Alexandre Beck, “pai” do Armandinho, conhece o MPA

Por Marcos Antonio Corbari.

O menino de cabelos azuis, cabeça grande e temperamento questionador chamado Armandinho tornou-se conhecido no Brasil inteiro através de tirinhas de quadrinhos, publicadas em jornais e também compartilhadas através de uma fanpage no Facebook que beira um milhão de curtidores. Seu criador, o escritor e ilustrador catarinense Alexandre Beck, acompanhado da esposa, a filósofa Janyne Satler, estiveram na última semana visitando a região Oeste de Santa Catarina e Norte do Rio Grande do Sul, onde participaram de eventos de promoção dos livros do personagem, entrevistas e palestras. Porém, além da agenda oficial, uma atividade paralela foi desenvolvida com atenção especial pelo casal: conhecer as ações do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), em especial as atividades voltadas a agroecologia.

– A experiência que tive aqui, desse envolvimento, a busca desse retorno do ser humano ao encontro da natureza, isso é algo muito importante -, comentou Beck, em frente a uma das agroflorestas implantadas pelos camponeses da base do MPA. “Quando a gente vem visitar um lugar destes nós relembramos que fazemos parte da natureza e temos certeza que temos que repensar muitas coisas, refletir mesmo, procurar manter a cabeça aberta para o sentir, para o entendimento de que todos nós vivemos em um mesmo planetinha e que precisamos cuidar mais dele”, acrescentou.

A proximidade de Armandinho e as pautas do MPA já era evidente pelos temas que Beck propõe nas micronarrativas, como a preservação do meio ambiente, o combate ao preconceito, as questões de gênero e diversidade, a promoção da solidariedade e a projeção de um modelo social de convivência com mais justiça social, porém ainda não havia sido viabilizada a oportunidade de diálogo entre o autor e a militância camponesa. “Apresentamos para Alexandre e Janyne os princípios que norteiam o nosso movimento e o plano camponês, amparados nas soberanias alimentar, energética, territorial, hídrica, genética e do saber, e durante os diálogos percebemos o quanto nossos sonhos de uma sociedade mais justa e igualitária são semelhantes”, comentou Débora Varoli, dirigente que faz parte da coordenação nacional.

Em Seberi, Aexandre e Janyne ficaram hospedados no centro de formação da Cooperbio, cooperativa camponesa formada por famílias que compõem a base do movimento. Ali conheceram experimentos voltados a fomentar a produção do campesinato, como os bioinsumos destinados ao cultivo agroecológico, bem como as iniciativas de certificação participativa que viabilizam a inserção da produção das famílias camponesas em ambientes ampliados de comercialização de produtos orgânicos. Um histórico das ações desenvolvidas a partir deste local foi apresentado aos convidados, bem como os números do projeto “Alimergia”, executado ao longo de quatro anos e recentemente concluído, através de edital do programa Petrobrás Ambiental, que viabilizou entre outros destaques, a implantação de 379 áreas no sistema de agroflorestas que totalizam cerca de 500 hectares recuperados com o plantio de aproximadamente de 400 mil mudas de árvores frutíferas, madeiráveis e melíferas.

Em Cristal do Sul foi organizada uma visita à unidade produtiva da família Prado Martins, com partilha de café da manhã composto por alimentos produzidos pelos próprios camponeses.  O destaque ficou por conta do bate-papo que se estendeu por toda a manhã, enquanto caminhavam pela agrofloresta em formação que é mantida pela família. “Nós queremos que esse pedaço de terra sirva para a coletividade, que as pessoas possam vir aqui compartilhar conhecimento, aprender e ensinar, que possam encontrar boas energias e renovar a força para seguir acreditando que um outro modelo de sociedade é possível de ser construído”, explicou o professor Adilson do Prado Martins, que divide seu tempo entre as aulas de história e filosofia na rede estadual e os trabalhos de produção e manejo da unidade produtiva.

No município de Vicente Dutra, onde o grupo visitou a família Gonçalvez, puderam presenciar o testemunho vivo da atuação do camponês quando se estabelece e promove a intervenção no solo devastado pelos monocultivos promovidos pelo agronegócio, recuperando a biodiversidade e devolvendo a vida com o saber e as técnicas acumulados ao longo de centenas de anos de convívio entre o campesinato e a terra que o acolhe. “Quando viemos para cá nos disseram que íamos passar fome, que nada poderia dar certo porque o solo estava morto pelas queimadas e pela aplicação excessiva de venenos, mas nós fomos trabalhando e recuperando o solo, fomos utilizando as técnicas da agroecologia que o professor Sebastião Pinheiro nos ensinou e aos poucos a vida foi ressurgindo e hoje é isso aí que vocês estão vendo”, comenta Ibanez Gonçalves, camponês de sorriso aberto e orgulho justificado pelo pedaço de chão que hoje verte vida por todos os cantos.

– Resistir é necessário, a gente vive em uma grande máquina em que o combustível são seres humanos e a agente precisa tentar parar isso -, comentou Alexandre, em uma das entrevistas concedidas durante a agenda, para a jornalista Cláudia Weimann. “Precisamos fazer com que essa roda gire para o outro lado, repensar nossos valores, o nosso individualismo, pensar mais no outro, olhar mais para o grupo do que para nós mesmos”, acrescentou. “ Resistir é fundamental. Não existe isenção. O sistema é injusto. Por isso precisamos marcar presença, entender e escolher um lado”, concluiu.

Antes de se despedir, Alexandre e Janyne foram presenteados com símbolos do movimento, bandeira e publicações que relatam o sucesso das experiências desenvolvidas no centro de formação, além de produtos certificados. Em contrapartida, deixaram uma coleção de dez livros do Armandinho autografados para a biblioteca da Cooperbio e uma caixa de exemplares para serem comercializados e viabilizar fomento aos projetos da cooperativa.

– Foi uma honra recebê-los em Seberi, acompanha-los aqui na região, apresentar nossa cooperativa e também uma mostra do que os camponeses que formam a base do MPA estão construindo aqui no RS e pelo Brasil afora -, explicou Débora Varolli, dirigente da coordenação nacional do movimento, que citou o quanto o discurso contestador expresso pelo personagem é apropriado para provocar diálogos, debates e reflexões em meios onde muitas vezes a militância social não consegue entrar. “Contem conosco, estamos juntos e precisamos andar cada vez mais próximos”, afirmou Alexandre ao deixar a sede da Cooperbio para retomar o caminho de volta para Florianópolis.

 

 

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