Por Elaine Tavares.
Nós já vivemos um tempo em que liberdade era só uma palavra escrita num muro, sempre às escondidas, porque dizê-la era perder-se. Hoje, em meio a um governo interino, garantido a partir de um golpe parlamentar/judiciário/midiático voltamos aos tempos duros. Expressar-se virou caso de polícia e até partidos políticos estão ameaçados de cassação. Não um partido qualquer, é claro. A guerra da classe dominante contra o PT parece que vai até as últimas consequências.
O pedido de cassação de registro do PT, feito pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, é o exemplo mais acabado do processo de cerceamento das liberdades que estamos vivenciando no Brasil.
E no dia 28 de julho, a PM do Rio de Janeiro cercou a sede do Partido Comunista Brasileiro, sob a alegação de que estava “monitorando” as atividades que ali eram realizadas, a saber, um debate sobre segurança pública. Que palavras para descrever isso?
Assim que o ataque contra os partidos de esquerda vem sendo sistemático desde o golpe. E ainda há quem diga que não houve o malfadado. Tudo isso já foi vivido antes, na década de 60 do século passado, quando os Atos Institucionais dos governos militares foram cortando a voz e a vida de milhares de brasileiros.
Nesses dias de mega festa olímpica também se repetem os atos de censura e cerceamento de liberdade, quando pessoas são impedidas de expressarem seu descontentamento.
Uma olhada rápida no que aconteceu durante a Copa do Mundo, quando a então presidente Dilma foi xingada das formas mais violentas, e já se pode ver a diferença. Naqueles dias, as pessoas – vestidas de verde e amarelo – expressaram todo o seu ódio sem qualquer constrangimento. Por que motivo, os descontentes de agora não poderiam expressar?
A única explicação possível é essa: a liberdade está sendo “monitorada” e só vale para alguns, de preferência os amigos do rei.
É fato que mesmo na democracia liberal burguesa a liberdade também anda enclausurada e é seletiva. Basta ver como o poder age contra os empobrecidos, os negros, as mulheres que lutam, os índios, os trabalhadores que reivindicam. É fato que mesmo durante o governo petista vivenciamos toda a dureza que é ser “de baixo”. Foi assim nos preparativos para a Copa, com comunidades inteiras sendo destruídas, famílias desalojadas, manifestantes reprimidos.
Mas, nos dias que correm o jogo de poder entre os de cima esparrama a violência para outras camadas da sociedade, e assim vai fortalecendo o medo, fechando bocas, eliminando os diferentes. Vai ficando pior.
Não bastasse isso, os que agora assaltam o poder inculcam a violência e o ressentimento permitindo que seus partidários – e apenas eles – expressem livremente atitudes violentas e fascistas. Pessoas são agredidas por serem deste ou daquele partido de esquerda, casas religiosas são destruídas por não se enquadrarem na lógica cristã. Vive-se um jogo de vale-tudo, mas só para os amigos. Aos inimigos, a lei.
A democracia nunca foi o sistema perfeito, ainda que a democracia participativa tenha avançado muito na construção de outro tipo de sociedade. Mas, enquanto não se vivencia outro sistema – no qual todos tenham voz e vez – não temos o direito de retroceder. Já vai longe o tempo em que um homem ou uma mulher vivenciava as mais terríveis torturas por reivindicar um mundo melhor para viver, por dizer uma palavra crítica, por expor as mazelas do poder. Vai longe e não pode voltar.
Essa coisa de democracia e liberdade é sonho, é utopia, mas é também uma construção histórica dos povos em luta. Não vem só pelo desejo ou pela vontade. Tem de ser pavimentada pelo povo em luta. E tem de ser também pensada como comunidade, como nós. Não é só o sentimento individual, é a realidade de um povo inteiro, junto.
É doloroso ver tanta gente que conhecemos e temos no nosso seio de amizade ou família, vibrar com a violência que se abate sobre pessoas que tem outra forma de pensar. Dói, mas não deve nos imobilizar. Há que resistir e lutar. O processo de participação da vida da cidade, do estado e do país só vai vingar se a gente compreender o que se esconde por trás dos cenários montados pela mídia e pelos donos do poder. Desvelar a realidade, conhecer a essência dos fenômenos, compreender como se dão as relações no sistema capitalista, isso ajuda.
Não se trata de relações entre pessoas, mas sim da relação entre o trabalhador e o patrão, o camponês e o distribuidor, entre políticos e povo. Tirar o véu que encobre essa relações, entender os mecanismos de poder que elas contêm é fundamental para que possamos definir os rumos que queremos seguir.
É certo que muita gente que conhecemos vai querer seguir o viés do autoritarismo, do ódio ao diferente, do medo da mudança. Mas, nosso papel é seguir.
Hoje, vimos a polícia abordar, prender e cercear o direito de se expressar nos estádios. Amanhã será dentro dos partidos, dentro das universidades, dentro de casa, nas redes. É isso que faz um governo totalitário. É essa serpente que estamos vendo crescer e se fortalecer. Já foi assim em Honduras e no Paraguai.
Temos escolhas. Ou alimentamos o monstro, ou alimentamos a proposta de uma vida de liberdade. Que vai ser?