Em cada passo originário Sepé Tiaraju vive…
…com ele marcham nossos sonhos de justiça e
de paz rumo a Terra Sem Males!
Há 260 anos, nessa terra que Ñanderu nos revelou, jorrava o sangue do grande líder e guerreiro Sepé Tiaraju e, de mais 1500 lutadores de nós povos massacrados pelos exércitos de Espanha e Portugal. Em memória desses nossos parentes que lutaram até o fim para defender a terra,nos reunimos no 10º Encontro Sepé Tiaraju, na cidade de São Gabriel (RS), local do massacre, entre os dias 05 a 08 de fevereiro. Estivemos presentes mais de 600 lutadores/as entre lideranças, rezadores, mulheres, homens, jovens e crianças do povo Mbya e Avá no Brasil e Argentina, do povo Kaiowa e Ñandeva do Mato Grosso do Sul e do povo Kaingang.
O Encontro representa a afirmação de que a nossa luta continua, assim como, o sonho de Sepé pela conquista, defesa de uma Terra Sem Males e pelo direito de vivermos em paz seguem vivos e fortes em cada um e cada uma de nós. Somos os guardiões da terra e de nossas tradições, só descansaremos quando tivermos a certeza de que nossos filhos crescerão livres e tranquilos sobre nossas terras tradicionais e ancestrais.
Nesse 10º Encontro, fizemos a memória de como nosso povo foi tratado pelas potências imperiais de Espanha e Portugal. Reavivamos a memória do dia 07 de fevereiro de 1756, quando os exércitos de Portugal e Espanha assassinaram, em uma emboscada, Sepé Tiaraju na Sanga da Bica desta mesma cidade. Três dias depois, assassinaram mais de 1.500 Guarani que defendiam o território dos interesses econômicos e políticos dos invasores europeus. Ao massacrar nosso povo, os não indígenas, consideraram que tinham eliminado nossa resistência, mas hoje sobre estas mesmas terras resistimos e lutamos contra os mesmos projetos coloniais, que em nome do lucro e da cobiça perpetuam o genocídio e destroem nossas terras sagradas.
Como no tempo de Sepé, seguimos enfrentando as armas dos novos exércitos: canetas e papel. São decisões políticas de Governo que beneficiam o latifúndio do agronegócio e, consequentemente afetam diretamente os nossos povos, roubando os nossos territórios, razão de nossa própria existência, fonte de nossa espiritualidade e coração de nosso modo de ser originário. Entendemos que erguer a bandeira de Sepé é também erguer a bandeira de Marçal de Souza Tupã’y, de Augusto Ope da Silva, de Ângelo Kretã, e, de todos aqueles que tombaram em defesa de nossos territórios, da nossa vida e da vida de nossos filhos.
Queremos denunciar o Governo Federal pela paralisação das demarcações das terras indígenas e pela publicação da Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU). Nossos povos sofrem na beira de rodovias, nos fundos das fazendas, nas sombras do latifúndio e de baixo de lonas pretas, sem espaço, sem saúde, sem educação, sem poder plantar, sem poder viver com dignidade em nossas opy, sem poder sentir através de nossos mba’raka, tudo aquilo que nos foi deixado por Tupê, Tupã e Nãnderu. Nossos filhos morrem de frio e de fome nas beiras das estradas, enquanto os parentes Kaiowa sofrem um verdadeiro genocídio, sendo assassinados e caçados pelos agentes do agronegócio em plena luz do dia.
Denunciamos, portanto, o Congresso Nacional brasileiro pelo constante ataque aos nossos direitos. São dezenas de proposições que visam modificar a Constituição Federal de 1988 (CF), para impedir a regularização de nossas terras e aumentar a exploração dos recursos minerais e florestais. Denunciamos principalmente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, por ser a síntese do que desejam a maioria dos deputados – paralisar as demarcações e reduzir as terras já demarcadas – modificando por completo os artigos 231 e 232 da CF.
