Alain Badiou é um dos principais filósofos do comunismo contemporâneo

Enquanto muitos pensadores e militantes radicais da geração de 1968 se deslocavam para a direita, o filósofo francês Alain Badiou manteve a fidelidade ao projeto comunista revolucionário.

Alain Badiou. Foto: Siren-Com – Eigenes Werk

Por Caitlyn Clark.

Para os militantes de esquerda hoje em dia, é comum assumir a ideia do comunismo com ceticismo ou olhar à Revolução Cultural Chinesa e à Comuna de Paris como fracassos. Para o filósofo francês Alain Badiou, no entanto, o fato desses acontecimentos de revolta revolucionária não terem derrubado completamente o status quo não é motivo para descartá-los – ou, nesse caso, descartar a ideia do comunismo.

Badiou compara o projeto comunista a uma teoria que o matemático Pierre de Fermat propôs pela primeira vez no século XVII. Em 1994, após 300 anos de tentativas fracassadas, o matemático inglês Andrew Wiles finalmente comprovou o “Último Teorema” de Fermat. Para Badiou, o exemplo é instrutivo: a hipótese comunista é verdadeira, ainda que lhe falte ser comprovada. “O fracasso nada mais é do que a história da comprovação da hipótese”, escreve ele, “desde que a hipótese não seja abandonada”.

É esse compromisso vitalício com a filosofia radical que marca Badiou entre os intelectuais de sua geração. Na juventude, entrevistou filósofos como Michel Foucault, Jean Hyppolite e Georges Canguilhem para o programa de TV L’Enseignement philosophique. Hoje, aos 85 anos, Badiou continua a interrogar a relação entre política e filosofia com a sua série de seminários mensais, iniciados em 2021, intitulados “Como viver e pensar em tempos de desorientação absoluta?”

“Isso é importante para Badiou que, seguindo Platão, argumenta que a matemática é o primeiro ponto onde a lógica exige que rompamos com a opinião.”

No entanto, a esquerda tem demorado a se engajar com o pensamento de Badiou, talvez devido às demandas que ele impõe aos leitores. Mas isso é ignorar um filósofo que insiste em reviver a ideia do comunismo contra muitos que preferem que o comunismo seja “condenado à morte”. De fato, Badiou oferece um exemplo do que é viver a própria política no sentido mais radical. Ele pensa e escreve no espírito de Karl Marx, Vladimir Lenin e Mao Zedong, e sua principal contribuição é uma filosofia que defende os princípios fundamentais do marxismo revolucionário com rigor incomparável.

Quem é Alain Badiou?

Badiou cresceu em Marrocos sob a ocupação colonial francesa, uma infância que o deixou profundamente ciente da desigualdade de classe. No documentário de 2018 “Badiou”, ele se lembra de ter notado que as mulheres coloniais brancas ocupavam os cômodos superiores da casa de sua família, enquanto as mulheres árabes que o criaram viviam no andar de baixo e trabalhavam na cozinha.

Um aluno talentoso, quando Badiou tinha 19 anos, ele se matriculou na École Normale Supérieure, onde foi aluno do filósofo marxista Louis Althusser. Na época, Althusser criticou a abordagem de Badiou à filosofia pelo que chamou de “pitagorismo”, ou seja, uma indulgência excessiva à matemática. Os leitores de Badiou, no entanto, concordarão que este é um aviso que ele não deu atenção. Como Badiou refletiu mais tarde, “como tantas vezes acontece com as injunções do mestre quando o discípulo é teimoso, eu simplesmente tornei as coisas piores para mim”.

Após sua graduação, Badiou primeiro tornou-se professor do ensino médio e depois conferencista em Reims, onde participou da revolta estudantil e operária de maio de 1968. Refletindo sobre esse período, Badiou explica que isso “partiu minha vida em duas partes”, formando o ímpeto por trás de grande parte de seu trabalho posterior.

“A lição de 1968 é que existe uma política comum que pode unir estudantes e militantes radicais da classe trabalhadora e atualizar o potencial de resistência conjunta.”

