As bombas de fragmentação espalham a morte e a mutilação onde são lançadas e podem permanecer anos escondidas no solo até explodir. Brasil é um dos produtores desse tipo de armamento e se recusa a proibir sua fabricação.
“Até quando a balança comercial brasileira vai se sobrepor à política humanitária e lucrar com a vida de pessoas?”, pergunta Gustavo Oliveira Vieira, coordenador da Campanha Brasileira Contra Minas Terrestres e Bombas Cluster. A pergunta faz referência ao fato de o Brasil, apesar da pressão de ativistas, não ter assinado a Convenção de Oslo para Erradicação de Bombas Cluster.
Na opinião dele e de outros ativistas, o Brasil deu um passo à frente quando ratificou o Tratado de Erradicação das Minas Terrestres, mas deu dois passos para trás quando ignorou outro tratado, que pede o fim da produção e exportação de munições do tipo cluster.
A ONU instituiu o dia 4 de abril como Dia Internacional de Alerta às Minas Terrestres e Assistência à Desminagem.
Minas e bombas cluster
A partir do final da década de 1990, dois tipos de materiais bélicos entraram na mira da ONU e de ONGs internacionais que buscam diminuir o risco de morte de civis em antigos campos de guerra que, aos poucos, passam a receber de volta os refugiados.
Em 1997, a Convenção de Ottawa pediu o fim da produção e comercialização de minas terrestres – materiais projetados para instalação no solo e para explodir pela proximidade ou contato com uma pessoa. O Brasil está entre os 161 países que adotaram o Tratado de Erradicação das Minas.
Em 2008, porém, o governo brasileiro caminhou no sentido contrário. Uma outra convenção foi organizada em Oslo, desta vez com o intuito de pôr fim à produção e comercialização das munições cluster, também chamadas bombas de fragmentação. Essas bombas se dividem quando ainda estão no ar, dando origem a várias minibombas, uma espécie de granada. O Brasil não faz parte da convenção de Oslo.
Oliveira diz que o Brasil está indo contra a tendência da política humanitária global e lembra que esse tipo de bomba causa ainda mais danos que as minas terrestres. “Israel usou esse tipo de bomba no sul do Líbano e, das 4 milhões de submunições lançadas, 1 milhão falhou”, ou seja, ainda está no solo.
Tanto as bombas de fragmentação como as minas terrestres podem ficar enterradas por anos, sem explodir, representando um risco para a população mesmo depois do fim de um conflito. Há milhares de casos relatados de mortes e mutilações causadas por bombas há muito tempo escondidas no solo.
“Necessárias para a defesa do país”
Justificativas não faltam para o Brasil não ter assinado a convenção, que já foi assinada por 111 Estados, dos quais 80 a ratificaram. Entre elas, a que mais frustra especialistas no assunto é a de que as munições podem vir a ser necessárias para a defesa do país.
De acordo com Daniel Mack, coordenador internacional de políticas de controle de armas do Instituto Sou da Paz, esse argumento é obsoleto. “Mesmo se hipoteticamente o Brasil fosse atacado, o uso dessa munição seria extremamente perigoso, pois, se ela falhar, permanece no local onde caiu e pode explodir anos depois, mutilando ou matando pessoas inocentes.”
Para Mack e Oliveira, é difícil acreditar que não haja interesses comerciais na decisão brasileira, já que o Brasil é produtor e exportador desse tipo de armamento.
ONGs nacionais e internacionais batalham para que o Congresso Nacional mude de opinião. Uma tentativa de proibir a produção, utilização e comercialização de bombas de dispersão foi feita em 2009 pelo então deputado federal Fernando Gabeira, mas o projeto foi rejeitado.
A justificativa do relator, deputado Jair Bolsonaro, é de que armas de grande poder de destruição “são vitais para a liberdade e a sobrevivência de um povo e protegem o nosso país de algum aventureiro mais audaz que deseje adentrar nossas fronteiras”.
No início de 2012, o projeto foi reapresentado pelo deputado Rubens Bueno e está agora na fase de audiências públicas.
Destino das munições
As minas terrestres e munições cluster foram desenvolvidas na época da Segunda Guerra Mundial e continuaram a ser usadas durante a Guerra Fria.
De acordo com Mack, as munições cluster são um armamento muito mal visto e com pouco mercado no mundo. A exceção são países onde não há preocupação com direitos humanos e onde o governo poderia usar a munição contra a própria população, como é o caso da Síria.
O Brasil já exportou munições cluster para o Irã, o Iraque e a Arábia Saudita. A última exportação de conhecimento público foi para a Malásia, em 2010. Outra polêmica estourou em 2011, quando a imprensa brasileira teve acesso aos registros antigos do Ministério da Defesa – com base na Lei de Acesso à Informação – e revelou que o Brasil havia exportado, em 2001, quase 6 milhões de dólares em bombas de fragmentação para o governo ditatorial do Zimbábue, país onde opositores ao regime são frequentemente mortos.
Em geral, é difícil obter informações sobre a produção e os valores arrecadados com a venda das bombas de fragmentação no Brasil. De acordo com o Monitor Internacional de Minas Terrestres e Munições Cluster, a única empresa brasileira que produz as bombas de fragmentação declarou em 2010 um lucro entre 60 milhões e 70 milhões de dólares por ano com exportações.