Por Rafael Silva.
Em 13 de março de 2016, mais uma vez, foi rasgado no coração da democracia brasileira um espaço pretensamente político arquitetado por corruptos, pasmem, contra a corrupção. Os arquitetos desse domingo paradoxal não são outros que partidos políticos atolados em ilícitos até o pescoço e a Rede Globo, gigante da mídia e reconhecida filha da ditadura que, entre outros desserviços sociais, até o final desse mesmo domingo estava devendo 1 bilhão de reais em impostos aos cofres públicos.
E para que o evento fosse mais paradoxal ainda, ele teve lugar nas avenidas mais gentrificadas do país. E, detalhe, o uniforme oficial era a camiseta verde e amarela da CBF, outra organização comprovadamente criminosa. Traje de gala da ignorância! Arquitetura da corrupção com uniforme da corrupção: que bem poderia resultar dessa abjeta manifestação coletiva?
Como os corruptos que arquitetaram a manifestação anticorrupção são justamente aqueles que produzem e mantém a corrupção no Brasil, o grande evento dominical estava fadado ao fracasso antes mesmo de começar. Porém, só não foi um fracasso porque o real fim da corrupção nunca esteve entre seus objetivos. Antes, o que a multidão de ignorantes úteis e bem manipulados produzia era um espaço onde o despotismo político pudesse respirar eventualmente, sufocado que está nestes últimos doze anos nos quais o Brasil se aventurou a ser socialmente mais justo.
Cidadãos reunidos em espaço público, com a intenção, ainda que torpe, de produzir um Estado melhor, leva-nos diretamente ao conceito grego de ágora: o espaço público por excelência, no qual não só os cidadãos se reuniam, mas, principalmente, onde cultura, economia e política se entrecruzavam dialogicamente em vista do bem geral. Os manifestantes desse 13 de março tentaram, mas será que conseguiram fazer de sua manipulada reunião pública dominical uma ágora de verdade?
Para o bem do antigo conceito grego, fundamental àquela democracia, e não menos para a virtude do futuro democrático brasileiro, temos de dizer gravemente que não. Ora, se os manifestantes desse domingo queriam, entre outros absurdos, a deposição de uma presidenta democraticamente eleita, contra quem, até aqui, não há crime algum comprovado, a reunião deles, e o espaço paradoxal que criaram, de forma alguma merece ser chamado de ágora.
Para cidadãos que prezam a democracia, não porque este sistema de governo seja essencialmente ideal, mas, como dizia Aristóteles, pois, pragmaticamente, é o menos pior de todos, o espaço político que os manifestantes desse domingo criaram certamente causou pavor. Com efeito, a intenção agorística golpista não se privou de mais uma vez gerar espécie de agorafobia nas mentes verdadeiramente democráticas.
Só que, na verdade, são os próprios manifestantes golpistas que sofrem de agorafobia crônica, pois são eles que não suportam, na ágora política brasileira, o livre devir democrático. E para resolverem apressadamente tal patologia própria, querem acabar com o espaço público, acabando com democracia que o produz. Sem uma verdadeira democracia, o espaço que era para ser público passa a ser somente deles, seus velhos e históricos possuidores.
Analogicamente, é como se a única solução para o medo do outro fosse o assassínio desse outro, e não a tentativa civilizada de diálogo com ele na construção de um espaço melhor para ambos. Solução irracional que, se tem um sítio específico, é a própria barbárie, mas de forma alguma a ágora, que há 2500 anos é o lugar excelente para a civilidade e para a democracia.
A agorafobia golpista precisa não de uma ágora, mas de uma praça de guerra, ou melhor, de uma trincheira belicosa, tão estreita e restrita que só caibam nela os 10% da população que detêm 90% da riqueza do país, e onde de forma algum possa ter lugar os 50% de brasileiros que têm de se satisfazer com apenas 2% da riqueza nacional. Para tal, a arquitetura da desigualdade, construindo impertinentemente, na horizontalidade da ágora política brasileira, a mais indesejada verticalidade antidemocrática.
Barbárie paradoxalmente travestida de civilidade. Vil espetáculo público no qual os atores, todos fantasiados de verde e amarelo e ódio, outra coisa não eram que marionetes úteis, realizando com esmero o roteiro golpista arquitetado por partidos políticos e por veículos de comunicação absolutamente corrompidos e corrompedores. Ágora paradoxal cujo objetivo é destruir a democracia.
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Fonte: Laboratório Filosófico.