Quando a universidade de Badiou em Reims se juntou à greve geral de 1968, ele marchou ao lado de seus alunos até os portões da fábrica de automóveis Chausson, o maior local de trabalho que aderiu à paralisação. No entanto, nem Badiou nem seus alunos tinham uma ideia clara do que fariam quando eles chegassem. Mais tarde, refletiu sobre a incerteza inicial que caracterizou o encontro entre estudantes radicais e operários fabris:

Aproximamo-nos da fábrica já com barricadas, enfeitada com bandeiras vermelhas, com uma fila de sindicalistas do lado de fora dos portões. Eles olharam para nós com um misto de hostilidade e desconfiança. Alguns jovens trabalhadores vieram até nós, e depois mais e mais deles. Discussões informais começaram. Uma espécie de fusão local estava ocorrendo. Combinamos de nos reunir para organizar reuniões conjuntas na cidade.

Antes desse levante, havia pouco diálogo na França entre a classe trabalhadora e os estudantes, porque os representantes sindicais geralmente atuavam como mediadores entre os dois. Os protestos, no entanto, criaram uma nova possibilidade de comunicação e ação coletiva. Como Badiou relatou, discussões no portão de fábrica como a que ele e seus alunos haviam iniciado “teriam sido completamente improváveis, até mesmo inimagináveis, uma semana antes”.

Como a Comuna de Paris e a Revolução Cultural, esse momento de resistência acabou morrendo. No entanto, Badiou insiste que não devemos considerá-lo um fracasso. A lição de 1968 é que existe uma política comum que pode unir estudantes e militantes radicais da classe trabalhadora e atualizar o potencial de resistência conjunta. Como ele diria, somos “ainda contemporâneos” de 1968 e, de fato, o acontecimento teve tal impacto sobre Badiou que, na década seguinte, entrou em um período de “filosofia zero” e, em vez disso, se dedicou à ação política.

Mais do que se distanciar do mundo acadêmico, Badiou buscou trazer a militância política para ocupá-lo. Assim, ele assumiu um cargo de professor na Paris 8, Universidade Vincennes-Saint-Denis, fundada em maio de 1968 e que contava com vários radicais entre seus funcionários, como o filósofo Gilles Deleuze. Enquanto estava na universidade, Badiou liderou vários protestos heterodoxos destinados a combater ideias que considerava conservadoras ou elitistas.

“Certa vez, eu mesmo liderei uma ‘brigada’”, conta Badiou, “para intervir em seu seminário [de Deleuze]”. Isso não passou despercebido aos alunos de Deleuze, um dos quais mais tarde se lembrou dos pupilos de Badiou “aparecendo com cópias de Nietzsche e fazendo perguntas capciosas para tentar pegar [Deleuze]”. Como alternativa, Badiou invocou o “governo do povo”, pedindo aos alunos que deixassem a aula de Deleuze em favor de um protesto ou reunião política. Nessas ocasiões, Deleuze sinalizava sua renúncia levantando o chapéu – uma bandeira branca de rendição – e colocando-o de volta na cabeça.

Como Badiou explica em sua monografia Deleuze: The Clamor of Being, ele estava preocupado com a importância política da filosofia de Deleuze. Hoje, seus métodos de intervenção mudaram e ele reflete sobre esses protestos juvenis com humor. No entanto, o sentimento de Badiou permanece inalterado: é preciso estar vigilante ao pensar nas implicações políticas de qualquer sistema filosófico levado aos seus limites.

Em nome da verdade

Badiou é um escritor prolífico e, além de muitos tratados filosóficos, publicou peças, romances e traduções. Ele também se manteve engajado em debates políticos ao vivo, publicando comentários sobre a eleição de Donald Trump e o movimento dos Coletes Amarelos, por exemplo. No entanto, a peça central da obra de Badiou é a trilogia Ser e Acontecimento, na qual ele persegue o principal objetivo de sua filosofia: desenvolver uma teoria das verdades.

