Na urgência do debate, nesta quarta-feira (29), centenas de cidades amanheceram com ações da campanha “Redução Não é a Solução”.
Por Simone Freire.
Seguindo a onda das pautas conservadoras que avançam no Congresso neste ano, a discussão sobre a imputabilidade penal voltou à tona neste mês, após a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. O texto, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, expôs a urgência do debate na sociedade e motivou uma série de ações pelo país.
Entre debates e audiências públicas, nesta quarta-feira (29), diversas coletivos promoveram o “Amanhacer contra a Redução”, como parte da campanha “Redução Não é Solução”. Ao todo, 23 estados acordaram com o colorido das faixas, cartazes, fitas e símbolos em praças e locais públicos contra proposta.
Iniciada no Rio de Janeiro, as ações tomaram o Brasil após a articulação com outros coletivos. “As pessoas estão bem animadas de poder ajudar em uma coisa que elas acreditam. A redução não é eficiente, não é a solução. Tem muita gente que nem participa ativamente de movimentos sociais, não trabalha na ação política diretamente, mas está muito animada de poder dar esta contribuição”, relata a estudante Morena Pérez Ribeiro, que integra a campanha.
Exemplo uruguaio
A mobilização brasileira tenta seguir alguns dos motes da campanha “No a La Baja”, que no Uruguai, conseguiu mudar a opinião pública e impedir a redução da maioridade penal. Em 2011, antes da campanha, cerca de 70% dos uruguaios apoiavam a redução da inimputabilidade penal de 18 para 16 anos. Um plebiscito foi realizado em outubro de 2014, e quando a população foi às urnas, 53% disseram “não” à proposta.
“A campanha que aconteceu no Uruguai foi muito bonita e muito bem sucedida. Ela mostra como é possivel mobilizar um país inteiro”, diz Morena.
Embora os países tenham contextos próprios, os problemas com o sistema prisional e a vulnerabilidade da juventude afetam a realidade tanto dos brasileiros quanto dos uruguaios. Andrés Risso, do ProDerechos, um dos coletivos que encabeçaram a campanha no Uruguai, conta que antes a maior parte dos uruguaios achava que a insegurança era o principal problema do país e que, por isso, a redução era a solução.
Outro ponto em comum levantado por ele foi o papel da mídia na discussão, uma vez que, em horários de pico, mostrava-se muito mais os crimes cometidos por crianças do que por adultos. “Então toda a população identificava toda a violência com a adolescência. Esta conexão era muito forte. Por isso que a proposta tinha muito apoio no começo. Nosso objetivo era acabar com esta conexão porque o assunto era muito mais complexo”, explica.
Responsabilidade e impunidade
Segundo levantamento publicado pela Rede ANDI Brasil, que atua com direitos da criança e do adolescente, apenas 4%, dos mais de 20 milhões de jovens brasileiros, estão em situação de conflito com a lei. Os dados mostram que não se pode fazer uma relação direta entre pobreza e criminalidade.
No entanto, as mesmas pesquisas concluem que a maioria dos que cometeram infrações foram expostos a uma série de falhas institucionais e sociais que, de uma forma ou de outra, os expuseram a situações de violência, seja como vítimas ou autores.
Ao limitar o debate à restrição ou não da liberdade destes jovens, o Estado e a sociedade são retirados de sua responsabilidade, que, segundo o artigo 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é prevenir “a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”. Este é um dos apontamento feitos pela professora e pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Irene Rizzini.
Ela, que também é diretora do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância, aponta que “colocar no ombro deste menino e desta menina o ônus de todas estas falhas nossas enquanto sociedade é absolutamente equivocado”.
“Se vamos falar de punir, vamos falar de punir também os adultos que aliciam, os policiais que batem, os traficantes que levam, ou mesmo os pais que não conseguem dar conta e não conseguem dar apoio. São os adultos no entorno da vida dele, em primeiro lugar – ou que precisam de apoio ou que precisam ser coibidos em atividade ilegais – que impactam sobre o bem estar desta população”, argumenta.
Ao mesmo tempo, para a professora, ser contra a redução não quer dizer ignorar que tais jovens cometeram crimes e que saiam impunes das suas ações. “Se trata de absolutamente recusar que a solução para isso seja a punição como se fossem adultos”, diz.
Novas ações
A complexidade da questão sobre a imputabilidade penal requer toda a atenção e cuidado da sociedade. Para Irene, embora deva-se tomar cuidado para não se limitar entre o “sou à favor” ou o “sou contra”, as mobilizações atuais são importantes, pois conseguiram ocupar maior espaço na mídia e abre um caminho para discutir, por exemplo, melhorias nas políticas públicas para esta faixa etária.
Neste sentido, segundo Morena, as ações da campanha “Redução Não é Solução”, devem continuar para ampliar a discussão com a sociedade e na luta por conquistas.
Da experiência de sucesso no Uruguai, Rizzo, do ProDerechos, acredita em uma aliança cada vez maior no Brasil sobre o tema. “Eu acho que o melhor conselho é expandir o máximo possível este debate. Eu sei que o Parlamento no Brasil agora está muito conservador, mas se a população muda, a pressão é possível. Acho que o Brasil tem a possibilidade de uma rede muito forte em todos os eixos”, afirma.
Fonte: Brasil de Fato