Do total de água que existe no mundo, só 3% é água doce e dela apenas 1% é de superfície e de fácil acesso. O resto são glaciais. Lamentavelmente as poucas fontes de água do planeta, uma vez utilizadas, são convertidas em depósitos de dejetos orgânicos. As chamadas águas servidas se tornam cursos de água até finalmente chegar ao mar, onde por excesso de matéria orgânica já proliferam algas, as quais liquidam com o oxigênio e provocam a eutrofização.
As consequências são nefastas. Por exemplo, provoca a destruição dos recifes de corais, principal “sumidouro” do dióxido de carbono (CO2) do planeta. Isto se deve, entre outras causas, a mudança climática, posto que o planeta reduziu sua capacidade de auto regulação, provocando com isso um incremento na gradiente térmica. Verão mais quente e inverno mais frio documentam, paradoxalmente, a escalafriante aquecimento global.
Porém, as catástrofes climáticas não se limitam às inundações ou a extinção de plantas e animais. Sua dimensão alcança outros âmbitos, como o político, social e econômico. O máximo perigo dessa abrupta variação climática não reside na degradação da natureza – já que no longo tempo geológico o equilíbrio retornará. O risco está no colapso civilizatório, com a desintegração de sociedades inteiras, com milhões de pessoas empurradas irremediavelmente à morte por causa da escassez de água potável e de alimentos, pela falta de saneamento básico e, em fim, no que mais se vê, as dramática migrações em massa.
A água é, portanto, uma ferramenta política. O acesso a ela ou a posse dela são determinantes para o desenvolvimento. A indústria e o maior uso da energia induzem os líderes e certas organizações a condicionar sua outorga a troco de favores e prebendas.
A necessidade do líquido vital só tem se incrementado, não só pelo crescimento da população mundial, que triplicou no século XX, mas pelo consumo per cá[ita, que se multiplicou por sete nesse mesmo período (1). O maior consumo de água resulta dos hábitos e padrões de consumo da moderna civilização (rastro hídrico). Um habitante urbano consome em média três vezes mais água que o habitante rural, ao extremo de que um cidadão estadunidense utiliza uma média de quase 600 litros de água por dia, enquanto um africano consome em média só seis litros diários.
Por isso, quando grandes extensões de terra fértil para a agricultura e a pecuária convertam em desertos devido às secas e outros fenômenos, ocorrerão confrontos bélicos em busca de reter ou usurpar as últimas gotas dessa preciosidade, nos resíduos do que antes eram fonte de vida. Em suma, o controle das fontes de água é hoje um problema de segurança e de sobrevivência humana. O estresse hídrico se expande por várias partes do mundo e já estão ocorrendo frequentes conflitos, com alta grau de extermínio, pelo controle do acesso às jazidas de água doce em diversas zonas da África.
Hoffmann e Requena (2) defendem que os pólos e os territórios acima dos quatro mil metros sofrerão um incremento de até quatro graus na temperatura consequência do aquecimento global (o dobro do resto do mundo). Isto significaria, por exemplo, o derretimento das geleiras e a evaporação dos lagos no altiplano boliviano. É dramaticamente urgente buscar e propor soluções agora. Construir dique, represas, tanques para captura da água da chuva, poços. Cuidar de realizar tudo o que for necessário para que nos lugares em que se encontram as principais cidades não se convertam num deserto nas altas montanhas andinas nos próximos anos.
*Arquiteto boliviano, colaborador de Diálogos do Sul, vive no México
1) Instituto Nacional de Estatística, Geografia e Informática (Inegi). Carga geológica, Ciudad de México, México 2007
2) cambioclimatico-bolivia.org/archivos/20130324041101_0.pdf