Denunciamos, também, algumas interpretações equivocadas do Judiciário, que tem deturpado o sentido da Constituição Federal de 1988 ao aplicar o Marco Temporal, não reconhecendo o direito à terra daquelas comunidades que foram violentamente expulsas pelo Estado brasileiro ou pelo latifúndio e, pela tutela do Estado estavam impedidos de estar na posse da terra no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Denunciamos a Fundação Nacional do Índio (Funai) que através de seu presidente, João Pedro Gonçalves, anunciou publicamente que não existe genocídio contra os povos indígenas; que o órgão indigenista funciona bem; e, que não existe nenhuma falta de vontade política para resolver a questão indígena no Brasil. Estas mentiras nos feriram profundamente. Basta olhar para a realidade do Mato Grosso do Sul, em que morre um indígena Guarani e Kaiowa a cada dois dias, bem como a constantes perseguições, ameaças de morte e atentado contra as lideranças Kaingang nas retomadas de terras no RS, e ao fato de que nossas terras estão com seus procedimentos de demarcação paralisados ou com os grupos de trabalho de identificação suspensos. Para atender o agronegócio, os quais estão investindo para que a Comissão Parlamentar de Inquérito investigue a Funai, está sendo reavivado o velho conceito do “direito de conquista colonial”, de que nosso povo não tem direito à terra tradicional.
Afirmamos que junto com a terra, e não separado dela, é necessário que o Estado garanta também políticas de educação, saúde e atividades produtivas que estejam de acordo com nossos direitos. É inadmissível que o governo destine bilhões de reais ao agronegócio e nenhum centavo para a agricultura indígena, assim como, é inadmissível que o governo não desenvolva a política de saúde e privatize o atendimento através do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI). Queremos a melhoria da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e autonomia dos DSEIs. Na educação escolar, necessitamos de envolvimento e seriedade do Estado para garantir a qualidade de ensino, mas, sobretudo com currículos diferenciados que respeitem e reconheçam a nossa cultura.
Exigimos que a Presidência da República, o Ministério da Justiça, a FUNAI e a SESAI estabeleçam e executem uma política indigenista de acordo com os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 e, com os Tratados e Convenções Internacionais (como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho artigos 13 e 15) sobre as questões indígenas, garantindo de uma vez por todas o respeito aos nossos direitos e territórios sagrados.
Exigimos que recomecem de maneira imediata as atividades dos Grupos de Trabalho de Identificação e Delimitação das Terras que se encontram politicamente paralisados no interior da FUNAI e que os procedimentos de regularização fundiária, tais como Portarias Declaratórias, homologações e desintrusões sejam igualmente reestabelecidos.
Exigimos respeito ao meio ambiente e à mãe terra. Que sejam respeitas as florestas, os rios, os lagos e todos os seres vivos porque eles merecem viver. Assim como, que sejam paralisadas as grandes obras que afetam negativamente nossas comunidades.
As comunidades da Nação Guarani presentes na Argentina, se manifestam no mesmo sentido, relatando graves violações de seus direitos e de sua cultura. Dentre os principais entraves, foram mencionados a necessidade da continuação das demarcações de territórios (Lei 26.160 e suas ampliações); o cancelamento de todas as obras das mega represas, dos empreendimentos de mineração extrativa e de exploração petrolífera nos territórios indígenas; assim como, o respeito e uso dos conhecimentos tradicionais sobre saúde.
Afirmamos, neste 10º Encontro, o compromisso de luta em memória dos que se foram e por aqueles que virão. Cada passo dado para dentro de nossos territórios tradicionais, para além das fronteiras nacionais, é um passo a mais rumo a Terra Sem Mal, juntos ao pé do fogo, no som dos nossos cantos sagrados, nas danças, a vida segue circulando.
Unimos nossas rezas e nossas organizações e afirmamos que a luta de um povo é a luta de todos os povos.
Viva Sepé! Viva a todos e todas lutadores da terra!
Terra de Sepé, terra Guarani. São Gabriel, 08 de Fevereiro de 2016.
Fotos: Jacson Santana.
Fonte: Cimi Sul