Alexandre de Moraes e Fernanda Torres: os novos heróis da esquerda brasileira. Por Francisco Fernandes Ladeira.

A grande mídia, em mais um conluio com o judiciário, conseguiu emplacar a narrativa sobre vivermos um período de escalada autoritária no Brasil, representado pela ameaça de golpe bolsonarista. Assim, é construído o falacioso discurso sobre a dicotomia entre “democracia (burguesa)” e “fascismo (bolsonarista)”.

Fotos: Instagram e Isac Nóbrega/PR

Por Francisco Fernandes Ladeira.

Antes de expor os argumentos deste texto, é importante frisar que não farei aqui ataques ou críticas às personalidades de Alexandre de Moraes e Fernanda Torres. Trata-se de analisar suas figuras públicas no atual contexto político brasileiro e, sobretudo, levando em conta as instituições a quem representam: judiciário e grande mídia.

Como explicou Althusser, ambas as instituições citadas acima, em sociedades capitalistas, são aparelhos ideológicos de Estado; estão a serviço dos interesses da classe dominante. Por isso, são responsáveis por difundir e “naturalizar” a ideologia burguesa. Além disso, no Brasil, judiciário e grande mídia tiveram papéis fundamentais na concretização do golpe de 2016, com seus consequentes retrocessos (principalmente para a classe trabalhadora).

Dito isso, é fácil concluir que o título deste artigo soa paradoxal. Como a esquerda pode ter como heróis representantes de seus algozes? Mas, por uma dessas contradições ideológicas, pelo menos em grande parte da esquerda brasileira, é o que temos observado.

Os mais entusiasmados, inclusive, apontam “Xandão” e “Fernandinha” como paladinos da luta anti-imperialista, pois a atriz disse que os Estados Unidos patrocinaram a ditadura no Brasil, em entrevista a um podcast da revista Variety, e o juiz do STF afirmou que “deixamos de ser colônia em 1822”, em meio à tensão com o governo Trump.

No entanto, em análise política, não podemos cometer equívocos de abordagens personalistas. É preciso analisar os fatos, ou seja, algo concreto. Moraes foi secretário de Segurança Pública de São Paulo, em 2015, durante o governo do PSDB (partido orgânico do imperialismo estadunidense no Brasil). Foi nomeado ministro do STF por Temer, logo após o anteriormente citado golpe de 2016, que, ao que tudo indica, teve participação de Washington.

Fernanda Torres, por sua vez, está sob os holofotes por protagonizar “Ainda Estou Aqui”, filme produzido pelo Grupo Globo (outro representante orgânico do imperialismo). Também é importante lembrar que o reconhecimento internacional que o longa tanto buscou está, justamente, nos Estados Unidos, em um de seus maiores mecanismos de soft power: o Óscar. Portanto, nem Moraes, tampouco Fernanda, podem ser associados a qualquer tipo de postura anti-imperialista.

Diante dessa realidade, como podemos entender essa posição vexaminosa da esquerda?

Acredito que em dois pontos: identificar o espantalho do “bolsonarismo” e analisar a falta de agenda própria da esquerda.

Lembrando novamente o golpe de 2016, sabemos que seu principal efeito colateral foi o fortalecimento da extrema-direita, representada, sobretudo, pelo bolsonarismo. No entanto, atualmente, o bolsonarismo se transformou (de maneira involuntária, evidentemente) em “reciclador de golpistas”.

Nesse sentido, a grande mídia, em mais um conluio com o judiciário, conseguiu emplacar a narrativa sobre vivermos um período de escalada autoritária no Brasil, representado pela ameaça de golpe bolsonarista. Assim, é construído o falacioso discurso sobre a dicotomia entre “democracia (burguesa)” e “fascismo (bolsonarista)”.

O Brasil “não vive ameaça de golpe”; nós “tivemos um golpe” há nove anos. E esse golpe não veio do bolsonarismo. Mas das instituições às quais Fernanda Torres e Alexandre de Moraes fazem parte. No entanto, o fato de os bolsonaristas abominarem tanto o filme “Ainda Estou Aqui”, quanto o SFT, leva a esquerda, errônea e automaticamente, a elevarem “Xandão” e “Fernandinha” ao status de heróis progressistas. Estão ajudando a limpar as barras de judiciário e mídia hegemônica; agora vistos como “democráticos”. Golpistas são apenas os bolsonaristas.

Consequentemente, a esquerda, completamente adaptada ao status quo, sem agenda própria, se torna presa fácil do discurso midiático “democracia versus fascismo”; enxerga como seu único inimigo apenas a extrema direita. Os mais entusiasmados (sempre eles!) chegam a dizer que temos “duas direitas”: uma que aceita as regras do jogo e outra autoritária.

Mas, lembrando uma máxima marxista, o fascismo é a carta da burguesia quando sua democracia não dá mais conta de conter a classe trabalhadora e manter os lucros necessários ao grande capital. Portanto, “direita tradicional” e “extrema-direita” são duas faces da mesma moeda; atendem ao “deus mercado”.

Tendo a esquerda a reboque, o Grupo Globo, com “Ainda Estou Aqui”, conseguiu não apenas limpar sua barra de golpista; também tem monopolizado a própria memória sobre a ditadura militar (que ironicamente apoiou). O STF – peça fundamental no processo que culminou no golpe de 2016, começando com a farsa do Mensalão – hoje é visto como o “obstáculo” para implantação do fascismo no Brasil.

Reitero: nada pessoal contra “Xandão” ou “Fernandinha”. Apenas constatações sobre erros crassos dos setores que se dizem progressistas. Para terminar este artigo, vou parafrasear Paulo Freire: “quando a esquerda não tem programa, seu sonho é seguir a agenda do opressor”.

Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.

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