Aliando cultura e política, “brega protesto” levanta problemas sociais das periferias

Ritmo que vem crescendo no país tem sido uma ferramenta para jovens refletirem e lutarem pelos seus direitos

Por Daniel Lamir e Vanessa Gonzaga

Ritmo está no topo das plataformas de streaming no Brasil / Inês Campleo/MZ Conteúdo

Febre nas comunidades e nas redes sociais, o passinho e o brega funk vem crescendo como uma expressão autenticamente feita pela juventude das periferias de Pernambuco. O ritmo é um dos que mais cresce no país, como explica Felipe Fonseca, produtor de conteúdo da página Brega Bregoso. “O bregafunk está se tornando junto com passinho o movimento musical que mais cresce no Brasil. A gente está no topo das plataformas de streaming e a gente espera que isso perdure, porque as pessoas estão despertando agora para esse movimento e ele vem ganhando validade por estar há tanto tempo em ascensão” explica.

Além de estar entre as listas de “mais ouvidas” na internet, o movimento cultural do bregafunk também vem misturando cultura, política e comunicação com o brega protesto. Aliar o ritmo e as coreografias com letras que retratam as violações de direitos de quem vive nas periferias foi uma das maneiras encontrada para se conectar aos jovens usada pelo Grupo AdoleScER, que desde os anos 2000 atua em quatro comunidades do Recife: Caranguejo Tabaiares, Ilha Santa Terezinha, Roda de Fogo e Santa Luzia. A proposta do grupo é desenvolver ações de redução da violência prioritariamente com crianças e adolescentes, estimulando o protagonismo e a intervenção nos problemas que afetam cada comunidade.

Um dos casos de sucesso foi em Caranguejo Tabaiares. A comunidade existe há mais de um século e em julho deste ano o Decreto Municipal nº 32.680 retiraria as famílias do local para uma obra de revitalização do Canal do Prado. Com embasamento jurídico e mobilização dos moradores, diversas ações foram desenvolvidas para dar visibilidade ao caso e manter os moradores no local. Uma delas foi o brega protesto “Sem Destruição”, cantado e com videoclipe produzido pelos adolescentes da comunidade, para explicar o despejo e convocar as famílias a se organizar para se manter no local.

Daniela Araújo, que faz parte do grupo AdoleScER, explica de onde surgiu a iniciativa “A partir do Fórum Comunitário que existe através do AdoleScER em Caranguejo Tabaiares os jovens mobilizam outros atores sociais na perspectiva de reivindicação de direitos. Os jovens refletem quais os problemas sociais dali e aí mostram para a sociedade que eles tem seu jeito de lutar e foi aí que surgiu o brega protesto”. A mobilização teve sucesso. No dia 18 de outubro, a revogação do decreto de despejo foi comunicada pelo Diário Oficial do município e as mais de 70 famílias continuarão no local.

As temáticas para letras são diversas. Há letras abordando problemas como o preconceito e a violência policial, a exemplo do brega protesto “Respeita a Favela”, construído na comunidade de Maranguape e que é um problema generalizado segundo Igor Luan, morador de Caranguejo Tabaiares “Nas comunidades, isso está se expandindo, porque quem deveria nos proteger não está protegendo. Para além das outras violações, o nosso direito a segurança está sendo violado. A violência policial vem ferindo não só as pessoas, mas também o nosso direito”.

Se tratando de um ritmo nascido na periferia e quem tem furado o cerco e alcançado outros âmbitos físicos e virtuais, o movimento do bregafunk vem sofrendo com o racismo e a gentrificação. Além da comunidades, um dos locais que é ponto de encontro dos jovens que cantam e dançam no Recife é o Marco Zero. A ocupação do espaço vem incomodando “Se o passinho fosse promovido pela elite, não teria tanto preconceito. Se não veio delas, elas não gostam. É algo de nós para nós [da comunidade] e que está crescendo no país. Isso incomoda a elite. A polícia sabe que quem está lá são as pessoas da periferia e sabem que a elite não vai gostar de chegar naquele lugar e nos ver lá. As pessoas estão sendo retiradas do Marco Zero porque isso incomoda”, explica Jennifer Rayza, moradora de Caranguejo Tabaiares.

CENSURA

A deputada estadual Clarissa Tércio (PSC) protocolou na Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) um projeto de Lei que proíbe dança ou qualquer manifestação cultural ligada ao passinho nas escolas de todo o estado. Para a parlamentar, a proibição é necessária porque “o ambiente de aprendizagem precisa ser respeitado”. O projeto vem causando polêmica, já que grupos de dança e artistas do ritmo se posicionaram contra o PL, como a dupla Shevchenko e Elloco, que lançaram em resposta a música “Passinho não é crime”, reafirmando a importância do ritmo para a cultura das periferias. Enquanto isso, o projeto tramita nas comissões da ALEPE e ainda não tem data para ser votado.

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