Projeto de lei, que também prevê fiscalização dos gastos do parlamento, foi criticado por conservadores e socialistas
Por Victor Farinelli.
Mal assumiram como deputados da Câmara chilena, dois ex-dirigentes estudantis eleitos em dezembro de 2013 esquentaram os debates após propor a redução do salário dos legisladores. Nesta quinta-feira (10/04), dia em que cumpriram seu primeiro mês de mandato, Giorgio Jackson, do movimento Revolução Democrática, e Gabriel Boric, da Esquerda Autônoma, protocolaram o projeto de lei, que pede o corte pela metade odo pagamento dos deputados e fiscalização dos gastos do parlamento.
Atualmente, um deputado chileno recebe oito milhões de pesos (32 mil reais) e outros 13 milhões para os chamados gastos operacionais (entre pagamento de assessores e gastos com viagens e outros, que configuram outros R$ 53 mil, aproximadamente). O projeto dos jovens deputados pretende reduzir o salário pessoal para quatro milhões de pesos (16 mil reais) e criar uma espécie de tribunal de contas, onde cada deputado terá que comprovar os gastos operacionais.
A origem do projeto está em “entender que em um país apontado por organismos internacionais como um dos que tem maior brecha entre ricos e pobres, os parlamentares devem mostrar maior compromisso com o combate a desigualdade”, explicou Gabriel Boric, que também negou que a proposta queira desprestigiar a categoria. “Acho que o efeito vai ser justamente o contrário. Quando diminuirmos os nossos salários, nosso vínculo com a cidadania vai ficar um pouco menos desgastado do que está agora”, afirmou.
O projeto gerou grande polêmica no país em questão de poucas horas, e tem sido, entre conversas nas ruas e debates nas redes sociais, a grande tendência no Chile desde então. O tema tirou um pouco do foco do noticiário sobre os sismos no norte do país e suscitou muitas declarações contrárias.
As que mais deram controvérsia foram as de dois colegas de parlamento, de diferentes coalizões, o conservador José Manuel Edwards e o socialista Pepe Auth, em um debate sobre o tema promovido pela Rádio ADN. Edwards atacou Jackson e Boric dizendo que “para eles é fácil posar como paladinos da austeridade, porque até o ano passado viviam das mesadas que os papais pagavam”. Já Auth reclamou que “eles são solteiros, não tem filhos, não tem esposas nem ex-esposas, e não conhecem os compromissos que têm um parlamentar, incluindo o trabalho territorial”.
A Opera Mundi, Jackson respondeu que ele e Boric não são “crianças” e lamentou as declarações. “É uma pena que alguns colegas queiram levar essa discussão para um tema de idade ou de maturidade. O problema é como o Estado gasta seu dinheiro. E precisa gastar melhor e de forma mais transparente”, disse. Sobre os gastos territoriais mencionados por Auth, Jackson declarou que “esses compromissos são importantes e estão contidos nos gastos operacionais, que não serão tocados, mas devem ser fiscalizados. Temos que discutir o que fazer com os que não são utilizados”.
O deputado também se referiu à crítica de uma colega de marchas, a deputada comunista Camila Vallejo, que primeiro declarou aos meios locais que “a desigualdade no Chile se combate fortalecendo as leis trabalhistas” e, horas depois, garantiu o apoio dela e de toda a bancada do PC (Partido Comunista) ao projeto. Para ele, “se Camila tem diferenças que podem enriquecer o projeto, claro que será bem-vinda. E se debatemos isso, não só como parlamento, mas como sociedade, melhor ainda”.
Vallejo
Também na quinta, dois deputados do partido UDI (União Democrata Independente, de extrema-direita), entregaram uma denúncia formal na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados contra Vallejo. Segundo Juan Coloma Jr. e Felipe de Mussy, a ex-dirigente estudantil não respeitou a homenagem feita pela casa ao ex-senador Jaime Guzmán, no dia 1º de abril, no aniversário de 23 anos de seu assassinato.
A acusação dos colegas afirma que ela “mostrou pouca capacidade de convivência democrática, ao não manter o devido respeito ao minuto de silêncio, permanecendo sentada durante a solenidade”. Vallejo respondeu que não somente não se levantou, mas manteve silêncio durante a cerimônia, conforme foi solicitado. “Não vejo porque tenho que render homenagem a um personagem como Guzmán, que foi cúmplice da ditadura, que justificou a repressão política no país”, explicou.
A deputada disse ainda que irá à comissão de ética quando for convocada, e levará uma contra denúncia contra o UDI, por denunciá-la “depois de fazer vista grossa para o flagrante desrespeito à homenagem a [Salvador] Allende, em setembro de 2013”. Na ocasião, durante cerimônia para lembrar o golpe de estado de 1973, um grupo de militantes UDI na plateia interrompeu o minuto de silêncio com vaias. Antes, o deputado Ignacio Urrutia chegou a questionar a cerimônia. “Também teremos que homenagear o covarde que se suicidou naquele dia?”, perguntou. Não houve qualquer tipo de denúncia ou sanção a Urrutia.
Objeto da homenagem da UDI, o advogado Jaime Guzmán foi a principal figura civil da ditadura de Pinochet e autor da Constituição de 1980. Eleito senador na primeira eleição do país pós-ditadura (em 1989), ele foi assassinado dois anos depois por membros da FPMR (Frente Patriótica Manuel Rodríguez, uma das guerrilhas que atuou nos anos 80 contra a ditadura). Atualmente um dos participantes da emboscada contra o senador cumpre pena de prisão no Brasil pelo sequestro do publicitário Washington Olivetto.
Fonte: Opera Múndi.