Agora é crime: violência psicológica contra a mulher é tipo penal

Causar dano emocional à mulher, controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação agora é crime; lesão corporal cometida contra a mulher por motivação relacionada ao seu gênero tem pena ampliada.

Foto de Luis Galvez no Unsplash

Por Julia Saggioratto.

Na quarta-feira, dia 28 de julho, foi sancionada a lei nº 14.188 que cria o tipo penal de violência psicológica contra a mulher e altera a modalidade da pena por lesão corporal simples cometida contra a mulher por motivação relacionada ao seu gênero. Ana Elsa Munarini, advogada popular, comenta que a lei busca regulamentar algumas previsões já expressas na lei Maria da Penha, além de construir e definir o programa de cooperação Sinal Vermelho. Ela destaca duas questões da lei, uma relacionada a alteração no tipo penal do artigo 129, que trata sobre a lesão corporal, definindo no parágrafo 13° a ampliação da pena para o tipo penal de lesão corporal se for por razão da condição do sexo feminino. “De uma pena de lesão corporal simples, que a detenção seria de três meses a um ano, nesse caso da lesão corporal ser por motivo da questão da condição do sexo feminino a pena vai de reclusão de um a quatro anos. Assim como estabelece um novo tipo penal, inclui no código penal brasileiro o artigo 147b que é a violência psicológica contra a mulher”, ressalta Ana.

De acordo com a lei, se entende por violência psicológica: “Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”. A pena para o crime é de reclusão de seis meses a dois anos, além de multa, caso o delito não seja ainda mais grave.

A lei nº 14.188 ainda destaca que caso seja verificada a existência de risco à integridade psicológica da mulher o agressor deve ser afastado do lar imediatamente. Atualmente isso só pode ser feito caso a ameaça seja à integridade física da mulher.

A advogada considera que estabelecer, de forma detalhada, a violência psicológica no código penal, com algumas práticas que consolidam esse tipo de crime estabelecidas expressamente, é um enorme avanço pois, como esta é uma violência subjetiva, sempre foi muito difícil configurá-la. “A gente sabe que só a rigidez da lei não é suficiente para garantir a segurança e a proteção das mulheres, porém ela é fundamental neste momento em que a violência contra as mulheres no âmbito familiar tende a aumentar, aumentou significativamente, inclusive, com a própria pandemia”, salienta.

Programa Sinal Vermelho

Esta lei define o “programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal)“.

Segundo o texto, o Poder Executivo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os órgãos de segurança pública e as entidades privadas, ficam autorizados a estabelecer, de forma integrada, “um canal de comunicação imediata com as entidades privadas de todo o País participantes do programa, a fim de viabilizar assistência e segurança à vítima, a partir do momento em que houver sido efetuada a denúncia por meio do código “sinal em formato de X”, preferencialmente feito na mão e na cor vermelha”.

A lei ainda menciona que a denúncia poderá ser feita pela vítima em repartições públicas e entidades privadas de todo o País. Além disso, declara que campanhas informativas e capacitações deverão ser realizadas.

De acordo com a advogada Ana Elsa, a legislação precisa proteger o direito das mulheres. Para elao programa de cooperação Sinal Vermelho é um outro instrumento significativo, porém, as mulheres precisam tomar consciência de que ele existe. “Aonde elas forem bater pedindo ajuda, as pessoas também têm que estar informadas sobre qual procedimento adotar neste momento, porque quando uma mulher está sendo vítima de violência, a linha é muito tênue entre o agressor praticar e consumar o ato e ela conseguir buscar ajuda antes que isso ocorra”, sinaliza.

Machismo Estrutural

A sociedade de classes, constituída a partir do patriarcado, utiliza-se da condição de sexo para criar uma categoria subalterna na sociedade capitalista. A autora Heleith Saffioti, em seu livro, A Mulher na Sociedade de Classes – Mito e realidade, destaca que essas categorias subalternas atuam de acordo com as necessidades do capital, assumindo características diferentes de acordo com a conjuntura. No entanto, alguns aspectos não são possíveis mudar, pois eles servem para justificar, na sociedade capitalista, “o desprestígio de outros setores demográficos e sua localização na base da pirâmide social”. Essas características servem para diminuir as tensões da sociedade capitalista a fim de manter a estrutura de classes. “A perpetuar-se esta tendência, o sexo operaria como fator de discriminação social enquanto perdurasse o modo de produção baseado na apropriação privada dos meios de produção” (SAFFIOTI, 2013, p. 61).
A advogada Ana Elsa Munarini comenta que os homens precisam fazer o processo de tomada de uma consciência. “O machismo é algo tão implementado, tão estrutural da sociedade brasileira, que para perceber que está cometendo um ato de machismo e de violência contra uma mulher é [preciso] um processo de tomada de consciência dos homens”, ressalta. Ela ainda questiona como trabalhar essa situação já que muitas vezes são atitudes tão naturalizadas que não se consegue compreender como um ato de violência, em especial na questão psicológica.
Ana destaca, também, a importância da luta das próprias mulheres para que elas mesmas ou outras mulheres não sejam vítimas de violência e que a legislação também é importante para contribuir com esse processo. Heleith Saffioti completa, em seu livro: “Cabe, pois, indagar se à mulher, enquanto membro da categoria sexo sempre dependente e submissa, o sistema em questão chegaria a oferecer plenas possibilidades de integração social” (SAFFIOTI, 2013, p. 61). Se ao sistema capitalista é necessário que a mulher trabalhadora permaneça enquanto categoria subalterna para diminuir as tensões e manter sua estrutura classista, de exploração da classe trabalhadora, não é possível derrotar o machismo e o patriarcado dentro e a partir da estrutura capitalista. São necessárias, imediatamente, outras relações de gênero e outro sistema produtivo que possa acolher, de fato, a pauta feminista, e se construir a partir dela.

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