Algumas palavras sobre alianças políticas

Por Jair de Souza.

O golpe institucional contra o presidente legítimo do Paraguai, Fernando Lugo, deveria servir de lição a todos os que nos identificamos com a proposta de construir uma sociedade justa e solidária, a qual, inevitavelmente, teria que apontar rumo ao socialismo.

O primeiro ensinamento que poderíamos extrair é que estar formalmente no comando do governo não significa necessariamente ter o poder real no país. O poder real depende sempre, por mais desagradável que isto possa soar aos ouvidos de muitos, da real correlação de forças existente.

Não deveria ser preciso lembrar a nenhum de nós que a burguesia somente ama e respeita a democracia enquanto esta puder servir a seus interesses. Diante de qualquer situação na qual o seguimento dos preceitos democráticos possa estar levando a uma perda de poder real por parte da burguesia, a mesma não vacilará em abdicar descaradamente de tudo o que se refira à democracia. Para nós, latinoamericanos, os exemplos do Brasil 1964, do Chile 1973, de Honduras 2009 e o recentíssimo caso do Paraguai deveriam servir por si sós para não deixar nenhuma margem de dúvida a este respeito.

Também deveria estar muito claro para todos nós o fato de que as forças populares ainda não dispõem em quase nenhum dos países de nossa América de organização e estruturas suficientemente fortes para dar um combate decisivo pelo poder contra as forças burguesas. E que fazer diante de um panorama tão sombrio? Poderíamos, como muitos fazem, continuar bradando contra o capitalismo, prevendo futuros catastróficos e coisas pelo estilo, ao mesmo tempo em que renunciamos a tomar parte ativa na disputa pelo poder na sociedade. Poderíamos esperar até o dia em que, finalmente, nossas forças venham a ser grandes o bastante para que partamos para a consecução de nosso objetivo tão sonhado. O único ponto negativo neste caso é aquela cruel certeza de que, por esta via, este dia nunca chegará.

Além do mais, pedir ao povo que continue aguentando o sofrimento e a miséria por mais tempo, até que se possa partir para mudanças radicais das estruturas sociais, é algo fácil para quem na verdade não padece desse sofrimento e miséria. Aqueles que não são indiferentes à penúria do povo trabalhador devem preocupar-se seriamente em encontrar maneiras de, pelo menos, suavizá-la, até que seja possível erradicá-la. E é neste ponto que entra a questão das alianças políticas.

Alianças são feitas quando não se têm condições de chegar ao governo (e manter-se nele) tão somente com as forças próprias do campo popular. Com os demais setores do campo popular não se faz aliança, e sim a unidade. É preciso ressaltar que não basta ganhar a eleição, é preciso que haja condições concretas que permitam que o novo governo consiga levar adiante o programa mínimo aprovado junto às outras forças da aliança.

Sendo assim, é de fundamental importância que o bloco representativo dos trabalhadores nesta aliança esteja realmente sob o comando de gente verdadeiramente afinada com os interesses que deveriam representar. Não me parece admissível que, numa aliança dos trabalhadores com setores da burguesia, o comando das forças dos trabalhadores fique nas mãos de defensores do neoliberalismo (do tipo Palocci, Vacarezza e assemelhados). Esta exigência de total coerência com os interesses dos trabalhadores me parece fundamental para que, no decurso do processo, as conquistas populares não deixem de avançar mesmo havendo condições objetivas para que isto se dê. Se a direção do movimento dos trabalhadores estiver em mãos de gente ideologicamente afinada com a burguesia, esta gente tratará de encontrar pretextos para impedir que sejam dados passos concretos que venham a contrariar interesses da burguesia, mesmo que a correlação de forças indique que tais passos poderiam ser dados.

Não deveríamos nos esquecer de que a burguesia, em última instância, apela para o poder militar. Ou seja, a burguesia sempre vê no poder militar uma força à qual recorrer quando os instrumentos de manipulação tradicionais não dão conta do recado. Em outras palavras, tudo se torna mais difícil para o campo popular quando não se têm influência significativa junto às forças militares. No caso da Venezuela, o golpe contra Hugo Chávez não pôde se consolidar, tanto porque houve uma forte reação popular, como porque a maior parte dos militares permaneceram leais ao Presidente. Lembremo-nos de que Hugo Chávez se havia dedicado por décadas a desenvolver seu trabalho político junto a seus companheiros militares e, portanto, contava com amplo apoio no seio das forças armadas. Não fosse esse o caso, os movimentos populares que tinham reagido ao golpe reacionário teriam sido esmagados, por mais sangue que precisasse ser derramado para tal. Agora, cabe perguntar, e no Brasil, qual é a influência que as organizações do campo popular têm junto aos militares brasileiros? Até onde eu sei, os jovens oficiais de nosso país continuam realizando suas cerimônias de formatura com homenagens ao general Garrastazu Médici. Isto me parece bastante significativo.

Ainda em relação com as alianças, relembro o caso da Nicarágua. Lá, as forças da FSLN comandadas por Daniel Ortega não tinham condições de derrotar eleitoralmente sozinhas aos grupos neoliberais pro-imperialistas que tinham assumido o governo do país e entregado seus destinos ao imperialismo estadunidense. A FSLN aceitou fazer alianças com Arnoldo Alemán (o Maluf nicaraguense) e com a arquirreacionária cúpula da Igreja católica (comandada pelo cardeal Ovando y Bravo). Logicamente, foram obrigados a fazer concessões. Embora muitos tenham se horrorizado com isso, a verdade é que as profundas transformações favoráveis ao povo humilde e trabalhador que o governo de Daniel Ortega vem realizando não deixam margem à dúvida quanto ao acerto de sua opção de fazer alianças naquele momento.

O curioso é constatar que os “esquerdistas” nicaraguenses que bradavam contra este posicionamento de Ortega e da FSLN, encontram-se hoje quase todos nas folhas de pagamento das agências do imperialismo estadunidense, como é o caso do MRS – Movimento de Renovação Sandinista -, que recebe fundos diretamente do National Endowment for Democracy (órgão criado pelos EUA para financiar organizações que defendam seus interesses nos países do terceiro mundo). Defender que as organizações políticas dos trabalhadores estejam sob o estrito comando dos verdadeiros representantes dos trabalhadores é algo profundamente digno e desejável, mas acreditar que é preferível deixar o governo nas mãos dos piores exploradores do povo por prurido a fazer alianças com setores burgueses desgarrados do bloco central de sua classe é, na verdade, fazer o jogo dos que desejam que nunca haja mudanças que favoreçam ao povo.

Em lugar de indignar-nos porque Lula deixou-se fotografar ao lado de Paulo Maluf, deveríamos perguntar se chegar ao governo da capital de São Paulo com uma chapa encabeçada por Fernando Haddad e Luísa Erundina, ainda que fazendo concessões ao malufismo, seria para o povo trabalhador melhor, pior ou igual a manter o governo da tucanalhada. Para mim, está bastante claro que Maluf tentará aproveitar-se desta aliança para sair do sufoco em que se encontra no momento. Já o campo popular deveria servir-se desta aliança com Maluf para tentar alcançar e consolidar posições que não têm condições de atingir por si só no momento. Daí a importância de que o comando das forças populares seja composto de gente inteiramente coerente com os interesses dos trabalhadores. Indignar-se por uma foto me parece típico do pseudo-moralismo hipócrita do udenismo.

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