) na região e, como sabemos, conseguem fazer com que seus interesses sejam levados a cabo. Há indícios de que justamente esses indivíduos estejam se aproveitando da comoção popular para patrocinar o caos, do qual se beneficiam, acirrando o ódio e incendiando os ânimos –assim os manifestantes (que têm sua razão para estar insatisfeitos) são utilizados como massa de manobra para favorecer interesses de uma elite. Afirma-se até que boa parte da gasolina que vem sendo utilizada aos montes esteja sendo paga por eles ou seus representantes, que não concordam, entre outras coisas, com os pedágios das terras indígenas, e se organizam para combatê-los com todo o tipo de recurso.
A PM e a PF, compactuando com esse ódio étnico, vêm sendo claramente negligentes, afirmando até mesmo que não é a primeira vez que os índios “causam” uma situação como essa e que até mesmo merecem a represália que vêm sofrendo. Desde que o cacique Ivan foi morto, há mais de 15 dias, a PF nem mesmo foi até a TI averiguar, simplesmente deixando a coisa acontecer; eles se mexeram apenas quando desapareceram homens brancos. O Estado brasileiro está sendo conivente; índios, cidadãos e servidores da FUNAI estão em perigo e não são tomadas as medidas necessárias para divulgar corretamente o que ocorre e conter a violência que se alastra de maneira completamente irresponsável. Até as 14h30 do dia 26 de Dezembro, não havia aparecido sequer uma viatura da PM para fazer prontidão à porta da FUNAI; dezenas de pessoas mexeram na cena do crime, tiraram fotos e pegaram o que quiseram do local, e após quase um dia inteiro de distúrbios é que a polícia decide comparecer ao local.
Não se trata de defender ou atacar indígenas, mas de denunciar a negligência do Estado e dos meios de comunicação brasileiros, prontos a defender os interesses daqueles que os mantêm: industriais, fazendeiros e a burguesia, passando por cima de populações desfavorecidas e/ou marginalizadas.
Precisamos furar esse bloqueio midiático e pressionar o Estado para que haja rapidamente. Centenas de indígenas estão ameaçados apenas por serem indígenas e muitos deles estão sendo conduzidos ao Batalhão de Infantaria do Exército para que possam ser protegidos. Servidores da FUNAI têm sua vida em risco por serem identificados como protetores dos índios.
Imagem tomada de: racismoambiental.net.br