PlenaMata. Edição: Jaine Fidler Rodrigues
O Amazonas, que historicamente tinha participação discreta no desmatamento, foi o único estado da Amazônia Legal a apresentar aumento da taxa oficial de 2022, com uma alta de 13% em relação ao período anterior, um feito inédito para a série histórica do Prodes, o sistema de monitoramento anual de perda de vegetação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O avanço da fronteira agrícola no sul do estado e de projetos de infraestrutura sobre a floresta, como a repavimentação da BR-319, explicam boa parte dos mais de 2.600 km² devastados no Amazonas entre agosto de 2021 e julho de 2022, período levado em conta para o cálculo da taxa anual de desmatamento.
No estado, foi perdida mais de 22% de toda a devastação na região amazônica brasileira, perdendo somente para o Pará (4.141 km²), que representa quase 36% do desmatamento total na região. Ou seja: juntos, os dois estados representam mais da metade (58%) do que foi perdido de floresta na Amazônia no período contabilizado pelo Prodes em 2022.
Assim, o Amazonas se consolida como o segundo estado com mais desmatamento da floresta, posição que passou a ocupar pela primeira vez no ano passado, no lugar do Mato Grosso. Em 1990, dois anos após o início do monitoramento pelo Prodes, o estado ocupava o sétimo lugar no ranking, com apenas 3,8% da participação nas derrubadas em toda a Amazônia Legal, à frente apenas de Roraima e Amapá. Com o passar dos anos, o estado avançou na posição e, em 2019, esteve acima de Rondônia na terceira colocação.
A gerente de Ciências da WWF-Brasil, Mariana Napolitano, explica que esse novo cenário é um retrato de que a devastação tem se expandido para porções mais internas da floresta.
“A intensificação do desmatamento no sul do Amazonas, especialmente em Apuí, Lábrea e Humaitá, mas subindo também para Novo Aripuanã, se dá principalmente pela proximidade dessa região com duas fronteiras do agronegócio, que são o Acre e Rondônia. Nesses dois estados o estoque de terras está praticamente se esgotando, o que ajuda a explicar a expansão da devastação no Amazonas”, comenta.
Na região citada por Napolitano existe um projeto de fortalecimento do agronegócio, conhecido como Amacro, união das siglas do Amazonas, Acre e Rondônia. A também chamada Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS) Abunã-Madeira reúne 32 municípios desses três estados.
Em toda a Amazônia Legal, foram desmatados, em 2022, mais de 11.568 km², uma área maior que a Jamaica. O índice é o segundo pior dos últimos 14 anos, perdendo apenas para 2021, quando 13.235 km² de florestas foram derrubadas. Em relação à taxa do ano passado, houve uma diminuição de 11% após quatro anos consecutivos de alta.
“Difícil saber o quanto essa redução se deve às ações governamentais. O que fica claro é que se houve alguma, elas não funcionaram no Amazonas. O estado tem sido foco do desmatamento principalmente em florestas públicas não destinadas”, afirmou a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar.
‘A bola da vez’
O geógrafo e diretor da Wildlife Conservation Society (WCS) no Brasil, Carlos Durigan, reforça que as terras públicas do Amazonas são a “bola da vez” dos alvos da expansão das atividades ilegais, como ocupação, desmatamento e queimadas. Ele atribui o crescimento da devastação nessas áreas, entre outros fatores, à ampliação da malha rodoviária na região, em especial a repavimentação da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, rasgando o Amazonas ao meio.
Doze municípios amazonenses estão situados no entorno da estrada, entre eles Lábrea. Juntos, esses territórios tiveram 1.457 km² de florestas derrubados entre agosto de 2021 e julho de 2022, o que equivale a 56% do desmatamento registrado no estado nesse período – se acrescentado Apuí, que não está sob a área de influência da BR, o percentual sobe para 84%.
“Nos dois trechos pavimentados, tanto ao sul quanto ao norte, a gente tem visto o surgimento de várias estradas secundárias que abrem caminho para as invasões ilegais das terras públicas. A perspectiva da finalização da repavimentação nos próximos anos tem aumentado ainda mais a pressão sobre esses territórios. Nós temos de leste a sul da Amazônia o chamado arco do desmatamento, e a BR-319 é a flecha que aponta para o coração da floresta”.
Membro do Observatório da BR-319, Durigan comenta ainda que o que está por trás da devastação na Amazônia é a construção de um modelo econômico baseado na agropecuária em grande escala, que encontrou no Amazonas sua nova fronteira.
“O Amazonas está enfrentando hoje o que viveram em décadas passadas estados como Rondônia, Acre e Pará, que já têm suas áreas de desmatamento consolidadas pela pecuária e pela soja. Sobram, então, as áreas públicas, que deveriam estar, se não conservadas, ao menos sendo recuperadas. Além disso, a falta de governança sobre o território e o abandono de políticas de proteção pelo Governo Federal geram um cenário perfeito para essa expansão”.
Exemplo do que diz Durigan é a cidade de Apuí, localizada no sul do estado. O município nasceu a partir de uma agrovila de assentados sulistas, fundada no início dos anos 80, às margens da BR-230, a Transamazônica. Em meados dos anos 2000, a agricultura familiar e a produção de grãos deram lugar à pecuária como principal atividade econômica no território, hoje considerado um dos epicentros da expansão desse modelo produtivo na Amazônia.
Ao longo dos anos, esse processo estimulou novas ondas migratórias para Apuí, trazendo como consequências a grilagem de terras e o desmatamento descontrolado. Em 2022, o município foi o mais desmatado em toda a Amazônia, com 732 km² de florestas derrubadas detectados pelo Prodes (6% de todo o desmatamento da Amazônia Legal no período).
As altas taxas de desflorestamento em Apuí e em outros municípios ajudaram a colocar o Amazonas no 2º lugar do ranking. Já Lábrea foi o segundo município mais desmatado da Amazônia em 2022, perdendo 700 km² de florestas – junto à Apuí, as duas cidades contabilizam metade do que foi perdido de floresta no estado.