Por Claudia Weinman, para Desacato. info.
Deitei a cabeça no travesseiro, já era tarde. Ouvia só os pulos dos gatos. Pareciam dois cavalos para falar a verdade. Saltavam as barreiras formadas pelos violões alinhados no canto da sala. Na sala que a minha mãe estava aguardando para me receber naquele sete de setembro de 1991, ela conta que o relógio chegou até 00h45 então eu nasci, de parto normal. Lá na rua não estava normal. Tinham cavalos e muitos soldados, falando em coro e marchando, as ruas estavam cheias deles. Minha mãe estava cheia de alegria também, ela queria que fosse uma menina, depois dos outros dois serem meninos, embora ela amasse qualquer que fosse a criança que nasceria. Então nasceu o dia e eu levantei correndo da cama, a gente planejou um ato político online nesse 2020 porque nessa pandemia decidimos que pela vida, pela liberdade e dignidade faríamos assim mesmo. Mesmo assim teve quem foi para a rua, nos carrões bater continência para os outdoors, com uma arte bem malfeita, diga-se de passagem. É, não tiveram muita passagem pois a chuva veio intensa, como naquela madrugada em que eu nasci, minha mãe diz que meu choro era impetuoso como temporal, passageiro também, mas fazia um estrago danado na paciência. As cobras corais foram pacientes também quando eu completei cinco anos e comecei a cantar ao redor do pé de samambaia: “Pela palavra de Deus, saberemos por onde andar, ele é luz de verdade, precisamos acreditar”. Minha mãe nem acreditou quando viu um ninho de cobras das bem alimentadas no veneno, saltou alto para me tirar daquele lugar. Sim, eu tenho saudades daquele cantinho onde a gente morava, pedaço de terra não faltava, mas não foi ali que a gente ficou. Eu fiquei imaginando, durante toda a noite meio dormida, nas idas e vindas da insônia, que no dia que eu mais precisava, a internet cairia, então eu sonhava meio que acordada que a luz tinha se ido, que o ato seria transferido para a terça-feira e eu acordava no meio da madrugada para me situar da conjuntura. Difícil esse Brasil, conjuntura mesmo que assustadora, um presidente que leiloa toda nossa vida e ainda sai dizendo que não é coveiro e coisa assim. Mas daí eu acordei, vi que o sete de setembro tinha chegado e de aniversário em aniversário eu recebo tantos presentes. Globalizar a luta, dizer bem alto que essa terra tem dono e que presente estamos todos/as os/as que lutam por justiça, isso sim que é dia de esperança. A gente andou bem triste e caminha juntando todos os dias um pouco de nós, mas nem se compara aos que vão ter de dormir, com a cabeça no travesseiro, pensando nas tantas vidas que deixaram de existir porque o presidente matou, nem vai ter outdoor onde caibam as tantas mentiras que disseram para defender um Deus dos impérios, um jesus opressor. É, parece que os gatos se acalmaram, já posso dormir mais tranquila, com a tarefa cumprida e com muito o que fazer no amanhã. Eu gosto das manhãs, do mate quentinho, de dizer obrigada gentes que me deixaram um bilhete escrito nessa rede da internet. Agradecer é como devolver um presente, a gente nunca sabe como será o conteúdo do pacotinho.
Ah, a foto foi essa mesma que escolhi, eu era pequenina ainda, nunca fui muito da simpatia, então achei que combinaria com essas linhas.
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Claudia Weinman é jornalista, vice-presidenta da Cooperativa Comunicacional Sul. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).
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