Águas baixam, mas estrago das hidrelétricas permanece

Rio Madeira começa a baixar da maior cheia de sua história, mas os rumos da política energética brasileira ainda precisam mudar, segundo ativista.

Por Christian Poirier.*

BR 364

O senador Jorge Viana (PT-AC) divulgou, em sua página no Facebook, imagem que mostra que a estrada BR 364 começa a ressurgir das águas barrentas do Madeira. Os prejuízos da cheia histórica começam a ser calculados, assim como o papel das usinas

Albert Einstein disse que “não podemos resolver problemas pensando da mesma maneira que quando os criamos.” É evidente que as autoridades do governo brasileiro responsáveis pelo planejamento energético não levam em consideração tal sabedoria ao continuar promovendo o uso de usinas hidrelétricas em resposta à última crise energética no país, pondo em risco os povos da Amazônia, rios e florestas. Mas os ventos das mudanças climáticas continuam a soprar, trazendo o período de secas e inundações catastróficas que poderiam levar esse castelo de cartas por água abaixo.

Durante dois anos seguidos, as secas têm atingido o Sudeste do Brasil e o governo vem maximizando o uso de energia suja e cara produzidas pelas termelétricas para atender a demanda energética do país. Historicamente, a falta de água nos rios e reservatórios paralisam o uso das turbinas nas usinas em um país altamente dependente da energia hídrica. Na verdade, quase 80% da energia do Brasil é produzida em barragens, construídas com base no pressuposto de que os padrões de precipitação permanecerão regulares e constantes. O estragos criados pelas imprevisíveis mudanças climáticas contrariam esse modelo energético.

A queda de energia põe em risco o abastecimento de eletricidade no país. Essas cenas de déjà vu têm criado insatisfação e aumentado o escrutínio público sobre o governo da Dilma Rousseff em um momento crítico, já que este é ano eleitoral. No entanto, enquanto esta situação cria uma demanda por inovação e visão para liderar o país através de um modelo energético mais diversificado, limpo e dinâmico, os responsáveis pelo planejamento do governo insistem que a atual crise no setor hidrelétrico exige que o país deva construir mais barragens! Einstein deve estar revirando-se nesse momento.

Enquanto isso, na Amazônia, onde a construção de barragens continua sendo uma prioridade que ameaça os direitos humanos e destrói o meio ambiente, inundações catastróficas abriram e desvendaram outro “buraco” nos planos do governo. As mega-barragens de Santo Antônio e Jirau, construídas no percurso do Rio Madeira, são conhecidas por serem as primeiras barragens na Amazônia durante o governo do PT. Ao invés de aumentar a produção de energia no Brasil, essas barragens estão criando mais inundações no Rio Madeira como nunca visto antes. Apenas agora é que as águas estão começando a baixar, depois de mais de um mês de cheia extrema, com impactos provavelmente ampliados pelos lagos das usinas.

Com suas maciças paredes de concreto cortando o rio, as barragens do “Complexo Madeira” retêm as águas do Madeira e, devido à grande quantidade de chuva na região e talvez também ao degelo nos Andes, podem até alagar o país vizinho, a Bolívia, onde a inundação matou mais de 60 pessoas e 90.000 cabeças de gado, causando danos por enquanto incalculáveis.

A inundação do Rio Madeira colocou em risco a cidade de Porto Velho, onde milhares de famílias foram evacuadas pela força do rio. Devido ao nível d’água, o estado do Acre ficou completamente isolado, o alagamento de estradas levou o governador Tião Viana (PT) a declarar estado de emergência. Só agora, depois de semanas, pode-se ver novamente a estrada, antes debaixo d’água. O dilúvio é considerado por alguns “o maior desastre ambiental que a Amazônia já viveu”, disse o governador.

As usinas hidrelétricas no Brasil são os verdadeiros vilões nessa história, alterando drasticamente o fluxo natural do mais importante afluente do Rio Amazonas, criando inundações desastrosas.

As águas violentas do Madeira romperam as ensecadeiras de barro da Usina de Jirau, inundando o seu canteiro de obras e comprometendo a programação prevista para geração de eletricidade. Na hidrelétrica de Santo Antônio, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) ordenou que as turbinas fossem desligadas, a fim de reduzir as inundações no percurso da barragem. Esta situação de emergência diminui o abastecimento de energia elétrica gerado pela barragem de Santo Antônio, agravando ainda mais a escassez de energia no país. Ambos cenários demonstram a fragilidade do modelo energético do Brasil que depende de usinas hidrelétricas. Ai nos perguntamos: o que poderia levar os responsáveis pelo planejamento energético do país a quererem construir mais barragens?

Líderes brasileiros, como Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA), estão pedindo a renúncia do ministro da Energia, Edison Lobão, devido a essa crise, mas infelizmente a renúncia desse político provavelmente não mudaria o pensamento predominante do setor energético brasileiro. Essa não é uma medida simplesmente teimosa ou irresponsável: ela é calculada e corrupta, procurando manter o status quo, transferindo grande quantidade de verba pública para certos interesses e setores das áreas de construção civil, energia e mineração.

No Brasil, o que estamos testemunhando – onde secas e inundações estão mudando as condições climáticas – é exatamente o mesmo tipo de fenômeno que os cientistas previram que irá ocorrer com mais frequência nos próximos anos. Enquanto parece impossível reformar o setor de energia, mesmo com a crise climática da situação atual, a pressão pública poderá forçar uma mudança de rumos. Somente então o passivo do Brasil com as comunidades afetadas pelas usinas, assim como os rios dos quais elas dependem, vão estar aparecer nesse caminho tortuoso da agenda hidroelétrica.

*Da AmazonWatch – Traduzido por Henrique Gobbi

Fonte: Carta Capital

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