“Ai, que saudade de feira.” Por Sirlene Bento Cardoso.

Foto: Gibran Mnendes

Por Sirlene Bento Cardoso.

Antes de me mudar para a capital e em outros tempos, eu comia muito melhor e mais barato. Ia nas feiras da agricultura familiar e fazia um “rancho” com menos de 50 reais. Só isso já me remete à uma montoeira de problemas, alguns estruturais e outros recentes, desfazendo de conquistas – também recentes – que tivemos num período de avanço do nosso país.

Comida no prato, dinheiro no bolso, trabalho duro, desenvolvimento do comércio local e integração social. Tem gente que não gosta de trabalhar, como o atual o Presidente da República, ao contrário dele, o povo do campo trabalha e trabalha muito. E não trabalha só para si, trabalha para família, para comunidade e para todo mundo que se alimenta. Sendo que, cerca de 15,28%, da população vive em áreas rurais e 55% da fonte de renda dessas famílias vem do trabalho agrícola.

E como o Estado responde a essa população? Extinguindo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), enfraquecendo políticas que antes garantiam a produção e o subsídio que vinha a partir de programas de erradicação da fome e distribuição. A lógica muda e o ciclo passa a ser: vender, comprar e levar para as prateleiras dos mercados a um custo muito mais alto. Construindo a ideia de que os produtos orgânicos são inacessíveis e contribuindo para o consumo de industrializados pelo preço baixo, não tendo, portanto, responsabilidade com a segurança alimentar e nutricional da população.

É claro que a pandemia concorreu com o sucateamento do ensino público, os lapsos no sistema de saúde, o risco aos direitos dos trabalhadores, a segurança e o desemprego. Nos primeiros quatro meses pandêmicos, o desemprego no Brasil aumentou em 27,6%. Mas o problema do desemprego vem de antes e a gente precisa entender o que aconteceu, já que nos primeiros meses de 2012 a taxa de desemprego era 7,9%, em 2013 era 8%, em 2014 era 7,2% e a partir de 2015 e a partir daí foi só ladeira acima. Em 2017, 2018 e 2019 a taxa variou entre 13,7% e 12,7%, ou seja, mais de 13 milhões de pessoas desempregadas mesmo antes da chegada do coronavírus e hoje, o desemprego ultrapassou 14,4% da população.

E qual é o X da questão? O desemprego está relacionado ao consumo, porque o que a gente ganha é o que a gente pode gastar e se não tem emprego, não tem dinheiro e se a gente é obrigado a gastar acabamos nos endividando, parcelando no cartão de crédito e depois parcelando a fatura, em um juros de banco absurdo. Ainda, com base no mesmo trimestre do ano anterior, o consumo das famílias caiu 0,7% no primeiro trimestre de 2020, 12,2% no segundo, 6% no terceiro e 3% no quarto trimestre. Mas no nosso país, as coisas não são pensadas de acordo com as regionalidades e características existentes e por isso, em momentos de crise para sobreviver no campo, se diminui o consumo e aumenta o grau de trabalho.

Quiçá sem o fomento de política pública, os pequenos agricultores mal conseguem permanecer na agricultura. O prejuízo é coletivo. Do trabalhador e da trabalhadora do campo, das famílias residentes em zonas rurais e também de quem está nas cidades. Meu, seu, deles, nosso.

Recentemente, aqui em Santa Catarina, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) que é uma solução para dois problemas: a fome e a falta de incentivo à agricultura familiar, foi atacado. O PAA compra alimentos produzidos pela agricultura familiar, com dispensa de licitação e os destina às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. O executivo decidiu não usar mais de 80% desse recurso porque, em cima do laço, exigiu nota fiscal eletrônica. A exigência de prestação de contas tem diferenças enormes quando são exigidas pelo Estado, sem o comprometimento de garantir o acesso à informação e instrução, de como receber benefícios que tem objetivo e público.

Por conta da pressão popular, o governo de Santa Catarina voltou atrás, mas só por isso mesmo, se a vontade existisse, por óbvio, iriam tentar entender quais eram as dificuldades do trabalhador do campo em emitir uma nota fiscal eletrônica e não decidir pelo não repasse do recurso porque não tinha nota. E por que os exportadores têm acesso a créditos e incentivos e o pequeno agricultor sofre tanto com a falta de apoio? Ainda juram por Deus que defendem a retomada da economia, do emprego e das rendas, participam de notas de repúdio contra a fome e quando sai alguma pesquisa são os primeiros a lançar um “meu Deus, que tristeza!”, só que isso não é o suficiente para ninguém. Defender a retomada de serviços de assistência técnica e extensão rural capazes de atender às peculiaridades desse trabalhador é política para qualquer estado que almeja se desvencilhar de pensamentos de colonização e submissão ao mercado. É para isso que o Estado serve, para transformar a realidade do povo.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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