Por José Ribamar Bessa Freire*.
O ministro do Esporte do Brasil, Aldo Rebelo, concedeu lá na Inglaterra entrevista coletiva aos jornalistas, que queriam saber porque ele havia sido tão deselegante e até agressivo com a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva pela participação dela na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Londres. Presentes os cronistas esportivos especializados em ginástica muacysáua, entre os quais Antônio Salieri, da Áustria; Dâmaso Salcede, de Portugal; Arão e Miriã, de Israel, Otelo e Iago, da Itália. Do Brasil, Zuenir Ventura e as coleguinhas Pitiápo e Dassuen.
Todos eles chegaram à meia-noite na charneca do Condado de Devonshire, no sudoeste da Inglaterra. Seguiram fielmente as orientações de Nelson Rodrigues, que propôs trocar aquela entrevista duvidosa feita habitualmente pela mídia, onde “o sujeito esconde o que pensa ou sente”, pela entrevista imaginária, “a única técnica capaz de arrancar do entrevistado as verdades atrozes que ele não diria ao padre, ao psicanalista, nem ao médium, depois de morto”. Foi admitida a presença apenas de uma testemunha, alguém que “não trai, não faz fofoca, nem comete inconfidências”: um bode velho que substituiu a cabra vadia.
Efetivamente, na entrevista imaginária que concedeu na charneca, Aldo não impostou a voz, não fez posse, não representou, não tentou ocultar a verdade. Olhou seus entrevistadores como se fossem um espelho, sem cinismo, sem ironia, sem autocensura. Nada de ocultar a verdade. Foi aquilo que ele é: o Aldo nu e cru. Respondeu as perguntas com absoluta sinceridade, começando com a formulada pelo repórter italiano que trabalha em Salzburgo, Áustria.
Antonio Salieri (Salzburger Nachrichten) – O mundo inteiro reconhece a importância do trabalho ambiental de Marina Silva, que é a cara do Brasil. Isso foi motivo para alegria e orgulho de todos. Por que, então, tanta agressividade de V. Ex. diante do convite feito à ex-ministra para a abertura das Olimpíadas de Londres?
Aldo – Foi olho gordo mesmo! Mau-olhado! Quando a vi carregando a bandeira com os anéis olímpicos, ao lado do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, escolhida junto com mais sete celebridades, não suportei. Tive febre, meu corpo amoleceu, fiquei irritadiço, deprimido. Deus, se existisse, não daria a uma acreana aquilo que negou a esse pobre alagoano! Fiquei roendo de inveja. Essa é a verdade.
Dâmaso Salcede (A Bola) – Por pura inveja, um personagem de Eça de Queiroz, no romance “Os Maias”, um “moço gordo e bochechudo”, se infiltra na casa das janelas verdes e imita Carlos da Maia, belo, inteligente, nobre e culto, “com uma minuciosidade inquieta”, se veste como ele, faz a barba como ele, querendo ser como ele em tudo e por tudo. O ministro Aldo quer ser a Marina?
Aldo – Veja bem! Alguém já disse que os ataques de inveja são os únicos em que o agressor, se puder, prefere fazer o papel da vítima. Não vou mentir. É claro que eu gostaria de desfilar ao lado do Muhammad Ali e de vários detentores do Prêmio Nobel. Não poder fazê-lo foi como receber um golpe no queixo, um uppercut. Me senti nocauteado pela Marina, que é ex-ministra, não é mais, já foi, já era. Quem devia estar lá, era eu, que sou ministro do Esporte e não ela.
Iago com o fotógrafo Otelo (Gazeta Dello Sport) – Afinal, quem é o Aldo? Jeová se apresentou a Moisés dizendo: “Ego sum qui sum”, eu sou aquilo que sou. Quando Shakespeare escreveu “O Mouro de Veneza”, escolheu a inveja para desenhar o mais perverso e intrigante vilão da literatura, um invejoso, perverso, o próprio demônio, que se auto-define “Eu não sou o que sou”. Aldo Rebelo é aquilo que é ou não é o que é?
