Em 2013, segundo estimativas das Nações Unidas, a Índia foi o segundo produtor mais importante de algodão do planeta, com 18% da produção total. A área de cultivo utilizada, 12,2 milhões de hectares, equivale a um quarto do espaço semeado em todo o planeta para sua produção. Mas a produtividade das colheitas hindus é uma das mais baixas hoje. E tem sido assim por pelo menos 20 anos.
Talvez por isso, em algum momento dos anos 90 — e sobretudo a partir de 2003 –, os camponeses de Maharashtra, onde tradicionalmente é produzido o algodão mais suave do mundo, começaram a se suicidar. Oprimidos pelas mudanças climáticas, as secas e escassez de água, atacados pelas pragas e cheios de dívidas, milhares de camponeses optaram por se enforcar em frente às suas casas ou beber pesticida.
Este fenômeno escandalizou o país por um tempo. O governo estabeleceu esquemas de apoio e financiamento, comissões de investigação e até leis a favor dos pequenos produtores de algodão durante a primeira década do século. De acordo com os relatórios do jornalista P. Sainath (reconhecido por suas investigações na área rural), cerca de 54 mil camponeses algodoeiros se suicidaram desde 1997 na Índia — a cifra total de suicídios de camponeses hindus chega a quase 200 mil desde então.
Endividados e sem água
A morte não para. Há algumas semanas um homem decidiu tirar a própria vida na região de Yavmatal, no nordeste de Maharashtra, ao não poder continuar cultivando e vendendo seu algodão. Nesse pequeno distrito, conhecido como o “cinturão da morte”, ocorreram pelo menos 3 mil suicídios documentados, explica Madhav Sarkunde.
De acordo com Sarkunde, professor universitário e ativista social, “o solo de nossa terra já não é negro, não é fértil. A taxa de irrigação é muito baixa. E os bancos emprestam dinheiro aos camponeses para a colheita que, por sua vez, não podem pagá-los com a produção de seus campos”, explica a Opera Mundi. Segundo seus cálculos, entre 15 e 20 camponeses se suicidaram porque as fortes chuvas de julho passado inundaram seus cultivos.
Além disso, durante os últimos 11 anos, a região sofreu uma mudança que afetou para sempre a produção quase artesanal da fibra. A Monsanto chegou à Índia e, desde o começo dos anos 90, ofereceu uma semente de alta produtividade da série Bt (plantas resistentes a insetos e que possuem a inserção de genes isolados a partir da bactéria). Os bancos e as agências estatais apoiaram desde o começo sua semeadura com títulos e empréstimos. Mas alguém esqueceu de mencionar aos camponeses de Maharashtra que é uma semente de irrigação intensiva que precisa, além disso, de pesticidas de fórmula especial (comprados da Monsanto).
Cada vez que as chuvas são escassas, como em 2012, aumenta primeiro o número de pequenos empréstimos e, depois, sem dúvida, os suicídios. Cada vez que a temporada de colheita tem maus resultados, como em 2013, acontece o mesmo. Talvez por isso os camponeses de Maharashtra voltaram a ser notícia.
A culpa é da Monsanto?
Um estudo solicitado pela Corte Superior de Mumbai (capital do Estado) concluiu, em 2005, que as dívidas e a falta de informação sobre sementes e fertilizantes deram origem à crise humanitária. Outro, realizado pelo governo nacional, recomendou melhoras na semente e nos programas de assistência, mas nenhum mencionou diretamente a Monsanto e seu produto.
“Não para por aí. Nossa dependência dos OGM [organismos geneticamente modificados] é hoje enorme. Inclusive para semear os vegetais mais comuns, como o quiabo, temos de usar as sementes vendidas e os agentes químicos”, explica Madhay Sarkunde. O papel da Monsanto nesse drama é, segundo ele, desonesto; seu monopólio de venda de sementes cresceu geometricamente em dez anos.
Mas a Monsanto nega a relação direta entre o algodão e a tecnologia “terminator ” e os suicídios, destacando, por outro lado, que os níveis de produtividade subiram desde que o algodão Bt começou a ser utilizado. É verdade. Mas a corporação e alguns comunicadores que a defendem “esquecem” de mencionar que os preços das sementes aumentaram em quase 1000% desde então, e o aumento por área cultivada tem sido também imenso. Além disso, as áreas de cultivo cresceram para o norte e para o sul.
P. Sainath notou que, ao menos oito milhões de pessoas (camponeses, suas esposas e seus filhos, basicamente) deixaram de cultivar algodão nesse século. Alguns encontraram trabalho como jornaleiros, uma grande maioria migrou para as cidades do centro e do sul da Índia, onde muitos se empregam como operários mal pagos, em fábricas têxteis que transformam o algodão em roupas para diversas companhias internacionais como a Zara.
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Os camponeses que ficam também começaram a encontrar formas para seguir sobrevivendo. Alguns mudam de cultivos ou os diversificam. Outros conseguem produzir e colher algodão com sementes nativas, e assim viajam à noite com suas cargas ao estado de Andhra Pradesh (onde os preços de compra são mais altos). Outros não conseguem sustentar o equilíbrio e seguem morrendo.
É verdade que esses suicídios não acontecem somente com o algodão — a queda do preço da cana anuncia também sua quota de mortes para 2014. Mas, também, é real que nada foi feito para deter esse mortal fenômeno que está encurtando a vida de milhares de famílias.
“Precisamos de água suficiente ou de melhores preços”, conclui Sarkunde. “Também de políticas antimonopólio para o cultivo de algodão ou de soja, assim como programas de atenção social ao fenômeno”. As eleições gerais do próximo ano não prometem nada. “Mas temos de fazer algo por esses homens emocionalmente quebrados que decidem acabar com suas vidas quando já não podem trabalhar para se sustentar”.
Fonte: MST.
Foto: Rodrigo Hernández/Opera Mundi