Como observa Badiou, esse projeto se choca com a moda acadêmica contemporânea, que frequentemente considera desastroso falar com seriedade da “verdade”. Contra isso, Badiou argumenta que existem coisas como verdades – e elas vão contra as duas caracterizações comuns dominantes aos nossos tempos.

Por um lado, é convencional pensar as verdades como relativas, isto é, como verdadeiras apenas em contextos particulares e para certas comunidades, mas não para outras. Por outro, podemos favorecer uma noção de verdade como singular ou legislativa. Essa abordagem sustenta a ideia de que existe apenas uma verdade à qual todos devem se submeter. A primeira, abordagem relativa à verdade, é moeda comum em programas de graduação em estudos sociais ou culturais e é frequentemente associada à esquerda liberal. A última, em contraste, é mais comumente favorecida por aqueles que trabalham nas ciências exatas, ou por certos movimentos religiosos ou políticos que propõem uma verdade espiritual ou uma identidade nacional.

“O que é crucial para Badiou é que aprendamos a pensar de maneiras que não decorrem da situação existente de opressão capitalista.”

Ambas as compreensões da verdade apresentam problemas. Se as verdades são relativas, sacrificamos qualquer ideia de verdade universal e, portanto, somos forçados a negar que estamos unidos por ideias compartilhadas. Consequentemente, não temos nada além de nossas diferenças. Por outro lado, se as verdades são universais, o desafio é dar conta de como elas podem ser verdadeiras para povos e contextos radicalmente diferentes. E devemos fazer isso sem inadvertidamente legitimar estruturas de opressão – como o colonialismo – que historicamente usaram a linguagem da verdade universal para justificar sua violência.

A teoria das verdades de Badiou tenta resolver essa tensão estabelecendo verdades como tanto universalmente aplicáveis quanto particulares à situação local. As verdades emergem em acontecimentos historicamente determinados, ao mesmo tempo em que ressoam verdadeiras em tempos, localizações geográficas e culturas fora do local de seu surgimento.

É importante ressaltar que as verdades moldam e constituem a possibilidade da própria filosofia. Badiou insiste que a filosofia em si não produz verdades, mas deve pensar através das verdades como elas aparecem na arte, na ciência, no amor e na política, que ele chama de quatro “condições”. Aqui encontramos uma característica particularmente valiosa do esquema de Badiou em relação à política. Ao insistir que a filosofia não produz verdades políticas, ele garante que a filosofia não tenta determinar a política. Em vez disso, ao argumentar que a filosofia deveria ser determinada pela política, ele tenta manter o potencial para o pensamento político enquanto tal.

O que é crucial para Badiou é que aprendamos a pensar de maneiras que não decorrem da situação existente de opressão capitalista. O fato de não haver um exemplo claro de uma política emancipatória perfeitamente realizada torna isso mais difícil – mas não significa que a tarefa que Badiou nos propõe seja impossível. No entanto, a política que começamos a construir não pode ser baseada em pura conjectura, senão estamos fadados à cair na abstração – ou no fascismo.

É aqui que a filosofia pode nos ajudar a desenvolver alternativas políticas, mas apenas desde que mantenhamos a fidelidade a uma sequência revolucionária – como a de 1968 – desencadeada por acontecimentos políticos reais. Em suma, Badiou sugere que evitemos os perigos gêmeos do relativismo e da abstração ao insistir que a filosofia deve decorrer da política, como pensamento em ação.

A matemática da resistência

Se Althusser ficou surpreso com a ênfase de Badiou na matemática, o que podemos fazer com isso? Historicamente, não é incomum que filósofos e teólogos tentem pensar através de problemas matemáticos como a natureza do infinito. No entanto, a conexão entre a matemática e a ação política marxista pode parecer obscura.

Enquanto Badiou oferece um argumento filosófico que reconcilia matemática e política, ele deixa claro que não é apenas uma questão acadêmica. Ele aponta que, historicamente, muitos matemáticos mantiveram convicções políticas fervorosas e que sua disciplina os atraiu para a vida política, não para longe dela. Como exemplo, ele aponta para seu pai Raymond Badiou, um matemático e membro entusiasta da resistência contra a ocupação nazista da França.