Aldo – Sou muitos. Já Marina é o que eu ainda vou ser, mas ainda não sou: ex-ministro. Sou o criador do Dia Nacional do Saci-Pererê, o projeto conhecido como “Halloween é o cacete!”. Sou o criador do Pro-Tapioca que obriga usar farinha de mandioca no pão. Formulei o projeto que proíbe usar palavras estrangeiras. E a dona Marina, que veio lá do Seringal do Bagaço, quem é ela? O que fez? Francamente, não entendo tanta admiração que vocês, a aristocracia e as casas reais da Europa sentem por ela!
Miriã com o fotógrafo Arão (Sporting Life) – A Bíblia ensina que a inveja é uma armadilha do capiroto. Os dois irmãos de Moisés, com o coração cheio de ressentimento, atacam a própria cunhada Zípora. Por isso, Jeová os castigou. Não é mais recomendável, no lugar da inveja, procurar saber qual papel Deus deseja que o ministro Aldo desempenhe em Sua obra?
Aldo – Conversa fiada! Que Deus que nada! Quem convidou Marina para desempenhar esse papel não foi Deus, foi a Rainha da Inglaterra, assessorada pelo canalha do presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), com o apoio do crápula do Ban Ki-Moon. Não podemos determinar quem as casas reais escolhem, fazer o quê? Mas não meta Deus nesse história. Deus é uma ova! Não acredito em Deus, sou materialista.
Zuenir Ventura (O Globo) – O ódio espuma. A preguiça se derrama. A gula engorda A avareza acumula. A luxúria se oferece. O orgulho exulta. Só a inveja se esconde. Por que o senhor tornou público e escancarou o mal secreto, esse sentimento que costuma sempre ser dissimulado por todo mundo.
Aldo – Vocês precisam conscientizar que a inveja é uma função natural da vida, como a respiração, o medo, o prazer, o ciúme. Não é necessariamente algo patológico. Inveja é humano. Eu sou humano. Todo mundo sente ou já sentiu inveja. Numa entrevista imaginária, eu posso ser sincero, assumir que a inveja é a admiração torta sem esperança. Sabe, no fundo, eu gostaria de ser a Marina, de ter o reconhecimento nacional e internacional que ela tem.
Dassuen (Diário do Amazonas) – Aldo já foi vitima da inveja de alguém?
Aldo – Nunca fui invejado. Minto, só uma vez quando estudava no Colégio Agrícola Floriano Peixoto, em Satuba (AL). Fiz um queijo coalho que nem comunista botava defeito e que foi muito elogiado no Festival do Mocotó e na Festa de Nossa Senhora da Guia, padroeira de Satuba. Mas a gente sabe que alguém que fala não inveja quem também fala. Só o mudo inveja quem fala.
Pitiápo (Diário do Amazonas) – Ministro, queremos saber sua opinião sobre uma história que circula no Alto Rio Negro. Quem nos contou foi o amigo Manoel Moura, um índio Tukano, escritor, que faz 60 anos no próximo dia 10 de agosto. Ele lembra que três vagalumes – Cuisi, Uiuári e Oán – foram perseguidos por uma cobra, a Iararacussu, que matou dois deles. O terceiro, Oán, depois de perseguido durante vários dias, já cansado de fugir, parou e negociou com a cobra:
– “Posso te fazer três perguntas?”. A cobra concordou.
– “Por acaso, você come vagalume? Faço parte de tua cadeia alimentar?”
– “Claro que não”.
– “Já te fiz algum mal na vida?”.
– “Nunca”.
– “Então por que queres acabar comigo?”.
– “Por que não suporto de te ver brilhar”.
Ministro, gostaríamos de ouvir seu comentário sobre essa história.
Aldo – A única coisa que tenho a declarar é que a muacysáua é uma tiputy e eu sou mesmo um muacyuéra-puxy. Mas pelo menos digo isso sem usar estrangeirismos, em Nheengatu puro, a primeira língua dos brasileiros.
O bode velho, que assistiu calado toda a entrevista, calado permaneceu.
P.S. Glossário extraído do Dicionário Nheengatu-Português de Stradelli:
muacyuéra-puxy – invejoso (pg.238).
muacysáua – inveja (pg.238)
tiputy – merda (pg.260)
* Diário do Amazonas.