“Tanto Cavaillès quanto o pai de Badiou explicaram que sua escolha de resistir à opressão foi uma consequência necessária da lógica matemática com a qual estavam comprometidos.”

Badiou também escreve sobre os matemáticos mais conhecidos, Albert Lautman e Jean Cavaillès, que foram mortos por seu ativismo antinazista. Por exemplo, em 1942, disfarçado com nada mais do que um macacão, Cavaillès invadiu uma base submarina alemã em Lorient. Embora a polícia francesa o tenha prendido e internado, Cavaillès escapou no final daquele ano. Em 1944, a contra-espionagem alemã o prendeu novamente antes que ele fosse finalmente baleado e enterrado em uma cova marcada como “Homem Desconhecido nº 5”.

Tanto Cavaillès quanto o pai de Badiou explicaram que sua escolha de resistir à opressão foi uma consequência necessária da lógica matemática com a qual estavam comprometidos. De fato, vale a pena notar que Cavaillès trabalhou no campo da matemática pura. Ele defendeu uma metodologia que divorciasse a reflexão matemática de qualquer noção do tema e enfatizasse o potencial interno da própria matemática.

Isso é importante para Badiou que, seguindo Platão, argumenta que a matemática é o primeiro ponto onde a lógica exige que rompamos com a opinião. Ele escreve: “a essência da política não é a pluralidade de opiniões. É a prescrição de uma possibilidade de ruptura com o que existe.”

O acontecimento

Ou seja, as verdades atravessam a proliferação de debates e identidades políticas, oferecendo uma alternativa à estrutura social vigente. Rupturas como essas, no esquema teórico de Badiou, são entendidas como “acontecimentos”. Um acontecimento é inerentemente desafiador porque produz uma nova verdade que vai além das condições geográficas e históricas que lhe deram origem.

Consequentemente, a tarefa da filosofia radical é discernir entre o que é genuinamente novo e o que recapitula uma versão do estado de coisas existente sob o disfarce de novidade. Por exemplo, compare a revolta de 1968 com a eleição de Donald Trump em 2016. O primeiro criou novas formas de ação política, ampliando nosso horizonte de possibilidades. O último foi um sintoma e, em última análise, uma repetição do status quo.

“Como podem os momentos de resistência à opressão vir a reestruturar a sociedade, para além do muitas vezes breve e caótico momento de revolta?”

O ponto de Badiou é que a matemática pode nos fornecer recursos para pensar sobre um acontecimento conforme ele rompe a ordem política dominante. Reduzida à sua forma mais simples, a questão da política é: como podemos imaginar e realizar uma situação diferente daquela em que estamos atualmente? E daí decorre uma outra questão: como podem os momentos de resistência à opressão vir a reestruturar a sociedade, para além do muitas vezes breve e caótico momento de revolta?

Como a matemática fornece um modo de pensar de acordo com axiomas, a filosofia informada pela matemática nos permite pensar no que não pode ser determinado. Isso nos ajuda a responder à pergunta: O que certas decisões permitem? E como, por meio de uma série de investigações sobre o desconhecido, poderíamos começar a concretizar uma alternativa às realidades políticas opressivas?

Para Badiou, essas investigações nos ajudam a abordar todas as ameaças sociais e econômicas contemporâneas que resultam do capitalismo, postulando uma verdade comunista superior. Em vez de “participar das festividades do capital ou vagar sem rumo”, ele convida quem está comprometido com a filosofia a pensar a verdade política do comunismo até suas consequências.

O resultado será pensado na prática e a comprovação de uma hipótese comunista será verdadeira desde o seu nascimento.

CAITLYN CLARK estuda ciência política na Universidade de Yalee é membro da Young Democratic Socialists of America. Ela atua no conselho editorial da Broad Recognition, uma revista feminista de Yale.

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